Pronto, acabou. Depois de três corridas com novidades no degrau mais alto do pódio, a Fórmula 1 voltou a assistir a uma corrida normal, com o domínio de seu “dono” habitual na temporada de 2004: Michael Schumacher. Em Suzuka, ele não deu chances a ninguém: dominou os treinos de sexta-feira e, no domingo, marcou a pole position. Liderou de ponta a ponta, não perdendo o primeiro lugar nem mesmo durante as paradas para reabastecimento. Ganhou com absoluta tranqüilidade.
Nem por isso foi uma corrida chata. Atrás de Schumacher, aconteceu um GP bastante interessante. Por exemplo: como na China, acompanhar os desempenhos de Ralf Schumacher e Juan Pablo Montoya foi bastante esclarecedor. O alemão classificou-se em segundo no grid e repetiu o resultado na corrida. Já Montoya teve um desempenho apagado nos treinos e na corrida viu sua tentativa de ganhar uma posição (a de Trulli) se transformar na perda de duas (para Barrichello e Fisichella). A BAR, por sua vez, fez mais uma corrida excelente: colocou Button em 3º e Sato em 4º lugar, praticamente se firmando como equipe vice-campeã da temporada. Algo que, creio, ninguém seria capaz de apostar no começo do ano – nem na própria BAR.
Jarno Trulli, estreando na Toyota, mostrou muita combatividade e provou que Flavio Briatore errou completamente ao abrir mão de seus serviços neste final de campeonato. No começo da corrida, o italiano andou entre os primeiros e defendeu-se muito bem de pilotos que tinham carros mais rápidos. Depois das paradas de box, passou a depender da velocidade do Toyota para subir de posição – e aí as limitações mecânicas impediram qualquer progressão que lhe permitisse terminar nos pontos.
Jacques Villeneuve fez mais uma corrida discreta e tomou uma linda ultrapassagem de Felipe Massa, por fora, no final da corrida. Ainda acho que Villeneuve é capaz de mostrar mais do que vimos na China e no Japão. Mas, independente disso, quero lembrar de duas declarações. Há dois anos, Villeneuve postulava que Massa era “incapaz de andar em linha reta”. Três semanas atrás, o canadense assumiu o cockpit do Renault falando em “revanche com a BAR”. Diante disso, suas atuações de Shangai e Suzuka podem ser resumidas em uma única palavra: humilhantes.
Pena que várias das emoções da corrida tenham sido provocadas por esse horrível regulamento de merda (fazia tempo que eu não escrevia isto) que torna a definição do grid de largada uma verdadeira loteria. Quando será que os dirigentes e os donos de equipes vão se convencer que proporcionar apenas uma volta rápida para cada piloto serve muito mais para tirar favoritos da disputa pela vitória do que para embaralhar as cartas? A título de especulação: Barrichello, por exemplo, poderia ter brigado pela vitória se tivesse a chance de largar mais à frente. Em vez disso, saiu em 15º por causa de um erro na volta de classificação. Arcou com os riscos de quem parte no bolo de trás e precisa recuperar posições, e acabou sua corrida na roda dianteira direita de David Coulthard. Um acidente normal, sem culpados, mas que só aconteceu por causa da estupidez do sistema de definição do grid. Massa também perdeu a chance de largar mais à frente por causa de um erro na classificação. Fez a quarta volta mais rápida da corrida e acredita que poderia até mesmo ter brigado por uma posição no pódio, desde que tivesse largado na posição que seu equipamento lhe permitiria conquistar. Não teria sido muito mais interessante se ele tivesse a chance de largar numa posição compatível com a competitividade
de seu carro?
Já disse outras vezes e repito: prefiro GPs monótonos de verdade do que emocionantes de mentira.
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O tufão que ameaçou passar por Suzuka no sábado provocou o cancelamento de toda a programação do dia e levou a F 1 a um fato inédito: definir o grid no mesmo dia da corrida. Inédito, mas sem maiores conseqüências. Nada do que se viu no treino classificatório ou na corrida pôde ser atribuído a essa situação inusitada.
Mas esta não foi a primeira vez que o clima provocou preocupação em um GP do Japão. Em 1976, na primeira vez que o país recebeu a Fórmula 1, a corrida foi a última etapa do campeonato (disputada no dia 24 de outubro) e decidiria o título mundial entre Niki Lauda, que liderava, e James Hunt, três pontos atrás. Lauda, é bom lembrar, havia sofrido em agosto o famoso acidente no GP da Alemanha, em Nurburgring, e voltara a correr apenas um mês e pouco antes do GP do Japão.
No dia da corrida, uma tempestade inundou o circuito de Fuji – um traçado, com uma reta longa e uma sucessão de curvas de alta velocidade. Para piorar, uma neblina espessa baixou no circuito. As condições climáticas eram tão ruins que a largada foi sendo sucessivamente adiada, na esperança de que as coisas melhorassem.
Depois de duas horas de atraso e nenhuma perspectiva de melhoria, começou-se a pensar seriamente na hipótese de cancelar a corrida. Mas o que fazer com a definição do título mundial? E com o público, que havia pago ingresso e aguardava pacientemente a largada? E os direitos de TV? Como se vê, as mesmas preocupações de hoje, apesar de alguns cronistas atuais insistirem no chavão de que a F 1 daqueles tempos era muito mais “romântica”.
Segundo relatos da época, surgiram propostas de todos os tipos. Uma delas foi realizar a corrida sem que ela contasse pontos para o campeonato e facultando a cada piloto a decisão de participar ou não. A decisão do título entre Lauda e Hunt ficaria para o GP da Argentina, a corrida de abertura do campeonato de 1977. Mas ninguém gostou muito dessa idéia (se fosse hoje, é bem provável que ela fosse considerada excelente pelos dirigentes e por alguns chefes de equipe cabeça-oca, tipo Flavio Briatore).
Com quase três horas de atraso, a pista continuava encharcada mas a neblina se dissipara o suficiente para permitir um mínimo de visibilidade – e a largada foi autorizada. Para muitos, ainda era uma loucura correr naquelas condições. Niki Lauda, ainda exibindo no rosto feridas não cicatrizadas do acidente em Nurburgring, foi um deles. Largou, deu duas voltas e, com a autoridade de quem voltara a correr depois de quase perder a vida apenas três meses antes, encostou no box ao constatar que não valia a pena correr tantos riscos por causa de um título mundial. Outros pilotos, entre eles Emerson Fittipaldi e José Carlos Pace, tomaram a mesma decisão, e pelo mesmo motivo, algumas voltas depois. Lauda definiu sua decisão com a seguinte frase: “Enzo Ferrari me paga para pilotar, não para eu me atirar pela janela”. A atitude do austríaco foi interpretada como sinal de “covardia de um piloto acabado” por alguns e de extrema firmeza de caráter por outros. Em 1977, Lauda conquistou seu segundo título mundial e mostrou qual grupo estava com a razão.
Hunt ficou com o caminho livre para chegar ao título, mas precisava terminar no mínimo em quarto lugar para empatar com Lauda nos pontos e levar o título por ter mais vitórias (seis, contra cinco do austríaco). Liderou parte da corrida e terminou em terceiro lugar, faturando o título com um ponto de vantagem sobre Lauda. Um dos finais de campeonato mais inesperados de todos os tempos, principalmente considerando a vantagem que Lauda abrira no começo do campeonato: quatro vitórias e dois segundos lugares nas seis primeiras corridas do ano. Nesse mesmo período, Hunt conseguira apenas uma vitória e um segundo lugar – sendo que essa vitória, na Espanha, havia sido anulada pela FIA e só seria devolvida no meio do ano.
Esse GP do Japão de 1976 marcou também a estréia de vários pilotos japoneses – os primeiros a largarem em um GP de F 1. Um deles, Kazuyoshi Hoshino, correu com um Tyrrell 007 particular, bastante modificado. Destacou-se por ter andando durante um bom tempo em terceiro lugar. Seu carro era equipado com pneus de uma marca japonesa pouco conhecida até então, e que só era usada pelas equipes locais: Bridgestone. Somente em 1997, quando já havia se transformado em uma poderosa multinacional e comprado a Firestone norte-americana, é que a Bridgestone fez sua estréia oficial na Fórmula 1.
Outro japonês, Masahiro Hasemi, correu com um carro japonês chamado Kojima, que estreou naquela corrida. Terminou em 11º lugar e conseguiu a façanha de cravar a volta mais rápida da corrida. Durante muitos anos, esse feito ficou relegado ao conhecimento de poucos, pelo simples motivo de que as sucessivas edições do “Marlborão” (apelido do famoso Marlboro Guide) atribuem a melhor volta do GP do Japão de 1976 a Jacques Laffite. Na era pré-internet, o “Marlborão” era praticamente a única fonte de consulta rápida dos jornalistas para pesquisar estatísticas, e isso relegou a volta mais rápida de Hasemi e do Kojima ao conhecimento restrito de alguns pesquisadores e jornalistas – aqueles mais atentos ou de memória mais prodigiosa.
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Luiz Alberto Pandini |