(Se você está chegando agora e não leu a primeira parte, role a página para baixo e leia a minha coluna de 6/1)
As pesquisas aerodinâmicas na Fórmula 1 começaram com os aerofólios e seaceleraram a partir de 77 quando a Lotus começa acertar o conceito dos carros-asa, capaz de multiplicar algumas a aderência dos carros. O salto de desempenho é notável: o tempo da pole no GP da Bélgica de 78, por exemplo, caiu quatro segundos em relação à de 77 e seis em relação à de 76.
O primeiro mundial vencido por um carro asa foi o de 78, por Mario Andretti, com um maravilhoso Lotus. Nesta altura, todas as equipes estavam batendo a cabeça para refinar os conceitos aerodinâmicos aplicados à Fórmula 1. O que até então tinha sido, digamos, um jogo de criança, ficou sério, caro e arriscado. Era uma área nova, não havia túneis de vento e computadores para simular resultados tampouco tanto dinheiro e gente envolvidos na pesquisa. Os acidentes violentos foram uma constante.
Para complicar mais as coisas, foi em 77 que a Renault começou a desenvolver os motores turbocomprimidos, que há muito não eram usados na Fórmula 1. A aventura acabou contaminando a Ferrari e depois a BMW, a Porsche e outros fabricantes. A quantidade de dinheiro necessária para desenvolve-los era estupidamente maior do que a investida até então nos Cosworth mas, dado o sucesso da categoria, a disponibilidade de patrocinadores, TV, público etc. foi-se em frente. É neste exato momento que começa a loucura orçamentária na Fórmula 1. Não é exagero dizer que entre 76 e 86 o orçamento das equipes/fabricantes de motores multiplicou-se por 50, talvez mais.
Tamanho crescimento dos orçamentos deveu-se também ao uso nos anos seguintes de fibra de carbono na construção dos chassis, freios de carbono, suspensões eletrônicas, controles computadorizados para injeção de combustível, câmbio, diferenciais etc. Naturalmente a quantidade de técnicos e testes necessários para fazer com que tudo funcionasse bem deu um salto. Se uma equipe contava com menos de vinte pessoas em sua fábrica no começo dos anos 70, passou a precisar de cem funcionários ou até mais dez anos mais tarde. Não importava mais o preço e as dificuldades técnicas. Patrocinadores e redes de TV bancavam a conta com prazer.
Foi também neste período que recrudesceu a guerra entre os fabricantes de pneus.
A Goodyear fora fornecedora única dos pneus para a categoria durante boa parte dos anos 70, até ser desafiada pela Michelin, a partir de 77. Nunca mais teve sossego até abandonar as pistas. A Michelin saiu e voltou para a categoria mas, na sua ausência, Pirelli e Bridgestone se ocuparam em fazer os pneus evoluírem mais e mais rápido, às custas de investimentos milionários e km e mais km de testes.
Uma combinação de avanços aerodinâmicos e estratégias de corrida, com dois a quatro pit stops durante um GP, acabou por tornar o sal das pistas – as ultrapassagens – um evento raro. Mais e mais os pilotos passaram a ganhar posição nos pit stops. Dos pilotos passou a se exigir mais cabeça e menos arrojo, mais disciplina estratégica e menos improvisação.
O salto no desempenho dos carros obrigou as autoridades esportivas a tomarem medidas para tentar garantir a segurança dos pilotos e conter custos. Em 83, os carros-asa foram proibidos e, a partir de 84, foram adotadas medidas para reduzir a potência dos motores turbo até serem proibidos ao final de 88. As suspensões eletrônicas duraram até 93. Em 98, foram impostos os sulcos nas bandas de rodagem dos pneus, com pouco efeito prático, por sinal.
É que com recursos humanos e técnicos cada vez mais caros e sofisticados à disposição, as equipes, fabricantes de motores e pneus vão ultrapassando as restrições, uma a uma, levando a categoria a um delírio tecnológico sem paralelo no esporte. As grandes equipes pesquisam soluções aerodinâmicas em seus túneis de vento 24 horas por dia, sete dias por semana. Algumas delas já têm dois túneis.
As últimas novidades nas restrições vocês já conhecem: a obrigatoriedade do uso de um único motor durante dois GPs e apenas um jogo de pneus para o sábado e domingo. Acena-se agora com uma redução considerável na potência dos motores e imposição de um único fornecedor de pneus para a Fórmula 1 – se é que ela vai sobreviver…
OS ASPECTOS COMERCIAIS
Toda e qualquer inocência de natureza esportiva foi se perdendo na medida em que crescia o sucesso e riqueza da Fórmula 1. O que tinha sido até então o trabalho de uma oficina mecânica de bairro (a sede da tricampeã Tyrrell era um barracão de madeira onde não cabiam mais do que três carros) tornou-se um laboratório aeroespacial.
Até os anos 60, o Mundial de Pilotos era uma série de Grandes Prêmios com pouco ou nenhuma ligação comercial entre si. A presença das equipes em cada corrida era negociada caso a caso e se uma delas não concordasse com o valor oferecido pelo organizador da prova, simplesmente não aparecia para correr.
A afluência da categoria inevitavelmente levou à organização da Fórmula 1 e o papel central neste processo coube às equipes por meio de Bernie Ecclestone.
Foi um processo que demorou mais de dez anos mas Bernie chegou lá: enquadrou pilotos, patrocinadores, emissoras de TV, organizadores de GPs, autoridades esportivas e as próprias equipes.
Bernie recebeu esta delegação das equipes processo um motivo simplíssimo: ele se mostrou disposto e competente para negociar em nome delas, jogando tanto dinheiro novo em seus caixas que as equipes não se incomodaram com o fato de ele embolsar outro tanto. Você se incomodaria se eu lhe desse US$ 50 milhões sem que você tenha de fazer nada de diferente do que está fazendo desde que eu embolsasse outros US$ 50 milhões? Pois foi isso que Bernie fez.
Para tanto, amarrou as equipes a acordos irretratáveis como o Pacto da Concórdia, um documento que diz mais ou menos o seguinte: você, equipe, se obriga a apresentar dois carros em todos os GPs e, em troca, ganha xx milhões de dólares e mantém a boca fechada.
Com o Pacto em mãos, Bernie desenvolveu outras fontes de receita e as garantiu por um longo período: sua empresa, a Slec, comprou da Fia os direitos de organização do Mundial de Pilotos da Fórmula 1 por cem anos. Feito isso, ele vendeu 75% da Slec para três bancos mas manteve por meio de contratos os direitos de gerenciar a empresa.
Acontece que a bonança de receitas dos patrocinadores reduziu-se de forma sensível nos últimos anos, as montadoras de automóveis assumiram papéis importantes na categoria, o Pacto da Concórdia termina no final de 2007 e agora as equipes querem uma fatia maior do bolo de Bernie.
A oposição principal vem de uma nova entidade chamada GPWC, que reúne Ferrari, McLaren Mercedes, Renault e BMW. A entidade diz, muito simplesmente, que ou recebe muito mais dinheiro a partir de 2008 ou abandona a Fórmula 1. Para piorar as coisas, os bancos proprietários da maioria da Slec contestam na Justiça o contrato que dá a Bernie o controle da empresa.
É com este cenário que iniciamos a temporada de 2005, que pode vir a ser a antepenúltima da Fórmula 1.
Boa semana a todos
Eduardo Correa |