Geraldo Tite Simões |
Quem é novo, conhece uma Fórmula 1 tão tecnológica quanto os foguetes da NASA. Mas ela nem sempre foi assim. Quando acompanhei de perto a F1, entre 1977 e 1981, a categoria era tão amadora quanto hoje se mostram os Fuscas que competem pelo Brasil. Vi muitos carros remendados com silver tape, carenagens retocadas às pressas e um festival de gambiarras tão grande que não era surpresa o elevado número de acidentes fatais naquele período.
As técnicas eram bem simples e os pneus radiais eram a grande novidade apresentada pela Michelin. Não havia essa conversa de cobertor térmico, cristais de sílica no composto, sulcos assimétricos e todo este aparato tecnológico que envolve os pneus. Mais ainda, os pneus era muito sensíveis ao calor.
No entanto, antes de me tornar um jornalista, já devorava tudo que saía da imprensa nacional e italiana sobre a F1. Em 1977 o Emerson Fittipaldi assinava uma coluna não lembro em qual revista e eu assimilava tudo como se fosse uma aula de pilotagem. Numa prova de F1, com a temperatura muito elevada, ele explicou como tinha conseguido melhorar o tempo de volta esfriando os pneus. Segundo o depoimento, ele e o irmão Wilson, colocaram panos úmidos para manter os pneus frios. Assim, quando chegasse na volta boa (flying lap), os pneus estariam na temperatura ideal.
Verdade ou não, me vi, no ano seguinte, em uma prova de kart em Uberlândia, MG, sob um sol escaldante, em pleno verão. Nos treinos livres eu não conseguia passar da 3ª posição por mais que me esganasse. Eu corria com um motor RM 125 já defasado em relação aos dos meus concorrentes e não conseguia chegar no final da reta com velocidade suficiente. Se alongasse a relação eu perderia retomada na saída de curva antes do retão e iria chegar mais lento ainda. Se encurtasse a relação o motor “acabava” no meio da reta. A solução era entrar na última curva antes da reta de pé embaixo, sem deixar o motor perder giro, aproveitando a relação final mais longa. Mas quem conseguia fazer o kart parar na curva, com o asfalto a uns 70º C?
Foi aí que meu primo e fiel escudeiro – e devorador voraz de todas as revistas de carro do Brasil – lembrou da história do Emerson. Molhamos os pneus e mantivemos o “arrefecimento” até a hora da classificação. A tomada de tempo no kart sempre foi com um piloto de cada vez, com três voltas, sendo uma de preparação, e duas tentativas. Na minha volta de apresentação fui bem devagar para não superaquecer os pneus e abri a volta. Deu tudo certo como num filme de suspense e consegui minha primeira pole-position graças ao Emerson.
Na corrida… Bem, depois da primeira volta, quando os pneus superaqueceram, eu voltei para o terceiro lugar e acabei nesta posição. Para ter uma idéia da diferença de relação, eu usava coroa com 62 dentes, enquanto meus concorrentes usavam com 71 dentes. E ainda eram mais velozes em reta.
Este foi o papel da imprensa na minha vida de piloto.
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Não aguento mais receber cartas, e-mails, telefonemas, pessoas na rua, sinais de fumaça, etc perguntando “O que está acontecendo com o Alexandre Barros?”.
Taí uma pergunta difícil de responder. No final do ano passado Alexandre fez quatro corridas dignas de entrar para os arquivos dos “melhores momentos do motociclismo de competição”, duelando com Valentino Rossi e Max Biaggi. Foram cenas de emocionar até uma freirinha do Sacre Couer. Alex venceu um “mundialito”, desafio criado pela imprensa italiana e prometia uma temporada de 2003 cheia de glórias. Eu mesmo escrevi editoriais dizendo que 2003 seria o ano de Alexandre Barros arrebentar o mundial de MotoGP.
Bom, ele arrebentou mesmo. Começou arrebentando o corpo inteiro em sucessivos tombos. É preciso esclarecer que Alex foi escolhido, pela sua experiência, para desenvolver novos pneus para a Michelin. O problema foi justamente um problema de aderência na dianteira o que levou Alex várias vezes ao chão em treinos. Até que ele se encheu, virou pros caras da Michelin e soltou o verbo: “Vocês que peçam ao Valentino Rossi cair um pouco também!”.
Mas até perder as estribeiras, Alex já estava detonado fisicamente: joelho, punho e ombro. Meus amigos, vocês não têm idéia de como um piloto de moto se desgasta fisicamente só de dar umas voltinhas. Imagine uma corrida de 45 minutos!
Para comprometer ainda mais a vida do Alexandre, a Yamaha foi mais teimosa que um jegue. Ela insiste em manter o motor quatro cilindros em linha, que é mais largo que o V5 (Honda) ou V4 (Ducati). Quanto mais largo o motor, maior é a área frontal e menor penetração aerodinâmica.
Mais uma teimosia foi insistir na mudança do carburador para injeção eletrônica. Não acabou, ainda desenvolveram uma nova suspensão traseira com dois amortecedores, em vez de um. Se analisarmos que Biaggi venceu uma prova de Yamaha em 2002, com uma moto eficiente e rápida, pode-se imaginar o quanto Alexandre ficou pê da vida com as mudanças que levaram o desenvolvimento da Yamaha M1 à estaca zero.
Alexandre é um ótimo piloto, tanto que conseguiu o melhor resultado da Yamaha em 2003 (3º lugar na França), mas tem um lado emocional muito frágil. Quando ele está disputando a ponta é um guerreiro e batalhador impressionante. Mas quando se vê jogado nas posições intermediárias cai num marasmo. Não sou psicólogo, nem o conheço tão intimamente, mas essas características são notadas facilmente por quem acompanha de perto a MotoGP.
Não sei dos planos da Yamaha para 2004, mas se continuar insistindo no quatro cilindros em linha vai ter de rebolar muito. De todos os pilotos Yamaha, Alexandre ainda é o melhor deles.