Edu,
Reforcei ainda mais a minha certeza de que o atual regulamento da Fórmula 1 é uma merda. Nosso colega Fábio Seixas, da Folha de S. Paulo, fez algo que eu tinha curiosidade de fazer, mas não a necessária dose de paciência: “converteu” para o sistema atual de pontuação (10-8-6-5-4-3-2-1) todos os campeonatos mundiais, desde 1950. Quem quiser ver o resultado completo pode consultar a “Folha” do último domingo (15 de junho).
Fábio refez todas as tabelas dos 53 campeonatos mundiais já realizados. No lugar dele, eu não precisaria passar do primeiro para constatar como a pontuação atual é ruim. Por ela, o campeão de 1950 teria sido o italiano Luigi Fagioli. Fagioli integrava com Giuseppe Farina e Juan Manuel Fangio integravam o “trio de ‘F’” (a inicial dos sobrenomes do pilotos) da única equipe realmente competitiva daquele ano, a Alfa Romeo.
Na vida real, Fagioli ficou em 3º lugar naquele campeonato, atrás de Farina, o campeão, e Fangio. Os dois primeiros colocados conseguiram o mesmo número de vitórias (três para cada um, em sete corridas realizadas – sendo a terceira etapa a 500 Milhas de Indianapolis, que não contou com nenhuma equipe européia). Farina foi campeão principalmente por ter quebrado menos que Fangio e marcou 30 pontos. Fangio foi o vice com 27 e Fagioli, que conseguiu quatro segundos lugares e um terceiro nas seis corridas européias, terminou o campeonato em 3º lugar, com 24 pontos (marcou 28, mas teve que descartar 4 porque valiam somente os quatro melhores resultados).
Pois bem. Com a nova pontuação, Fagioli, que não venceu nenhum GP em 1950, teria sido o campeão daquele ano, terminando à frente de dois pilotos com três vitórias cada um. Uma situação ridícula.
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O levantamento de Fábio Seixas mostra que outros títulos mundiais teriam mudado de mãos com a pontuação atual: 1964 (o título de John Surtees iria para Graham Hill), 1965 (de Jim Clark para Graham Hill), 1976 (de James Hunt para Niki Lauda), 1984 (de Lauda para Alain Prost), 1988 (de Ayrton Senna para Prost), 1994 (de Michael Schumacher para Damon Hill) e 1999 (de Mika Hakkinen para Eddie Irvine).
Observo que os títulos de 1964 e 1988 nem precisariam da pontuação atual para mduar de mãos. Para isso, bastaria anular outra regra estúpida, a dos descartes de pontos. Hill em 1964 e Prost em 1988 terminaram como vices, mas marcaram mais pontos que os campeões mundiais Surtees e Senna. Os descartes foram criados para anular os efeitos maléficos de um ou outro azar do piloto durante a temporada. Mas houve temporadas como as de 1964, em que valeram os 6 melhores resultados em 10 corridas (você jogava fora 40% das corridas que disputava!) e as de boa parte dos anos 80, com 16 corridas das quais somente valiam os 11 melhores resultados (um terço da temporada, como aconteceu em 1988).
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Para mim, a parte mais saborosa do levantamento de Fábio Seixas é o perfil que ele traça de Fagioli, que já era uma estrela nos GPs disputados antes da Segunda Guerra Mundial. Peço a devida licença para reproduzir um trecho da reportagem do Fábio:
“Em 1934, em Nurburgring, [Fagioli] recebeu ordens da Mercedes para ceder a vitória a um companheiro. Parou o carro e foi para casa, abandonando a equipe.
“Em 1936, correndo pela Auto Union, travou uma discussão com Rudolf Caracciola, da Mercedes. Irritado, Caracciola jogou um martelo em Fagioli. Este desviou e, transtornado, foi para cima do rival com uma faca, mas foi contido.”
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Comecei a prestar mais atenção aos males que um sistema de pontuação pode fazer em 1987, quando a Stock Car brasileira resolveu adotar o sistema de pontuação da Nascar. Nela, o vencedor marca 175 pontos, o segundo colocado 170, o terceiro 165, e vai caindo em escalas diferentes até o 44º ou 45º colocado – fora isso, lembro apenas que o vigésimo colocado recebe (recebia, no caso da Stock brasileira) 103 pontos.
Com isso, logo no primeiro ano já aconteceu a primeira distorção. Pilotos com várias vitórias foram derrotados por Zeca Giaffone, um dos melhores pilotos da história da nossa Stock, que não venceu nenhuma corrida naquele ano. No ano seguinte, a pontuação não fez grandes estragos porque Fábio Sotto Mayor venceu sete ou oito das dez corridas da temporada. Mesmo assim, uma única quebra fez com que Fábio só pudesse confirmar seu título na penúltima etapa. Pelo número de vitórias, merecia tê-lo feito pelo menos uma corrida antes. E em 1989 todos perceberam que essa pontuação era injusta numa altura do campeonato em que a tabela do campeonato mostrava Chico Serra, com três vitórias, atrás de um piloto cujo melhor resultado até ali havia sido um quinto ou sexto lugar. Nessa altura, percebi que chegar duas vezes em 20º lugar valeria 206 pontos, enquanto uma vitória e uma quebra renderiam apenas 175 pontos… Depois disso, a Stock brasileira voltou a ter uma pontuação mais coerente.
Corridas de automóvel foram criadas para premiar vencedores. Quem o consegue já é premiado por preservar seu automóvel – aquele velho ditado de que, para chegar em primeiro, primeiro é preciso chegar. Sistemas de pontuação como o usado atualmente na Fórmula 1 servem apenas para enganar o público com um suspense barato. Nada mais do que isso.
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Que saudades de Jean-Marie Balestre. No começo de 1991, ele acabou com os descartes e aumentou o número de pontos do vencedor de cada GP de 9 para 10, sem mexer na pontuação dos demais. Objetivo declarado na época: valorizar quem pilota para vencer. Hoje…
Abraços,
LAP