Enzo Ferrari, ultrapassagens e previsões

“Diário de um ex-magro”
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“A FILOSOFIA DAS CORRIDAS”
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Panda

Autosprint, em sua edição que comentou o GP de Mônaco, tirou do fundo da cartola a mais louca das estatísticas: a de ultrapassagens por GP, descontadas aquelas decorrentes de pitstops ou obtidas na largada.

O resultado do estudo lhe valeu o título da capa: “Proibido ultrapassar”. Sim porque segundo a revista, não se registrou uma única ultrapassagem em pista no GP de Mônaco de 2003, levando a revista a bancar a aposta de que este foi, muito provavelmente, o único GP da história nesta condição.

Autosprint estudou todos os GP de 92 aos nossos dias. Não deve ter ido mais para trás por falta de tempo e também porque raciocinou que, com as condições de carros e pistas daquela época, era muito mais fácil ultrapassar.

E assim chegou a conclusão acima, sendo que nos GPs do Japão e Hungria do ano passado, assim como em Mônaco 98, registrou uma única ultrapassagem por corrida, tendo ainda identificado mais quatro corridas com duas ultrapassagens cada.

Em compensação, o GP do Brasil deste ano figura entre as dez corridas com mais ultrapassagens em pista de 92 para cá: 44. O GP campeão foi o Indy 2000, com 52 ultrapassagens.

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E vamos à boa e velha discussão: corrida sem ultrapassagem é corrida chata? E eu digo: não necessariamente.

O GP do Canadá foi tudo menos chato e sabe por que? Porque vários pilotos andaram no limite. Limite: esta é a chave de tudo. Você pode correr até sozinho na pista e mesmo assim poderá eletrizar multidões desde que faça o possível e o impossível para ser mais e mais rápido.

E no Canadá foi assim. Os irmãos Schumacher, Montoya, Alonso e Raikonenn se superaram volta após volta. Você podia ver isso pela forma como faziam a aproximação e tangência de curva, principalmente o carrossel logo depois da largada.

As ultrapassagens não aconteceram, é verdade, mas vimos uma Corrida na Ilha de Notre Dame domingo passado.

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E lá se foi a metade exata do campeonato e minhas previsões – lembra-se delas? Estavam na carta de 7 de março – até que estão se aguentando. Basicamente previ o seguinte:

– Schumacher será campeão.
– Rubinho será o vice.
– Kimi Raikonenn será o terceiro colocado.
– A McLaren será a vice-campeão.
– A Renault será a 4º colocada.
– E o campeonato será só um pouco mais emocionante do que o de 2002, com Schumacher chegando ao título em Monza.

Vamos falar apenas dos meus enganos. Cometi um erro crasso na avaliação das chances de Rubinho. Ele é, sem dúvida, a maior decepção de 2003, ao lado de David Coulthard. Para me dar razão, Rubinho terá de descontar vinte pontos para assumir o 2º lugar, o que me parece um feito quase impossível, tanto mais pela nova regra de pontuação.

Errei também na avaliação da competitividade da temporada. Mesmo tendo vencido metade das corridas até agora, Michael Schumacher tem um osso duríssimo pela frente. Ainda que aposte nele para o título, não posso – ninguém pode – garantir que vá chegar lá, tanto mais em Monza.

Deixo a critério dos leitores dizer se errei ou acertei em relação a Raikonenn. O imaginava em 3º e ele está disputando o título com Schumacher, com chances reais de vitória, principalmente se a guerra dos pneus se mantiver como está e o novo McLaren acertar rápido.

Por que confiei no taco do finlandês? Em primeiro lugar porque nunca acreditei em Coulthard e não tenho especial confiança na dupla da Williams. Assim, restava Raikonenn, que me parecia já maduro o suficiente para assumir a liderança da equipe McLaren que, por sua vez, está fazendo o trabalho mais consistente entre as equipes para recuperar o espaço perdido para a Ferrari.

Voltamos a conversar em outubro.

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Falei recentemente aqui neste espaço sobre o admirável livro Alla Destra del Drake, de Franco Gozzi, e você nem ninguém me deu bola.

Tudo bem, não tem importância. Nem por isso, vou deixar de lembrar aqui aquela que é a passagem mais tocante do livro, que Gozzi chamou de “A última reunião”.

Já bastante debilitado pela insuficiência renal, Enzo Ferrari acordou na manhã de 25 de julho de 1988 e pediu aos médicos que o deixassem sair de casa. Foi atendido. Barbeou-se, vestiu-se e, usando aqueles óculos escuros impenetráveis, chegou de carro ao mítico Reparto Corse, de onde dirigia a sua empresa.

Gozzi e a secretária de Enzo correm até o carro, abrem a porta e o vêem colocar metade do corpo para fora. “Una piccola riunione. Parole flebili, monosillabi”, escreve Gozzi, notando o pescoço magro e pálido do chefe, a quem serviu fielmente por trinta anos.

Passados poucos minutos, Enzo ordena ao motorista: “vamos a Modena”. Gozzi nota que os olhos do velho estavam rasos d´água. O motorista o ajuda a se acomodar no carro, fecha a porta e parte sem que Enzo tenha dito adeus.

Morreu 21 dias mais tarde, aos noventa anos, cercado apenas pela família. Morreu em pleno ferragosto, o período sagrado de férias dos italianos – período que Enzo odiava pois as oficinas onde seus carros eram construídos ficavam inevitavelmente vazias e silenciosas.

Abraços a todos

Eduardo Correa 

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

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