Aconteceu no último domingo a primeira etapa do Deutsch Tourenwagen Masters, ou DTM para os íntimos, o campeonato alemão para carros de turismo. Como de costume, uma corrida emocionante, com diversos pegas e uma constatação: vai ser difícil derrotar os Mercedes C-Klasse da equipe oficial de fábrica. Não fossem os abandonos de Jean Alesi (problemas no assoalho) e Bernd Schneider (suspensão), estes carros ocupariam as quatro primeiras posições ao final da prova. A vitória ficou com Gary Paffett, de quem sou fã desde que o acompanhei na Fórmula 3 Alemã, há dois anos. O jovem inglês é um daqueles pilotos que são rápidos em qualquer coisa que possua quatros rodas. Garanto que, assim que as portas da Fórmula 1 se abrirem, ele nunca mais vai sair de lá. E fará a galvanística mídia inglesa esquecer Jenson Button rapidinho.
Após a cerimônia do pódio, quem exibia um enorme sorriso entre suas gordas bochechas era Norbert Haug. Finalmente, um raio de luz em meio à maior crise esportiva da Mercedes desde a tragédia de Le Mans em 1955 e o fiasco nesta mesma pista em 1999, com os carros voadores de Mark Webber e Peter Dumbreck. O péssimo desempenho na Fórmula 1 indica que cabeças vão rolar pelos lados de Stuttgart e nem mesmo Haug pode se sentir livre de perigo.
Quatro pontos em três corridas e o quinto lugar no Mundial de Construtores foram o suficiente para iniciar uma chuva de críticas por parte da mídia alemã. Nos dez anos da parceria entre McLaren e Mercedes, este é de longe o pior início de temporada da equipe. Nem em 95 e 96, quando não venceu corridas, a McLaren estava tão mal após três GPs: quarto lugar em ambos os anos, com 6 e 5 pontos, respectivamente (ou 12 e 11, de acordo com o novo sistema de pontuação).
Se os números são alarmantes, o que dizer da própria performance? Nenhuma equipe vêm poupando tanto os motores nos treinos livres como a McLaren. Para nada. Nas três etapas, as flechas de prata completaram em média 400 quilômetros antes da corrida. Quem andou mais na Austrália foi a Jordan (600 km); na Malásia foi a vez da Renault (615 km) e a Toyota liderou a quilometragem no Bahrein (650 km). Mesmo com a precaução, já foram quatro unidades quebradas nas mãos de Kimi Raikkonen e uma com David Coulthard.
“São diferentes os motivos para cada abandono”, é o que diz Haug. “Tenho certeza de que vamos solucionar os problemas. Antes destas quebras, inúmeros motores completaram 800 km tanto no carro como no banco de provas.” Mas o dirigente sabe que melhorar a confiabilidade do equipamento é apenas um primeiro e pequeno passo para sair da crise, já que a Mercedes está atrás das rivais também em termos de potência.
Resta saber até quando vai durar a paciência dos chefões da empresa que, por sinal, também está na lama economicamente. Desde que a Daimler se fundiu com a Chrysler, em 1998, suas ações se desvalorizaram em 51%. Outro erro foi assumir 37% das ações da Mitsubishi: os japoneses acabaram de assumir uma dívida de mais de dois bilhões de dólares para sanar alguns custos. O dia D na fábrica de Stuttgart será o próximo feriado de 1° de maio, quando Wolfgang Bernhard assume o comando da Daimler-Chrysler, substituindo o fã de corridas Jürgen Hubbert.
É pouco provável que Bernhard tome a drástica decisão de sair da Fórmula 1. O que a mídia alemã espera, pelo contrário, é uma presença mais contundente da Mercedes na McLaren. Ninguém no país jamais perdoou a passividade da fabricante de motores em aceitar que Ron Dennis reservasse por tanto tempo um cockpit para o fraco David Coulthard. Sem falar no fracasso dos dois últimos projetos de Adrian Newey, um dos quais jamais chegou a competir.
A imagem elitária da equipe também não agrada ao público e já existe pressões para que tanto Norbert Haug como Ron Dennis saiam de cena, deixando o posto de líder para alguém com mais carisma e simpatia (seguindo o exemplo da união BMW e Gerhard Berger). O problema é que Dennis, junto com seu parceiro Mansour Ojjeh, é dono de 60% da McLaren. A parte inglesa da equipe também quer retirar espaço dos alemães e já se move para colocar o gerente comercial Martin Whitmarsh à frente da Ilmor, no lugar do engenheiro que a Mercedes mandou para a fábrica na Inglaterra, Hans-Ulrich Maik.
Assim, enquanto lutam para solucionar os problemas de chassi e de motor, McLaren e Mercedes se preparam para encarar uma feroz briga pelo poder interno. Pode ser o ingrediente que falta para acabarem de mãos dadas no fundo do abismo do fracasso, lutando na pista e na tabela para se manter à frente de Sauber, Jaguar e Toyota. Um golpe fatal no orgulho de duas empresas que, acima de tudo, detestam perder.
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Para terminar, uma dica para quem anda bocejando com a falta de competitividade na Fórmula 1. Após quatro etapas, o Mundial de Rali tem os quatro primeiros colocados (todos representando diferentes marcas) separados por apenas quatro pontos. Se a categoria não é transmitida ao vivo em nenhum lugar do mundo, não dá para perder os boletins do WRC, com imagens incríveis e várias explicações técnicas ao longo dos programas para deixar o espectador a par das minúcias desta fascinante modalidade. No Brasil, o boletim passa no canal a cabo AXN. Vale a pena acompanhar também pela Internet, no site oficial da categoria (www.wrc.com), e se inteirar sobre os bastidores em revistas especializadas, como a Universo Rally.
Abraços e até a próxima semana!
Luis Fernando Ramos |