Panda
O que posso dizer? Que estão todos loucos? Que estão tentando acabar com o que resta da Fórmula 1? Que é inútil discutir esta montanha de lixo exarada pela Fia? Que o Max Mosley está cada dia mais parecido com o Jean Marie Ballestre?
Fico pensando no esforço do Flávio e do Tales, tentando ordenar as informações, desinformações, idas e vindas dos “acontecimentos” no novo e belíssimo www.grandepremio.com.br e dou graças a Deus de poder apenas ficar olhando esta verdadeira marcha da insensatez que vem movendo a Fórmula 1 nos últimos tempos.
Escravo da lógica, dei muitas voltas tentando reduzir a “crise” e a crise em seus termos básicos. Vamos tentar descrevê-los:
1 – a maioria das equipes sofreu uma redução mais ou menos significativa em suas receitas de patrocínio. Há quem tenha perdido e não reposto patrocinadores, como a Jordan, e quem tenha visto, como a Ferrari-Fiat e Jaguar-Ford, as suas empresas-mãe passarem por graves problemas financeiros, que nada têm a ver com Fórmula 1. Há ainda casos, como o da Arrows, de pura e simples malversação de fundos.
2 – Enquanto isso, Bernie Ecclestone fica com cerca da metade ou até um pouco mais de todo o dinheiro que a Fórmula 1 ganha em transmissões de corridas, merchandising, venda de ingressos especiais etc., etc. O que sobra, é dividido pelas equipes, segundo critérios que, de forma geral, reproduzem os tradicionais mecanismos de desigualdade de renda: muito para os ricos, pouco para os pobres. As equipes concederam esta peixada ao bom Bernie porque foi ele quem montou a parada toda (lembre-se de uma das frases do nosso especial: “Todas estas pessoas são milionárias graças ao Bernie”, dita por alguém olhando os chefes de equipe da Fórmula 1).
Tudo bem. Bernie pode ficar com a metade deste bolo e eu ficar com um pouquinho se eu ganhar mais dinheiro fazendo outras coisas. Mas se estas outras coisas (patrocínios, por exemplo) secam, vou crescer o olho para cima do dinheiro de Bernie. Só que ele não quer me dar nada e tem contratos e mais contratos que lhe garantem este privilégio. Aí me resta semear “crises” para ver se Bernie solta alguma coisa. Parece coisa de criança mas está dando certo: Minardi e Jordan já conseguiram aumentar em US$ 30 milhões as suas receitas provenientes de direitos de TV.
3 – Acontece que, além destes problemas que poderíamos considerar pontuais (deixa a economia dar uma melhorada para você ver se os patrocinadores não voltam), há uma guerra declarada pela posse dos domínios comerciais de Bernie que, uma hora destas, terá de largar o osso.
Como sempre acontece nestas disputas, a coisa estáenroladíssima: Bernie vendeu direitos futuros ao um bando de picaretas alemães que não tiveram grana para pagar a conta. Os direitos acabaram nas mãos de bancos especuladores, destes que compram títulos da dívida de países pobres como o Brasil e depois semeiam crises para ganhar com as altas e baixas do mercado. Claro que os bancos não querem nem saber de Fórmula 1. Eles querem é vender estes direitos por bem mais do que pagaram. Como estamos falando em coisa de US$ 1 ou 2 bilhões, a coisa fica preta. Quem tem os direitos quer vender caro, quem pode comprar ou recomprar (caso do próprio Bernie ou das montadoras Mercedes-BMW-Fiat-Renault-Ford) quer jogar o preço para baixo. Note que, para esta turma, fomentar “crises” ou crises pode ser um excelente negócio. Quanto você pagaria pela Fórmula 1 no final de 2000, auge da lua de mel Schumacher-Ferrari? Quanto você pagaria agora?
4 – Independentemente de tudo o que foi narrado, é inegável que a Fórmula 1 tem um problema sério de custos demasiado elevados. Mas este é um problema relativo. Se eu quiser ir para a Austrália de jatinho, me hospedando no melhor quarto do melhor hotel de Melborne para assistir à primeira corrida do ano, o problema é meu – e a conta também. Se depois de uma extravagância destas meu dinheiro acabar não creio que seja justo eu reclamar que ganho pouco. Temos de viver dentro das nossas possibilidades. Isso vale para mim, para você, para os leitores e para as equipes de Fórmula 1.
Se elas gastam US$ 50 milhões em um túnel de vento (como a Sauber) ou US$ 2 milhões em um motor home (como a McLaren), o problema – e a conta – são delas. Gostem ou não, a Fórmula 1 (na verdade, todo o automobilismo) é assim: o poder financeiro impera. Quando desembarcou na Fórmula 1 em 54, a Mercedes gastava mais do que todas as outras equipes juntas. Resultado: venceu nove das doze corridas que disputou na Fórmula 1.
Não menciono aqui como problema a tal perda de competitividade da Fórmula 1 dadas às seguidas vitórias de Schumacher. Isso é pura “crise”. A Fórmula 1 sempre teve donos: Fangia, Clark, Lauda etc. Já falei várias vezes sobre isso, não vou repetir, todo mundo sabe. A audiência da Fórmula 1 caiu? Caiu sim mas isso já aconteceu antes e depois voltou a subir. É uma flutuação natural, previsível até, sempre acontece em TV. Só os malandros usaram este argumento para reduzir investimentos em patrocínio.
Então é isso. Estes são os problemas, as “crises” e as crises. Acho que não esqueci de nada.
É de se questionar se tais problemas demandam soluções. Estamos ganhando menos? Então vamos cortar nossos gastos, segundo nossas necessidades. Se perdi muita renda, assisto ao GP da Austrália de casa. Se perdi só um pouco de renda, vou para lá de jato comercial e me hospedo num hotel três estrelas. Se estou podendo, boto para quebrar e levo aos amigos pra lá de jatinho e depois estico na Malásia. Na acho que chorar no seu ombro ou no dos leitores se já ganhei para isso e hoje não ganho mais. É preciso viver dentro das próprias possibilidades.
Iniciativas como as da Fia ou esbarram no ridículo ou simplesmente não atendem ao propósito. Vamos examinar apenas três casos, para não amolar ainda mais ou leitores.
1 – Max Mosley propõem que os carros fiquem inacessíveis entre o final do treino de sábado e a corrida de domingo. É uma tentativa de conter equipes que, como a Williams, investem em carros de treino (não vi ninguém notar que esta regra beneficia amplamente a Ferrari, que não investe tanto nos treinos, a ponto de ter perdido sete poles na temporada passada para Montoya…).
Bem, valendo a regra, a Williams será obrigada a economizar. Mas quem disse que ela quer economizar? Não me consta que Jordan ou Minardi tenham carros especiais para treinos. Assim, a regra imposta por Mosley pode ter vários propósitos mas não leva a uma redução efetiva de custos.
2 – O mesmo Mosley proclama: morte à eletrônica. O piloto vai ter que se virar sozinho, sem controle de tração, largada, piloto automático, telemetria bidirecional e sei lá mais o que. Legal. Todo mundo é a favor desta regra menos as equipes que rapidamente perceberam que teriam de gastar mais dinheiro para fazer seus carros funcionarem sem a parafernália toda. E isso sem falar que a Fia rendeu -se à eletrônica porque reconheceu ser incapaz de controla-la… A Fia negaceia, diz que as regras são para aplicação imediata e que basta mexer num botão e desligar parafernália toda. Mas, que coisa, acaba voltando atrás e diz que as regras só valem no meio do ano.
3 – Mosley propõe o uso de motores capazes de durar várias corridas (até seis). Os fabricantes inicialmente tervigersam e depois falam mais claramente, como Patrick Faure, chefão da Renault, o fez ontem: “um motor que dure seis corridas é o fim da Fórmula 1”.
Onde está a racionalidade de tudo isso? Onde se quer chegar? A quem interessa e a quem não interessa as novas regras? Não seria mais fácil Bernie aumentar a bolsa das equipes que estão em dificuldades financeiras talvez na forma de uma empréstimo, como ele habitualmente faz (reforçando seu poder junto às equipes?
Nesta altura do campeonato, já estourei em muito o tamanho da coluna e vejo que as idéias apenas se confundem ainda mais. Melhor parar por aqui e contar histórias de campeonatos passados, onde “crise” e crise acabaram superadas e esquecidas e sobraram apenas a valentia dos pilotos, a criatividade dos projetistas, as façanhas de pistas e boxes e não o lixo das salas de reunião.
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Relutante em abandonar o dia-a-dia do site, que me dá tanto trabalho e prazer, entro em férias a partir da próxima segunda-feira, voltando à ativa depois do Carnaval. Mas antes, deixe-me dar as boas-vindas ao nosso companheiro, Geraldo Tite Simões, que estréia na próxima terça, dia 28, escrevendo sobre Motovelocidade aqui no GPTotal.
Até breve
Eduardo Correa