GIGANTES

O POVO NO PODER
01/09/2004
WITH A LITTLE HELP FROM OUR FRIENDS
03/09/2004

A Olimpíada de Atenas acabou há quase uma semana, mas faço questão de registrar minha admiração por dois esportistas brasileiros: a ginasta Daiane dos Santos e o maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima.

Daiane deu uma lição de humildade e de senso de responsabilidade. Sobre ela, pesava uma enorme expectativa de medalha na ginástica artística, modalidade na qual o Brasil tem tradição próxima de zero, ao menos em Olimpíadas. Daiane conseguiu a façanha admirável de ser uma das oito finalistas, mas na hora de seu número errou alguns passos e ficou em quinto lugar. Ao falar sobre o assunto, admitiu sem rodeios: “Errei. Isso pode acontecer e aconteceu. Não adianta ficar chorando”.

Que diferença em relação a outros esportistas (pilotos incluídos) que sempre buscam uma maneira de jogar a responsabilidade de um resultado abaixo do esperado (não necessariamente ruim) na falta de sorte, nas condições externas, no clima, nas conjunções astrais, nos outros. Com essa frase, a pequena Daiane (imagino-a assim, já que ginastas normalmente não primam pelo porte físico avantajado) transformou-se em gigante.

O caso de Vanderlei Cordeiro de Lima vai além disso. Líder da maratona a apenas seis quilômetros do final, Vanderlei teve sua marcha abruptamente interrompida pelo mesmo doente mental que entrou na pista de Silverstone e ficou andando entre os carros durante o GP da Inglaterra de 2003. Vanderlei conseguiu prosseguir, mas seu ritmo evidentemente não voltou a ser o mesmo de antes. Terminou em terceiro lugar, recebendo a medalha de bronze – e não a de ouro que, todos imaginam, seria sua se não fosse o incidente descrito acima. O COB (Comitê Olímpico Brasileiro) não teve dúvidas em pedir anulação da maratona (mais para marcar posição do que qualquer outra coisa, já que uma medida dessas seria improvável).

Enquanto isso, Vanderlei, aclamado como herói pelo público, dizia após receber o bronze: “Aquilo me atrapalhou bastante, mas não sei se venceria. Meu objetivo em Atenas era conquistar uma medalha e consegui. Estou muito feliz por isso, e mais feliz ainda por compartilhar minha emoção com todos”. Mais ainda: “Não culpo a segurança nem a organização pelo que aconteceu. Poderia ter acontecido em qualquer outro lugar”.

Depois de tudo o que aconteceu, era fácil imaginar Vanderlei subindo ao pódio de cara amarrada, fazendo algum tipo de protesto e dando declarações indignadas à imprensa, dizendo-se injustiçado, roubado e sabe-se lá mais o quê. Em vez disso, estava genuinamente feliz, sorridente, vivenciando um momento muito especial e um resultado que nenhum outro brasileiro logrou obter na história dos Jogos Olímpicos. Não manifestou qualquer tipo de rancor e ainda quis dividir sua felicidade com o público. Uma lição para todos nós, que muitas vezes reclamamos e nos sentimos injustiçados sem que tenhamos razão para agir e pensar assim.

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De Atenas para as Ardenas, onde no mesmo dia da final da Olimpíada acontecia o GP da Bélgica. Ninguém se surpreendeu com a conquista do sétimo título de Michael Schumacher. Causou espanto, porém, sua frieza após a corrida. Perguntado a respeito, respondeu: “Estou pensativo… Eu preferia ter sido campeão com uma vitória”.

É isso. Para Schumacher, o que importa é vencer cada corrida. Os títulos e os recordes estatísticos são mera conseqüência disso e não um objetivo final. Todos os pilotos trabalham assim. Em 16 anos de experiência profissional no automobilismo, jamais vi um piloto declarar que dá importância às estatísticas histórias. E a observação das atitudes confirma isso.

Por isso, não consigo imaginar nenhum analisando estatísticas e estabelecendo a simples superação daqueles números como um objetivo a ser alcançado. No dia-a-dia de sua profissão, um piloto tem que se preocupar com questões bem mais pertinentes para chegar à vitória.

Mas sempre haverá alguém mais vitorioso que outros, e no momento esse alguém atende pelo nome de Michael Schumacher. Um gigante na história do automobilismo.

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Na próxima terça-feira é feriado, e por isso o site só voltará a ser atualizado na quarta-feira. Por isso, Edu e eu decidimos compensar os leitores oferecendo duas colunas pelo preço de uma só. Assim, convido todos a lerem o ótimo “Friends” sobre o Williams de seis rodas, escrito pelo Manuel Blanco. Basta rolar a página: está aí embaixo.

Bom feriado a todos.

Luiz Alberto Pandini
GPTotal
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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