“Pô, Panda. Muito legal. Tremi na base, valeu. Que saudades…”. Foi com estas palavras que Marcus Zamponi, um dos mais vividos e competentes jornalistas brasileiros de automobilismo, agradeceu o presente que lhe enviei por e-mail: a foto que abre esta coluna, gentilmente cedida pelo leitor Sérgio Pires Albuquerque. Ela mostra os dois melhores pilotos suecos que já passaram pela Fórmula 1: Ronnie Peterson (o loiro da direita) e Gunnar Nilsson (o cara de cabelo encaracolado à esquerda).
Zampa, como todos do meio chamamos o sr. Marcus Zamponi, tem bons motivos para se arrepiar ao ver essa foto. No começo da década de 1970, ele morava na Inglaterra e trabalhava na March, que tinha entre seus proprietários o sr. Max Mosley, hoje presidente da FIA. Peterson, já um piloto estabelecido, era um verdadeiro ídolo para o Zampa, devido ao talento que demonstrou durante a temporada brasileira de Fórmula 2, em 1971. Na F 1, Peterson correu pela March entre 1970 e 1972, e também em 1976. Lembro até hoje do dia em que o Zampa me contou: “Cara, fiquei arrepiado no dia em que o Peterson me cumprimentou com um ‘Hi, Zampa!’. Fiquei uma semana orgulhoso…”.
Zampa ainda trabalhava na March em 1975, quando Nilsson e o brasileiro Alex Dias Ribeiro eram pilotos da equipe oficial da March no Campeonato Inglês de Fórmula 3. O relacionamento entre os dois pilotos era até harmonioso, principalmente considerando a competitividade da categoria e o fato de serem, no final das contas, rivais em busca de um lugar ao sol na F 1. Zampa conta (nunca consegui descobrir se a sério ou fazendo blague) que o religioso Alex presenteava seus mecânicos com exemplares da Bíblia, enquanto Nilsson dava a eles as mais, digamos assim, explícitas revistas eróticas suecas. Não creio que tenha algo a ver, mas o fato é que o campeonato inglês de F 3 de 1975 terminou com Nilsson campeão e Alex vice…
Peterson competiu na F 1 durante oito anos. Conseguiu dez vitórias e dois vice-campeonatos. Gunnar Nilsson disputou apenas duas temporadas (as de 1976 e 1977) e venceu uma corrida. Não tenho medo de dizer: foram dois dos melhores pilotos que já passaram pela Fórmula 1. Para alguns fãs de hoje, talvez pareça exagero definir assim dois pilotos com tão modestos números para os padrões de hoje. Paciência. Em vez de justificar, prefiro lembrar a história de um famoso músico (Louis Armstrong, creio eu) que certa vez deu a seguinte resposta a alguém que lhe perguntou como diferenciar o bom do mau jazz: “Se eu preciso explicar, é sinal de que você nunca vai entender”.
Nilsson testou um Williams no final de 1975 e estreou na F 1 em 1976 pela Lotus, substituindo justamente a Peterson. Este já era um piloto consagrado mas vivia uma fase negativa em função dos maus carros que vinha pilotando. Peterson disputou o GP do Brasil de 1976 (o primeiro daquele ano) ainda pela Lotus, mas na corrida seguinte (África do Sul) passou para a March, que havia deixado no final de 1972… para correr na Lotus.
Em seu terceiro GP, na Espanha, Nilsson conseguiu o 3º lugar – colocação que repetiria alguns meses mais tarde, na Áustria. Ótimos resultados para o carro que a Lotus tinha naquele ano. A última corrida, no Japão, foi vencida por Mario Andretti, companheiro de Nilsson na Lotus e eleito primeiro piloto pelo dono da equipe, Colin Chapman. Peterson, por sua vez, acumulou ótimos desempenhos que quase sempre terminavam quando o March quebrava. No GP da Itália, o March resistiu e Peterson venceu. Poucos dias antes, o sueco havia assinado contrato para correr pela Tyrrell em 1977.
Só que a temporada de 1977 seria uma das mais infelizes para Peterson. Os Tyrrell P34 de seis rodas já não tinham a competitividade do ano anterior e, para piorar, o estilo “selvagem” de Peterson era totalmente inadequado a um carro tão complexo. Nilsson, por sua vez, percebeu rapidamente que dificilmente teria alguma chance de superar Andretti na Lotus. Isso ficou provado após o warm-up do primeiro GP, na Argentina: tanto o carro titular de Andretti quando o carro reserva estavam sem condições de correr, e Colin Chapman não teve dúvidas em entregar ao norte-americano o carro de Nilsson, que ficou fora da corrida.
Para os dois pilotos suecos, o melhor momento de 1977 aconteceu no GP da Bélgica, em Zolder, disputado sob chuva. Nilsson venceu e Peterson terminou em 3º lugar. Dois suecos no pódio! Nilsson ainda conseguiria alguns bons resultados, o último deles um 3º lugar na Inglaterra, mas teve problemas mecânicos ou acidentes em todas as demais corridas. Terminou o campeonato em 8º lugar, com 20 pontos, enquanto Andretti terminava em 3º, com 47 pontos e quatro vitórias. Para Peterson, um ano para esquecer: somente 7 pontos, quatro deles marcados com o 3º lugar em Zolder.
No final do ano, Nilsson saiu da Lotus e juntou-se a uma nova equipe que estava sendo formada pelo banqueiro italiano Franco Ambrozio e por um grupo de executivos e técnicos oriundos da Shadow: Alan Rees, Jackie Oliver, Dave Wass e Tony Southgate. O nome dessa nova equipe foi formado com as iniciais dos sobrenomes desses senhores: Arows, depois modificado para Arrows, já que a repetição do “R” faria a palavra significar “flecha” em inglês. Nilsson correria junto com Riccardo Patrese, mas sequer chegou a sentar-se no Arrows. Ainda no final de 1977, ele descobriu que estava com câncer no estômago. Passou então a dedicar-se ao tratamento da doença, com expectativas de curar-se e voltar a correr ainda em 1978.
O lugar aberto por Nilsson na Lotus foi ocupado justamente por Peterson, invertendo os movimentos que os dois suecos haviam feito no começo de 1976. Sua temporada na Tyrrell havia sido tão negativa para sua imagem que ele só conseguiu a vaga depois de assegurar à Lotus a quantia de 300.000 libras – quantia paga pela Polar, uma fábrica sueca de trailers. Chapman não deu qualquer ilusão a Peterson: o primeiro piloto da equipe seria Andretti, que receberia todas as atenções para lutar pelo título.
Enquanto Nilsson lutava contra o câncer, Peterson provava que seu talento continuava intacto. Venceu duas corridas, fez pole positions, mostrou claramente ter condições de superar Andretti. Mas não podia fazer isso porque seu contrato impedia. Peterson morreria no dia 11 de setembro em conseqüência dos ferimentos sofridos no acidente ocorrido logo após a largada do GP da Itália, ocorrido um dia antes. (Quem quiser saber mais pode clicar em “Nossos Especiais” e procurar pelo especial dedicado a Ronnie Peterson.)
Gunnar Nilsson, careca e bastante debilitado, compareceu aos funerais do compatriota. Menos de 40 dias depois, no dia 20 de outubro, ele morreria em conseqüência do câncer. Descobriu-se então que Nilsson doara praticamente todos os seus bens ao hospital de Londres onde fazia os procedimentos médicos de tratamento da doença – segundo alguns, teria sido a maneira que encontrou para pagar a conta depois que o dinheiro acabou. Terminou assim, de maneira abrupta e trágica, a grande fase dos pilotos suecos na Fórmula 1. Antes de Peterson e Nilsson, apenas um outro piloto daquele país havia conseguido vencer na F 1: Joakim Bonnier, outro grande piloto, morto em um acidente na 24 Horas de Le Mans de 1972.
As mortes de Peterson e Nilsson abalaram profundamente o interesse dos suecos pela F 1. O GP da Suécia de 1979, que pelo calendário da FIA aconteceria no 16 de junho, foi cancelado semanas antes dessa data, por falta de patrocinadores. De 1978 para cá, o sueco que chegou mais perto de vencer um GP após foi Stefan Johansson, que correu pela Ferrari em 1985 e 1986 e pela McLaren em 1987. Seus melhores resultados foram alguns segundos e terceiros lugares.
Em 2004, depois de muitos anos, a F 1 voltou a ter um piloto sueco: Bjorn Wirdheim, atual campeão da F 3000. Wirdheim é terceiro piloto da Jaguar e participa dos treinos livres de sexta-feira. Muito pouco para um país que teve feras do quilate de Bonnier, Peterson e Nilsson.
Luiz Alberto Pandini |