D’OREY E HEINS: DOBRADINHA BRASILEIRA NA ITÁLIA

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26/03/2004
AUGUSTO, O CÉSAR
31/03/2004

Quem foram os primeiros brasileiros a protagonizarem uma dobradinha em uma corrida disputada no exterior? Se você respondeu Emerson Fittipaldi-José Carlos Pace (GP da Inglaterra de 1975), errou. Caso tenha recorrido a Pace e Wilsinho Fittipaldi em qualquer ordem em uma corrida da Fórmula 3 inglesa, em 1970, ou de Fórmula 2, entre 1971 e 1972, também passou longe.

Se foi um pouco mais para trás e lembrou-se de Fritz d’Orey e Christian Heins, pode ter acertado. “Pode” porque não é possível afirmar com certeza, mas é bem provável que estes dois pilotos, paulistanos de nascimento apesar dos nomes, tenham sido os primeiros brasileiros a fazerem 1-2 em uma corrida de automóveis disputada no exterior. O feito aconteceu na primeira edição de uma corrida que depois ganharia certa tradição: o Grande Prêmio de Messina, na Itália.

Em 1995, entrevistei Fritz d’Orey pessoalmente e ele mencionou (nada mais do que isso) essa vitória, conquistada com um Stanguellini equipado com motor Fiat. Há poucos dias, encontrei por puro acaso o resultado final dessa corrida em um site sueco. E descobri que Christian Heins terminou em 2º lugar, também correndo com um Stanguellini-Fiat.

Fritz d’Orey tinha 21 anos e havia começado a correr na Europa poucos meses antes, depois de uma carreira meteórica nas corridas brasileiras. Com apoio de Juan Manuel Fangio, que liderava uma equipe sul-americana formada para disputar corridas na Europa, d’Orey estreou na Fórmula 1 já naquele ano, no GP da França, com uma Maserati. Disputaria também o GP da Inglaterra. E tornou-se um profissional, à maneira da época: d’Orey aceitava convites para disputar corridas de várias categorias, em troca de uma quantia fixa (o famoso “prêmio de largada”) e mais um prêmio de acordo com o resultado final. Esse sistema, que hoje parece estranho e até absurdo, era feito por todos os grandes pilotos, inclusive os de F 1, até o final da década de 1960. Somente depois disso tornaram-se comuns os salários maiores (milionários em alguns casos) que permitiram a dedicação exclusiva a uma única categoria.

Christian Heins, por sua vez, era três anos mais velho que d’Orey (nasceu em 1935) e havia começado a correr antes dele. Profundo conhecedor de mecânica, Heins passou a ser notado em 1954, quando venceu algumas corridas a bordo de um Porsche 550 Spyder. Na Mil Milhas Brasileiras de 1956, consagrou-se de vez. Enquanto praticamente todos os participantes inscreveram-se com “carreteras” Ford e Chevrolet, com motores acima de 4,0 litros e mais de 200 cv de potência, Heins apostou em um Volkswagen Sedan (na época, o apelido “Fusca” ainda não existia) com motor Porsche de 1.500 cm³ e 74 cv, preparado por Jorge Lettry. Correndo em dupla com Eugênio Martins, Heins levou o “Volks” ao 2º lugar na corrida. Cerca de um ano e meio depois dessa Mil Milhas, mudou-se para a Alemanha, onde foi trabalhar como mecânico da Porsche. Passou por um período de adaptação, mas não demorou muito para começar a participar de corridas em vários países europeus.

Estes dois brasileiros se dirigiram ao circuito Laghi di Ganzirri, com 6,020 km de extensão, para disputar o primeiro Gran Premio di Messina, marcado para o dia 23 de agosto de 1959. A prova seria aberta para carros de Fórmula Júnior – uma espécie de Fórmula 3 da época – e valeria para o campeonato italiano da categoria. Os pilotos locais, como se poderia esperar, eram maioria esmagadora no grid. Alguns deles chegariam depois a correr na F 1, sendo Lorenzo Bandini o que se tornaria mais conhecido. De estrangeiros, haviam os dois brasileiros, um norte-americano e três ou quatro franceses.

Não tenho informações sobre o grid de largada ou mesmo sobre o autor da pole position. Sabe-se apenas que Fritz d’Orey venceu a corrida, disputada em 20 voltas, com o tempo de 51min32s0, terminando 39 segundos à frente de Christian Heins. O terceiro colocado, Rafaelle Cammarota, correu com um Stanguellini-Fiat idêntico ao usado pelos brasileiros e fez a melhor volta da prova (2min30s3), mas terminou 15 segundos atrás de Heins. Completaram os seis primeiros colocados os italianos Berardo Taraschi (Taraschi-Fiat) e Antonio Maglione (de Sanctis-Fiat) e o francês Henri Grandsire (Stanguellini-Fiat).

Depois disso, d’Orey e Christian Heins tomaram caminhos diferentes. O primeiro, já enturmado no automobilismo europeu, disputou mais um GP de Fórmula 1, ainda em 1959, nos Estados Unidos. Seu carro era um TecMec-Maserati, na verdade um Maserati 250F modificado por uma oficina italiana. Era tão instável que d’Orey abandonou a corrida logo no começo. Logo depois, foi contratado pela Ferrari para disputar corridas de carros esporte. Chegou a vencer algumas, mas sua carreira duraria apenas mais um ano. Inscrito para disputar a 24 Horas de Le Mans de 1960 com uma Ferrari 250 GT SWB, em parceria com os italianos Carlo Maria Abate e Gianni Balzarini, d’Orey sofreu um grave acidente durante os treinos e ficou em coma durante oito meses. Sua carreira acabou ali, mas ele ainda teve uma chance de guiar o Lotus 72 de Emerson Fittipaldi em Brands Hatch, em 1972. Em 1987, foi nomeado interventor da Confederação Brasileira de Automobilismo. Vive há muitos anos no Rio de Janeiro, em um belo apartamento com uma vista deslumbrante para a Baía de Guanabara.

Quando estive com ele, em 1995, d’Orey mostrou-me um livro francês sobre pilotos de Fórmula 1, que (des)informava: “Fritz d’Orey, 1938-1961”. Segundo ele, o acidente de Le Mans foi tão grave que muitas agências chegaram a noticiar sua morte. Sua família, entretanto, tinha amizade com os Mesquita, donos do jornal “O Estado de S. Paulo”. Ao receber os telegramas sobre o acidente, algum dos Mesquita decidiu ligar para a agência France Presse para pedir mais detalhes sobre o acidente. Um dos repórteres responsáveis pela cobertura da corrida foi acionado, e só aí descobriu-se que d’Orey não estava morto. Evidentemente, tudo isso demorou muitas horas, já que naquela época não havia celular nem internet, e uma simples ligação entre São Paulo e Santos precisava ser pedida à telefonista com horas de antecedência.

Christian Heins morou na Alemanha até 1962, mas viajava com freqüência para disputar corridas. Em 1960, por exemplo, ele venceu a Mil Milhas Brasileiras dividindo um FNM JK com o veterano Chico Landi. Nesse mesmo ano, disputou os 1000 Km de Buenos Aires, prova de abertura do Campeonato Mundial de Marcas. Terminou em 4º lugar, dividindo uma Maserati 300S com outra fera brasileira, Celso Lara Barberis. De volta ao Brasil, chefiou os departamentos de competição da Vemag e, posteriormente, da Willys. O departamento de competições da Willys importava da Alpine, marca fortemente ligada à Renault, equipamentos e tecnologia. Não foi difícil a “Bino”, como Heins era chamado, conseguir um carro para disputar a 24 Horas de Le Mans, em 1963, em dupla com o piloto e jornalista francês José Rosinski.

Durante a corrida, o Aston Martin de Bruce McLaren (ele mesmo, o fundador da equipe que hoje pertence a Ron Dennis, Mansour Ojjeh e Mercedes-Benz) teve o motor quebrado no final da reta Mulsanne, com 7 km de extensão, deixando um rastro de óleo pela pista. Bruce tentou avisar os fiscais para sinalizarem o perigo, mas pelo menos três carros bateram. Heins, que liderava em sua categoria, se aproximava a mais de 200 km/h, mas não tinha visibilidade do local do acidente. Quando percebeu, fez uma manobra de emergência mas acabou derrapando na mancha de óleo. O Alpine derrapou e bateu em um poste, incendiando-se e matando Christian Heins.

Em apenas dois anos, acidentes ocorridos em Le Mans acabaram com a carreira de Fritz d’Orey e com a vida de Christian Heins. Ambos tinham ótimas possibilidades de se firmarem na Europa e poderiam ter conquistado grandes vitórias para o Brasil nas corridas internacionais. O impacto dessas tragédias para o automobilismo brasileiro pode ser avaliado levando-se em conta que, naqueles tempos, os maiores sucessos de pilotos brasileiros em corridas internacionais limitavam-se às vitórias de Manuel de Teffé, na década de 1930, e de Chico Landi, que disputara sua última corrida no exterior em 1956. Depois de d’Orey e Heins, as participações brasileiras no exterior ficaram limitadas a algumas corridas de Ricardo Achcar e Antônio Carlos Avallone. Somente em 1969 Emerson Fittipaldi entraria no caminho “Fórmula Ford, Fórmula 3 e Fórmula 2”, que o levaria à F 1 em 1970.

Passados mais de 40 anos dos acidentes de Fritz d’Orey e Christian Heins em Le Mans, o Brasil tem oito títulos mundiais de Fórmula 1, cinco vitórias na 500 Milhas de Indianapolis, um título mundial de Esporte-Protótipos e centenas de vitórias em categorias diversas pelo mundo afora. Mas um tabu ainda resiste: até hoje, nenhum brasileiro venceu a 24 Horas de Le Mans.

Luiz Alberto Pandini
GPTotal
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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