Barão, eterno

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Senhor Cachorro
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Nossa homenagem a um homem que, mesmo fora das pistas, foi uma das maiores figuras da história do automobilismo brasileiro.

O automobilismo brasileiro acordou menor, nesta segunda-feira 11 de março. O falecimento de Wilson Fittipaldi, o Barão, deixa órfãos não somente Emerson e Wilsinho, mas toda uma geração de fãs e aqueles que, como nós do GPTotal, resolveram fazer do automobilismo mais que uma paixão.

Por isso, resolvemos republicar esse texto de 2011, quando o querido Wilsão completava 90 anos.

Obrigado, Barão! Vá em paz! Seu legado jamais será esquecido!

No primeiro dia do mês de junho de 1935, um jovem escoteiro de São Bernardo do Campo disse a seus pais que ia acampar nas redondezas durante o fim de semana. Ao invés disso, utilizou a farda para poder viajar de graça, sozinho, no trem que ia até o Rio de Janeiro. Era época do Circuito da Gávea, e o jovem de 14 anos já era, àquela altura, um incurável apaixonado pelo ronco dos motores.

Do alto do tronco de uma árvore, o menino assistiu ao seu primeiro Grande Prêmio e entendeu que sua vida estaria eternamente ligada àquele mundo fascinante. Naquele dia 2 de junho, portanto, o automobilismo brasileiro sofreu enormes ganhos e perdas. Afinal, por um lado, os fãs tiveram de chorar a morte prematura do grande Irineu Correa, vencedor na Gávea em 34 e maior expoente da pilotagem nacional, ao lado de Chico Landi. E por outro, ao ganhar o coração daquele quase imperceptível menino da árvore, o esporte a motor brasileiro pavimentava o caminho para se tornar uma das mais importantes potências no competitivo cenário internacional.

Apenas três anos mais tarde, numa brincadeira de escola, o jovem Wilson se viu pela primeira vez com um microfone nas mãos, falando para um público numeroso. Descobriu sua vocação, e em pouco tempo já trabalhava em rádios como locutor. O talento para o jornalismo brilhava no escuro, e a carreira solidificava-se rapidamente. Em 1943 casa-se com Juzy Vojciechoski, sua namorada de infância e com quem viveria durante 63 anos. No mesmo ano nasce o primeiro filho do casal, Wilson Fittipaldi Júnior.

Em 1949, Wilson torna-se o primeiro enviado a cobrir ao vivo um Grande Prêmio na Europa. Um ano após o sucesso de Chico Landi em Bari, lá estava Wilson para narrar ao vivo a edição seguinte da corrida. No fim, acabou passando mais de um mês em terras européias, se alimentando basicamente de chocolate. Transmitiu também as corridas em Monza e Possilipo, conheceu e tornou-se amigo de Enzo Ferrari e apaixonou-se pelas legendárias Mille Miglie. Diversas vezes teve de dividir cama de hotel com Chico Landi, dando uma mostra exata da precariedade, do pioneirismo e da entrega de seu trabalho.

Paralelamente ao jornalismo, Wilsão dá demonstrações de grande talento para a promoção e organização de eventos, ao mesmo tempo em que começa a naturalmente se cercar de uma poderosoa rede de contatos. Sua influência cresce, a ponto de no início da década de 50 conseguir uma audiência exclusiva com o então presidente Getúlio Vargas, pedindo que o governo federal apoiasse o automobilismo, à exemplo do que se via na Argentina.

Na mesma época Wilson desempenha papel decisivo para a preservação de Interlagos, que se encontrava em vias de ser loteado pela Companhia Estradas S.A. Transforma também nesta época o tradicional Centauro Moto Clube em Centauro Motor Clube, abrindo assim a porta para a organização de eventos automobilísticos de maior envergadura.

Em 1956 concretiza o grande sonho que acalentava desde a passagem pela Europa: realizar uma prova de Mil Milhas em território nacional. Para tanto, costura parcerias que culminan na reforma e melhoria da estrutura geral do autódromo, ao mesmo tempo em que viaja pelo território nacional em seu próprio carro, convidando de porta em porta os principais nomes do automobilismo brasileiro.

Aventura-se também como piloto em algumas competições, especialmente ao guidão de motocicletas. Chega, inclusive, a narrar uma corrida ao mesmo tempo em que pilotava. Um grave acidente, contudo, o deixa em coma por mais de um mês, e encerra a carreira de piloto.

Em 1961, Wilson se torna um dos fundadores da CBA e nos anos posteriores segue narrando corridas até encerrar a carreira no GP dos EUA-Oeste de 1980, que curiosamente marcaria o último pódio de seu filho Emerson e também a 1ª vitória de Nelson Piquet na F1.

O famoso apelido, foi colocado em 1973 pelo amigo Ney Gonçalves Dias, quando Wilson chegou de uma longa viagem e foi diretamente para a redação da rádio Jovem Pan vestido ainda com um gorro de couro semelhante ao que era utilizado pelos antigos aviadores militares. A frase: “Você está parecendo um Barão” rendeu a alcunha que, dada a aura nobre e aristocrática do personagem, acabaria se confundindo ao próprio nome nos anos seguintes.

Nos anos 80, Wilson ainda seria visto na televisão, como comentarista do jornal “Record em notícias”, da TV Record. Ainda hoje, apesar da privilegiada condição financeira de ambos os filhos, orgulha-se de dizer que vive da própria aposentadoria, bem como das rendas que acumulou. “Na verdade, ninguém acredita, mas eles (os filhos) ainda me devem dinheiro” – me confidenciou certa vez, aos risos.

httpv://youtu.be/3eJsTImgsec

Viúvo desde 2007, atualmente vive saudável e muito lúcido no Rio de Janeiro.

Conheci o Sr. Wilson em dezembro de 2008, quando ele gentilmente aceitou meu convite para participar da série de artigos sobre as 100 vitórias do Brasil na F1. Pedi uma entrevista de 20 minutos, sobre o GP da Itália de 1972, e acabei ficando mais de duas horas em sua residência. Ao fim daquele dia, havíamos nos tornado verdadeiros amigos.

Desde então, não se passa um mês sem que eu o telefone ao menos uma vez, para saber sobre sua saúde, e se anda precisando de algo. Volta e meia ele me surpreende e liga também, sempre me deixando indisfarçavelmente emocionado.

Ano passado marcamos novo encontro, desta vez sem qualquer compromisso profissional. Fomos almoçar juntos, numa churrascaria, perto de sua casa. E, de repente, lá estava o homem que ensinou um bicampeão mundial a dirigir, me pedindo que dirigisse o carro dele.

Já havia passado por isso antes, tendo que conduzir algumas horas ao lado de Roberto Pupo Moreno, um dos ídolos de minha infância. Mas no caso do Barão, gentilmente me recusei. Ao contrário, me ofereci para ser seu navegador, e nós dois nos divertimos muito com a situação. Emprestei-lhe minha visão periférica, e sempre que havia algum cruzamento eu avisava de cá: “Acelera, Fittipaldi!”. O velho Barão ria, e tocava o carro.

Um par de meses depois o destino me preparou outro momento inesquecível. Tive a oportunidade de intermediar um encontro entre o Barão e seu velho amigo português Francisco Santos, autor e editor do mais técnico anuário automobilístico em língua portuguesa desde 1972. Os dois já não se viam havia mais de 25 anos e lá estava eu, praticamente um ‘pirralho’, diante de dois dos maiores patrimônios do jornalismo automobilístico em língua portuguesa. E mais: neste mesmo dia os dois me pediram que eu assumisse o compromisso de escrever a tão merecida biografia do Barão.

httpv://youtu.be/aqzKXJ5IhXM

Por absoluta falta de tempo, ainda não pude aceitar. Espero de verdade que esse quadro se reverta muito em breve.

Em meio a todas as dificuldades encontradas no caminho de quem se dedica a viver do jornalismo automobilístico aqui no Brasil, ter a oportunidade de viver momentos como estes que descrevi, bem como poder chamar de amigo um homem a quem sempre admirei – e que passei a admirar muito mais depois de conhecer pessoalmente –, me fazem cada vez mais amar essa profissão que escolhi.

Infelizmente nosso querido Barão não acessa a internet, para que fosse possível mostrar-lhe esta humilde homenagem. Mas o vejo sempre entre livros e jornais, e por conta disso me coloco à disposição dos amigos que eventualmente queiram mandar alguma mensagem ao Sr. Wilson.

Basta enviarem algum e-mail não muito extenso para mim, endereçado ao Barão, que eu prometo entregar-lhe impresso em nosso próximo encontro.

Aquele abraço a todos!

PS: infelizmente, não será mais possível levar e-mails para o Barão, mas seus ensinamentos ficarão para sempre na memória.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

11 Comments

  1. Paulo disse:

    Prezados Amigos do GPTotal

    Utilizo novamente os serviços deste precioso site para manifestar minha profunda tristeza pelo falecimento de Wilson Fittipaldi , o inesquecível Barão.

    Não há muito a dizer, a não ser orar e pedir que Deus conceda toda a força necessária à Família Fittipaldi, para que passem da melhor forma possível , por este triste momento que embora conhecido por todos, desde a mais tenra idade, nunca estamos preparados para ele .

    Embora o momento seja de tristeza, não posso deixar de parabenizar Márcio Madeira pela reedição de sua coluna “Barão, eterno”. Ainda à respeito da coluna, renovo os meus agradecimentos ao Márcio por sua imensa generosidade em se dispor a encaminhar mensagens ao querido Barão, tendo sido eu um dos que ousaram aceitar tal regalo. Mas como o próprio Márcio observa ao final de sua coluna reeditada: “PS: infelizmente, não será mais possível levar e-mails para o Barão, mas seus ensinamentos ficarão para sempre na memória”.

    Desta maneira, resta a grande saudade a todos que o amam e admiram e principalmente os ensinamentos e os excelentes exemplos.

    Forte e consternado abraço à Família GPTotal.

    Paulo C. Winckler, Porto Alegre

    • E ele de fato leu as mensagens, Paulo. Em minha página no Facebook postei a foto do nosso amigo lendo as folhas que imprimi e grampeei. Posso dizer que gostou muito do presente.
      Abraço, e tudo de bom.

      • Paulo Winckler disse:

        Prezado Márcio

        Tenho certeza que leu sim e isto, graças à sua imensa generosidade em disponibilizar a entrega destas singelas mas sinceras homenagens ao querido Barão, Wilson Fittipaldi.

        Lembro, também, da foto do Barão lendo estas mensagens, dentre às quais, acredito, inclui-se a minha.

        Renovo os agradecimentos por sua generosidade, sem a qual (falo quanto a mim mesmo) não teria condições de acessa-lo, tendo sido isto possível apenas e graças ao seu intermédio.

        Muito obrigado por tudo e que Deus lhe acompanhe, amigo Márcio.

        Forte abraço à Família GPTotal

        Paulo C. Winckler, Porto Alegre

  2. Carlos Chiesa disse:

    Ia mesmo pedir para reprisar esta coluna. Pena que seus sucessores no ofício nunca
    estiveram à sua altura.

  3. Mário Salustiano disse:

    Márcio e amigos

    sem dúvida esse belo texto ilustra toda a admiração que nós nutríamos pelo Barão, e escrito com toda essa sensibilidade que o Márcio coloca em suas palavras, a vida é assim e tem momentos alegres, momentos tristes , momentos de calmaria, momentos de turbulência, e tem momentos como esse que para mim são para reflexão, refletir em como podemos continuar caminhando e fazendo com que o legado deixado por uma pessoa, que proporcionou momentos tão importantes em nossas vidas possam ser preservados, respeitados e continuados ,que não apenas no próximo domingo quando os motores roncarem em Melbourne, mas em todas as vezes que ouçamos um motor roncar tenhamos dentro de nós uma oração de agradecimento ao nosso Barão e que onde ele possa estar ele se delicie com esse som.

    Se grandes ases do automobilismo foram chamados lá para cima para realizar corridas no céu, agora eles tem um narrador de primeira para suas corridas.

    Deus abençoe essa família!!!

    abrs

    Mário

  4. Rogerio KEzerle disse:

    Uma grande perda para todos que amam o automobilismo…

  5. Fernando Marques disse:

    Um dia realmente triste por tudo que a Familia Fittipaldi representa para o automobilismo brasileiro..
    Que o Barão descanse em paz.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  6. A respeito deste texto, eu o publiquei numa revista e tive a chance de levá-lo ao Barão, juntamente aos recados dos leitores do GPtotal que me escreveram na ocasião. Tenho em casa a foto do Sr. Wilson lendo os recados, que o deixaram muito contente.
    Era, de fato, um amigo muito querido.

  7. admin disse:

    Não poderia haver melhor homenagem.

    Parabéns pelo texto, Márcio, e meus pêsames a você, que perde além de uma referência, umm amigo próximo.

    Um abração!

  8. Mauro Santana disse:

    Obrigado por tudo que fez por nós, Barão!

    Meus sinceros sentimentos a família Fittipaldi.

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

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