“Em nome do pai”

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Geraldo Tite Simões

Pais de pilotos são uma das maiores malas que a humanidade já produziu. Se todos os aficionados por automobilismo tivessem a oportunidade que nós jornalistas temos de conviver com os pilotos, boa parte desistiria de idolatrá-los tanto. Pilotos, especialmente os brasileiros, são crianças mimadas que cresceram sob a sombra do pai ou a saia da mãe. Como tive o privilégio de viver as duas situações, primeiro como piloto, depois como jornalista, convivi tanto com pais de pilotos que até criei uma frase que virou sinônimo desta relação familiar: Pais de pilotos deveriam se casar com mães de misses (ou de modelos).

Os filhos e filhas pilotos e modelos são os melhores e mais fofos do mundo, independentemente de o filho ser um braço-duro de primeira grandeza ou a modelo ser uma espinhenta e magricela, quase anoréxica. Eles são os melhores e pronto, não há ser humano que se atreva a contradizer essa corujice.

Como piloto e filho, eu experimentei de leve apenas a influência de minha mãe, interessada por automobilismo desde a época do galã Pitaccuda, por culpa do meu avô, um maníaco por carros e motos. Foi minha mãe quem comprou meu primeiro kart e levava sanduíches na pista não apenas para mim, como para todos os esfomeados colegas de box. Sentava em sua cadeira de alumínio e maldizia qualquer um que ousasse tentar me ultrapassar ou impedir a passagem. Em caso de batida, meu irmão tinha de segurá-la para não voar no pescoço do adversário e abatê-lo a golpes de salame ou mortadela. Quando decidi parar de correr de kart ela ficou muito mais triste e ainda sugeriu: “Por que não compramos um Fórmula 1, custa muito caro?” Mães, só elas são felizes.

Nesta época vi muitos pais despejarem nos filhos a frustração de eles mesmos não terem se tornado pilotos. Nos anos 1970 ainda não havia esta nova geração de pais ex-pilotos, talvez até mais corujas, mas aqueles pais muitas vezes forçavam os filhos a praticar uma modalidade competitiva que eles mesmos (os pais) queriam participar, mas não podiam. Vi garotos de 10 a 16 anos sendo obrigados a levar uma vida de mini-atletas, com treinos rigorosos, quando, na verdade, o que mais queriam era jogar bola ou empinar pipa. A cena mais marcante desta época foi um garoto, que não lembro o nome, mas nós o chamávamos de Niki Lauda pela semelhança com o piloto austríaco. Ele era gordinho (o garoto), extremamente tímido e o pai, dono de uma boa grana e muito gente fina, insistia em fazer do piloto um ás das pistas. O pai era piloto de motonáutica – corridas de barco que caíram no esquecimento. Eu via várias vezes a expressão do garoto, visivelmente entediado, tentando baixar tempo, mas nada, ele definitivamente não tinha o menor saco para corridas de kart.
Depois de uma ou duas temporadas o pai, consciente da situação, desistiu e eles sumiram de Interlagos. Passados alguns anos eu abri o jornal e li uma notícia sobre um garoto-prodígio que havia vencido TODAS as provas de motonáutica dos campeonatos paulista e brasileiro. Adivinhe quem era o cara: ele mesmo, o Niki Lauda que, finalmente, havia encontrado sua verdadeira vocação.

Ou ganha, ou morre

Já como jornalista, vi cenas de pais que dariam um livro. Os mais notórios foram os pais dos prodigiosos Rubens Barrichello e Christian Fittipaldi que se digladiavam nos boxes, enquanto os filhos tavam nem aí, empinando pipas na reta da cronometragem. Outros pais partiram pra porrada enquanto os filhos tomavam guaraná e riam das cagadas que tinham feito na corrida. Uma das mais saudáveis exceções era a mãe de Tony Kanaan, uma mulher de extremo senso de humor, calma e que sempre soube manter um bom distanciamento do filho. Infelizmente não lembro o nome dela. Outra exceção: Toninho da Matta, o pai de Cristiano. Sempre tranqüilo, nunca encheu a paciência de ninguém.

Quando virei assessor de imprensa de alguns pilotos iniciantes descobri o lado pior dos pais de pilotos: a ganância. Além de descarregarem suas frustrações pessoais em cima da carreira dos filhos, alguns viam a possibilidade de enriquecimento às custas de um futuro filho campeão do mundo de F1. O que mais me irritava era a inversão de papéis: quanto pior piloto era o filho, mais o pai tentava empurrá-lo para a mídia. Cheguei a desisitir de alguns contratos por simplesmente não suportar a idéia de ouvir as mentiras que estes pais armavam para enganar a imprensa.

Em alguns casos eu chamava o pai e dizia com a maior franqueza: “Olha, pegue o dinheiro que você ia gastar com a assessoria de imprensa e compre dois novos jogos de pneus que terá melhor resultado”.

O mais grave era o pai de um piloto que corria no Campeonato Inglês de F-Opel. Na verdade era um campeonato meia-boca, bem desconhecido, mesmo assim o filhão só andava atrás. Quando conseguiu um 5º lugar teve a sorte de nenhum piloto brasileiro conseguir nada de bom nas outras categorias e a Folha de S. Paulo deu destaque ao 5º lugar do cara. Pronto, eu consegui o retorno que precisava para justificar meus finais de semana perdidos com o malinha.

Não satisfeito, o paizão bateu no escritório esbravejando que o filho não saía na imprensa, apesar dos “excelentes resultados” (sic). Com o saco na lua, expliquei ao véio: “Só tem duas maneiras de seu filho sair na imprensa, ou ele ganha corrida, ou morre num acidente espetacular que vai dar até Jornal Nacional, qual o senhor prefere?”.

Como praga de assessor de imprensa só não é pior do que praga de parteira, três meses depois de eu jogar m… no ventilador do cara, o filhote deu uma pusta porrada testando um F3, se arrebentou inteiro e quase morreu. A carreira de piloto do moleque acabou neste teste, mas ele saiu em vários veículos de comunicação. Viu como eu estava certo?

Foi a última experiência como assessor de imprensa de piloto. Depois disso eu me livrei definitivamente dos pilotos e dos grandes malas que são seus pais.

GPTotal
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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