Clark contra o vento – parte 3

Segunda chance
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É o lobo! É o lobo!
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Leia a 1ª (https://gptotal.com.br/clark-contra-o-vento-parte-1/) e a 2ª parte desta coluna (https://gptotal.com.br/clark-contra-o-vento-parte-2/)

 

A temporada de F2 em 1966 vinha sendo dominada pela Brabham com ainda mais veemência do que vinha ocorrendo na Fórmula 1. No campeonato francês, por exemplo, todas as provas do ano foram vencidas por Jack Brabham ou Denny Hulme, a bordo dos modelos BT 18 e BT 21. Ainda assim, no dia 11 de setembro Jim Clark faria uma das maiores corridas de sua vida, no Grand Prix de l’Île de France, em Montlhéry. Ainda que Brabham tenha se mostrado inalcançável, Jim venceu uma duríssima disputa com Hulme pela segunda colocação, na qual teve de lançar mão de todo seu brilhantismo e sua capacidade de andar no limite o tempo todo. Soube-se depois que ele havia enfrentado sérios problemas de câmbio durante a prova, especificamente com a 4ª e a 6ª marchas, que se desengatavam com frequência. Ao menos numa oportunidade essa falha o obrigou a corrigir uma assustadora escapada a mais de 160 km/h. Apesar de tudo isso, de algum modo ele conseguiu igualar o tempo da melhor volta, que dividiu com Brabham.

De volta à F1, em Watkins Glen, Clark tornou-se o único piloto na história da categoria a vencer um GP tendo sido empurrado por um motor H16. Talvez nenhuma outra corrida em sua vida tenha demonstrado com tanta clareza uma virtude que poucas vezes foi devidamente valorizada em seu cartel: a gentileza e o cuidado com o equipamento, apesar da velocidade que costumava imprimir.

Nos treinos, Clark havia ficado a apenas 0,1s do tempo que rendeu a pole position a Brabham, apenas para ver seu motor quebrar logo em seguida. A única unidade disponível para substituição era o motor reserva da equipe BRM, que naquela altura já havia acumulado muita quilometragem e parecia uma aposta para lá de arriscada. Os mecânicos da Lotus trabalharam durante 15 horas seguidas para adaptar o motor, que era ligeiramente diferente, e restando uma hora para a largada Clark ainda não sabia se largaria com o Lotus 43 equipado com o motor H16 da BRM, ou se usaria o velho Lotus 33 com o motor de 2 litros da Climax, que havia sido levado como reserva de segurança e nos treinos havia se revelado 1,5s mais lento.

Graças ao esforço competente dos mecânicos, que também sanaram um vazamento de óleo de última hora, Clark conseguiu largar com o 43. E então tratou de levar o carro até o fim da maneira mais cuidadosa possível, recebendo a bandeirada com mais de uma volta de vantagem sobre Jochen Rindt e um incrível John Surtees, que havia pilotado como um homem possuído após ter sido involuntariamente tocado por Peter Arundell, quando estava aplicando-lhe uma volta. Mesmo tendo saído do carro disposto a agredir Arundell, Big John ainda retornou à prova para subir ao pódio. Se não tivesse perdido a cabeça, o campeão de 1964 provavelmente teria vencido a corrida. Melhor para Clark, que com a vitória levou para si e para a Lotus o prêmio em dinheiro mais cobiçado do ano.

 

 

Após marcar o segundo melhor tempo no México, último GP da temporada, o motor H16 voltou a quebrar, desta vez jogando água fervente sobre o pescoço de Clark. Tendo sido obrigado a largar com uma unidade que não estava entregando a potência habitual, Jim finalmente abandonou após nove voltas com problemas no seletor de marchas.

O ano estava chegando ao fim, mas Clark ainda iria entregar algumas performances memoráveis em corridas de menor expressão. Na bateria final da corrida de Fórmula 2 do Motor Show 200, por exemplo, o carro de Ron Harris que havia sido entregue a Clark estava incrivelmente equipado com pneus Firestone no eixo dianteiro e Goodyear no traseiro(!), e ainda assim ele conseguiu acompanhar de perto a briga entre Brabham e Rindt no traçado longo de Brands Hatch. Jim também venceu a 1ª bateria do Lombank Trophy para os saloon cars, com direito a assinalar a melhor volta do dia.

 

 

O último evento de 1966 para Jim Clark foi uma participação no Rali Internacional da Grã-Bretanha, ao volante de um Lotus Cortina de fábrica e tendo a seu lado o respeitado piloto e navegador Brian Melia. Juntos eles tomaram parte efetivamente em 39 estágios. Surpreendentemente, Jim fez o melhor tempo em três deles, marcou o segundo melhor tempo em oito e foi o terceiro em outros quatro. Mesmo tendo perdido tempo com um pneu furado e outros problemas mecânicos, vinha se mantendo entre os dez primeiros num universo de 144 inscritos, até que no 40º estágio derrapou, bateu, e danificou seriamente o lado do motorista. Ainda tentou seguir na disputa, mas abandonou em definitivo no 45º estágio.

Além de ter se adaptado muito rapidamente à abordagem dos ralis, Jimmy diversas vezes colocou a mão na graxa, ajudando a trabalhar no carro com uma humildade que poucos se atreviam a esperar de uma lenda de sua envergadura.

“Ele pilotou como eu sempre quis”, recordaria Melia anos mais tarde. “Sempre imaginei que deveria haver um balanço perfeito a se atingir entre a técnica muito lateralizada de Roger Clark e o estilo muito mais convencional de Vic Elford, e Jimmy provou que isso existia. Eu nunca imaginei que Jim Clark fosse tão bom”, admitiu.

 

 

Como tantas vezes ocorre entre os grandes gênios do esporte, a campanha de Jim Clark ao longo de 1966 torna-se discreta aos olhos de muitos historiadores por se encontrar sob a enorme sombra de seus anos mais vitoriosos. Provavelmente, se tais desempenhos tivessem sido protagonizados por um piloto de menor expressão a História lhes faria mais justiça.

Tendo sido escritos por Clark, no entanto, esses capítulos de sua trajetória nos dão testemunho a respeito de sua maturidade emocional, bem como da forma pragmática e sem afetações com que se dedicava a entregar o melhor desempenho a partir de suas possibilidades, sem se importar se o resultado final seria mais uma vitória acachapante ou representaria a diferença entre terminar na oitava ou na sétima posição.

Aos 30 anos de idade Clark era um homem absolutamente seguro a respeito da própria competência, que não sentia a necessidade de provar nada a quem quer que fosse. Uma lenda em seu próprio tempo, é verdade, mas essencialmente um homem sóbrio, humilde e de sólidas raízes morais, um cavalheiro que jamais se deixou inebriar pelo sucesso nem tampouco se esqueceu de onde vinha, e para onde pretendia retornar.

Mais do que um gênio das pistas, provou-se um exemplo de atitude que parece bastante pertinente nos tempos em que vivemos.

Forte abraço a todos

Márcio Madeira

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

2 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Concordo com Rubergil.
    Três excelentes textos
    E a certeza que J. Clark está entre os maiores e melhores de todos tempos.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  2. Rubergil Jr disse:

    Três textos excelentes. Clark é mesmo uma lenda, presença obrigatória em qualquer lista de melhores de todos os tempos.

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