Com toda a sinceridade: se não fosse por Michael Schumacher, o GP da Inglaterra teria sido um dos mais monótonos da atual temporada.
Os três primeiros colocados no grid de largada (pela ordem, Kimi Raikkonen, Rubens Barrichello e Jenson Button) terminaram a corrida exatamente nessa ordem. Os resultados do treino e da corrida só não foram iguais porque Schumacher, quarto colocado no treino classificatório, ganhou as posições de todos eles e recebeu a bandeirada na frente, pela décima vez no ano. Raikkonen bem que tentou recuperar a liderança, mas o alemão (que segundo alguns “não sabe correr sob pressão”) resistiu bem aos ataques do finlandês e sustentou a liderança mesmo nos momentos em que seus pneus Bridgestone não rendiam tão bem quanto os Michelin da McLaren.
Se não fosse pela atuação de Schumacher, a corrida teria sido um passeio de Raikkonen, disfarçado apenas pela entrada do safety car, com Barrichello e Button completando burocraticamente o pódio.
Vai ter gente dizendo que mais uma vez Schumacher “venceu sem fazer ultrapassagens”. Que ele só construiu sua vitória depois que Raikkonen, Barrichello e Button fizeram suas primeiras paradas. Pura inveja, puro inconformismo pelo fato de Schumacher ser alemão e não brasileiro. É uma pena que existam tantas pessoas que preferem brigar com as evidências em vez de apreciar a competência e, ouso dizer, os espetáculos de pilotagem proporcionados por Schumacher.
Em meados de 2003, esse tipo de crítico dizia que Schumacher “não estava motivado”. No começo deste ano, inventou-se que ele só vencia porque “copiava o acerto de Barrichello”. Os acontecimentos obrigaram ao abandono dessa tese. Agora, a moda é dizer que Schumacher “não faz ultrapassagem”, como se fazer ultrapassagens fosse um objetivo mais importante que o de vencer corridas. Tais analistas amargurados só não conseguem explicar por que é que os outros pilotos não conseguem ganhar de Schumacher nem na pista nem nas estratégias de box.
Hilariante. Aguardo ansioso pelos próximos chavões desses humoristas.
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Chamou minha atenção a grande distância que separava Barrichello de Raikkonen no momento em que o safety car saiu da pista, após o violento acidente do qual Jarno Trulli saiu milagrosamente ileso. Havia um enorme espaço livre entre Raikkonen e Barrichello, como se – a exemplo de Indianapolis – o brasileiro não estivesse esperando pela saída do safety car naquela volta.
Muito, muito estranho.
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Recordes que Schumacher pode bater ainda neste ano:
– Vitórias na mesma temporada: já é dele mesmo – 11, em 2002. Em 2004, o alemão venceu 10 das 11 etapas já disputadas. Faltam 7 para o final do campeonato.
– Vitórias consecutivas: é talvez o recorde estatístico mais antigo da F 1. Pertence a Alberto Ascari e foi construído durante as temporadas de 1952 e 1953. Dependendo da interpretação que se queira dar, pode ser de 7 ou 9 vitórias. Entre a sétima e a oitava, aconteceu a 500 Milhas de Indianápolis de 1953, que valia para o campeonato mas não teve Ascari nem qualquer outro piloto europeu na lista de inscritos. Se continuar vencendo até o GP da China, antepenúltimo da temporada, Schumacher chegará a 10 vitórias consecutivas e acaba com a dúvida.
– Pontos marcados: outro recorde que já pertence a Schumacher desde 2002, quando ele marcou 144 pontos, ainda na contagem antiga. Após o GP da Inglaterra, ele já tem 100, todos obtidos com vitórias – justamente a única posição que continua dando o mesmo número de pontos daquela época.
E há, é claro, o recorde de 65 pole positions, pertencente a Ayrton Senna e que ganhou considerável sobrevida nos últimos quatro GPs, nos quais Schumacher não fez a pole. Para superá-lo ainda em 2004, o alemão só pode perder mais uma pole até o final da temporada. Em compensação, faltam apenas duas vitórias para Schumacher passar a ter o dobro do número alcançado por Senna na F 1.
Talvez eu esteja esquecendo de alguma coisa. Mas, sem forçar muito a memória, já é possível citar quatro. Ah, estava esquecendo: sozinho, Schumacher já superou o número de vitórias (79) conseguido pela equipe Lotus em toda sua bela história na F 1. A Lotus, para quem não sabe, é a quarta colocada em número de vitórias, atrás somente da própria Ferrari, da McLaren e da Williams.
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Para aqueles que acham que a F 1 está “muito previsível”, um dado para reflexão. A mais recente promoção conjunta do GPtotal e da Edipromo foi feita levando em conta os GPs da França e da Inglaterra. Quem acertasse o 2º colocado da etapa francesa e o 6º da inglesa estaria na parada para ganhar o livro “Ayrton Senna-Saudade”, de Francisco Santos.
O envio dos prognósticos foi encerrado antes do GP da França e tivemos resposta de quase 250 leitores. Posso dizer com estreita margem de erro que 90% apostaram que Rubens Barrichello terminaria em 2º lugar na corrida de Magny Cours. O verdadeiro 2º colocado, Fernando Alonso, foi citado por apenas três leitores. Escrevo ainda sem saber se algum deles apostou em Giancarlo Fisichella como 6º colocado na Inglaterra – condição indispensável para ter chances de ser contemplado com o livro.
Aliás, Fisichella merece um elogio à parte. Numa corrida em que praticamente todos os pilotos pareciam funcionários públicos ansiosos pelo fim do expediente, Fisichella foi, juntamente com Schumacher e Raikkonen, o que mais mostrou vontade de pisar no acelerador: saiu em último e terminou em sexto. Coincidência ou não, depois de adotar uma estratégia idêntica à do vencedor.
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Exemplos opostos de humanidade e consideração pelo próximo (valores, diga-se, que o mundinho da F 1 nunca colocou entre os mais importantes) foram conhecidos durante o GP da Inglaterra e na semana que antecedeu a corrida.
Frase de Juan Pablo Montoya, após afirmar que não havia trocado sequer uma palavra com Ralf Schumacher, mesmo passadas três semanas após o acidente que afastou seu companheiro de equipe das pistas: “O que eu perguntaria a ele? Se ele se machucou?”
Se eu pudesse responder, o faria nos seguintes termos: “Não, Juan Pablo. Regras universais e muito antigas de convivência estabelecem que é bastante educado desejar pronto restabelecimento a um acidentado ou enfermo. Para isso, basta falar ou enviar um cartão com palavras como ‘estimo melhoras’, por exemplo”.
Por outro lado, a Minardi fez uma bonita homenagem a seu diretor esportivo John Walton – uma figura bastante conhecida nos bastidores, com passagem pela Jordan e pela Prost. Walton teve uma parada cardíaca na terça-feira e morreu na sexta. A Minardi fez um minuto de silêncio no sábado e disputou a corrida com os carros totalmente “limpos” de patrocinadores, tornando bastante visível o apelido “John Boy” aplicado nas laterais e na asa traseira. Vale lembrar que a última equipe que disputou um GP sem menções publicitárias foi a Ferrari, em Monza, após os atentados nos Estados Unidos em setembro de 2001.
De Montoya, que mostrou aos brasileiros todo seu repertório de falta de educação no final do ano passado, durante a 500 Milhas da Granja Viana, realmente não se poderia esperar coisa muito diferente. Por outro lado, a atitude da Minardi mostra que ainda existe espaço para sentimentos humanitários na F 1. Mesmo que esse espaço seja tão ínfimo quanto os resultados da Minardi, não deixa de ser um alento.
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A Rede Globo acrescentou mais um item à sua longa relação de desserviços prestados à informação.
No sábado, antes da abertura da transmissão ao vivo), entrou no ar uma daquelas retrospectivas gravadas com antecedência. Foram colocados dados sobre recorde da pista, vencedor no ano passado e outras. E a desinformação: “Dois brasileiros venceram em Silverstone: Ayrton Senna em 1988 e Rubens Barrichello em 2003”.
Emerson Fittipaldi, vencedor da prova em 1975, parece não ser considerado “brasileiro” pela Globo, ou por quem preparou a tal retrospectiva. Lamentável.
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Eu estava pronto a comentar a cena ridícula do treino pré-classificatório de sábado, em que vários pilotos tiveram como objetivo marcar o pior tempo possível, a fim de marcar tempo no começo do treino e evitar a chuva que estava prevista para o final da sessão que definiria o grid de largada. Mas acho que a troca de e-mails entre eu e o Luís Fernando Ramos já é suficiente para mostrar o que nós dois achamos desse regulamento atual (ele é uma merda, ainda que já faça algum tempo que eu não escreva isso).
“Salve Panda. Eu já havia sinalizado a possibilidade do cenário de hoje ocorrer em uma coluna que escrevi sobre as regras no início do ano, mas ver o cenário se materializar foi de doer. Carros de F1 brigando para serem mais lentos que os outros é uma imagem que simboliza o brilhantismo do regulamento de Max Mosley e Bernie Ecclestone. Parabéns pros dois, meus pêsames prá nós, torcedores!”
Minha resposta:
“Oi, Ico. Não vi porque não passou na TV. Ainda bem, me poupou de ganhar alguns cabelos brancos. E o idiota do Bernie ainda tem coragem de propôr sorteio [para definir o grid de largada]… Os caras perderam a vergonha, o juízo, o senso de ridículo, tudo. Mas é bem feito. Criaram esse monstro (essa merda de regulamento) e agora não conseguem mudá-lo porque chefes de equipe tão idiotas quanto eles acham que vão se beneficiar com isso. Quero mais é que se explodam. Que morram de inanição. Não vou sentir pena de ninguém se aquele negócio continuar do jeito que está e for para o brejo.”
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Ao contrário do que o tom mal-humorado predominante na coluna deixa transparecer, tive um domingo maravilhoso, graças principalmente ao meu filho Gabriel. Prometo que minha próxima participação será mais amena. Boa semana a todos.
Luiz Alberto Pandini |