GPs da Espanha, em 1980 e em 2004

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São Paulo, 09 de maio de 2004

Corrida chata, resultado previsível. O GP da Espanha não surpreendeu a ninguém. Cinco vitórias de Michael Schumacher nas cinco primeiras corridas do ano, igualando o recorde que desde 1992 pertence a Nigel Mansell. Se vencer também em Mônaco, Schumacher supera esse recorde e iguala outro, o de ganhar seis vezes esse GP, feito que apenas Ayrton Senna conseguiu.

Mônaco é uma corrida que pode dar algumas esperanças àqueles que desejam ter um novo vencedor nesta temporada. As características da pista tornam este GP bem menos previsível que qualquer outro. Além disso, nos últimos dois anos Schumacher não ganhou lá, embora tenha ficado bem perto disso. Arrisco um palpite: se sair na primeira fila, dificilmente perderá.

Sobre Barcelona, alguns destaques:

– A tática de Barrichello, com uma parada a menos, mostrou-se eficiente, embora não a ponto de derrotar Schumacher. O que não tira os méritos de seu segundo lugar.

– A excepcional largada de Trulli, que também fez uma boa corrida.

– O desempenho discreto de Montoya, que largou na primeira fila mas não manteve na corrida o desempenho dos treinos. Aliás, a Williams parece estar perdendo terreno para a Renault e a BAR.

– A vitória de Schumacher, sua 75ª, fez a Alemanha ter uma vitória a mais que o Brasil na história do Campeonato Mundial de Pilotos, 87 a 86. Os vencedores brasileiros: Ayrton Senna (41 vitórias), Nelson Piquet (23), Emerson Fittipaldi (14), Rubens Barrichello (7) e José Carlos Pace (uma vitória). Vencedores alemães: Michael Schumacher (75 vitórias), Ralf Schumacher (6), Heinz-Harald Frentzen (3), Wolfgang von Trips (2) e Jochen Mass (uma vitória). Em número de títulos, no entanto, o Brasil continua na frente: oito (três de Piquet, três de Senna e dois de Emerson), contra os seis da Alemanha (todos de Michael Schumacher).

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É incrível como integrantes de cartéis se acertam rapidinho quando percebem que algo pode pôr a perder a sua posição privilegiada. Não é que todos os chefes de equipe aceitaram praticamente sem restrições o “pacote” de mudanças proposto pela FIA para a Fórmula 1? Isso significa que a partir de 2006, teremos uma Fórmula 1 com somente uma marca de pneus e com todos os motores na configuração V8, entre outras mudanças (quem quiser saber mais pode ler minha coluna de 30 de abril ou acessar o www.f1naweb.com.br). A obrigatoriedade de um único fornecedor de pneus, uma das medidas que mais lamento, foi aprovada. Em compensação, uma das idéias mais esdrúxulas (obrigar a volta das alavancas de câmbio) foi deixada de lado. Razão? A mesma que apontei no final dessa mesma coluna: seria tão anacrônico quanto obrigar os motores a terem alimentação por carburadores.

O interessante é constatar que já aconteceu uma corrida de F 1 em que todos os carros participantes eram equipados com motores V8 (ainda por cima de uma mesma marca, Ford Cosworth) e pneus de um único fabricante (Goodyear). Foi no Grande Prêmio da Espanha de 1980, disputado em 1º de junho, que valeria como sétima etapa do campeonato daquele ano. “Valeria” se não fosse a briga política entre a FOCA (Associação dos Construtores da Fórmula 1, entidade representante das equipes e presidida por Bernie Ecclestone; hoje, ela chama-se FOM, Formula One Management) e a FISA (Federação Internacional do Esporte Automobilístico), braço esportivo da FIA – Federação Internacional do Automóvel – presidida por Jean-Marie Balestre.

Bernie e Balestre começaram a se estranhar no final de 1978, quando a FIA criou a FISA para substituir a CSI (Comissão Esportiva Internacional) como entidade responsável pela regulamentação do esporte automobilístico em nível internacional. Bernie, como presidente da FOCA, já tinha grande poder na F 1 e negociava todos os aspectos comerciais relacionados aos Grandes Prêmios. Na prática, Bernie detinha praticamente todo o poder de gerar dinheiro na F 1.

A FIA, por sua vez, tinha um objetivo muito claro: dar à FISA a força política que faltava à CSI. Paul von Metternich, então presidente da FIA, escolheu Balestre para presidir a nova entidade. E não se pode negar que Balestre cumpriu o que se esperava dele. Em poucos meses a FISA e a FOCA (leia-se Balestre e Ecclestone) transformaram-se em inimigas ferrenhas. Seria cansativo descrever as pequenas jogadas que um armou contra o outro durante o ano de 1979 e o começo de 1980, mas tudo pode ser explicado como uma luta por poder e dinheiro.

Alheios a tudo isso – ou melhor, sem vontade nem força para se intrometer nessa briga –, no começo de 1980 os pilotos começaram a alertar para outro aspecto: o desempenho dos carros crescia a um ritmo nunca visto antes. No ano anterior, alguns recordes de pista chegaram a cair seis ou sete segundos em relação a 1977 ou 1978. Isso vinha tornando os circuitos e os próprios carros de F 1 perigosos demais. Jody Scheckter, campeão mundial de 1979 e então presidente da GPDA (Grand Prix Drivers Association), chegou a incentivar um boicote ao GP do Brasil, em Interlagos, alegando que a pista havia se tornado inadequada para carros tão velozes. Depois de alguma discussão, a corrida aconteceu normalmente e sem acidentes graves, mas a preocupação com a segurança ganhou corpo. Ainda em Interlagos, Frank Williams declarou: “Os pilotos querem carros rápidos para que possam ganhar corridas, e é isso que todos nós tentamos fazer”. Em seguida, afirmou: “Construir um carro é bem mais fácil do que reformar um autódromo. Talvez seja o momento de alterar o regulamento para diminuir a velocidade dos carros”.

Em abril, o comitê executivo da FISA fez reuniões que resultaram no regulamento técnico da F 1 para 1981. Havia nele uma série de alterações técnicas (uma delas, a proibição das “minissaias”, fundamentais nos “carros-asa”) que visavam principalmente a segurança. Tudo estaria certo, não fosse por um detalhe: os donos de equipes simplesmente não foram convidados para discutir as alterações. Foi aí que Bernie, com o apoio de parte das equipes, decidiu enfrentar a FISA. Não necessariamente porque discordassem das alterações, mas sim para demonstrar que a FOCA tinha seu poder e precisava ser ouvida.

O ambiente ficou tenso nas duas corridas seguintes, Bélgica e Mônaco, com escaramuças de parte a parte. Na Espanha, questões menores acontecidas em Zolder e Monte Carlo transformaram-se no motivo de uma batalha entre a FISA e a FOCA, inclusive com ameaças de suspensão a vários pilotos. Muitas reuniões foram feitas no autódromo de Jarama, numa tentativa de contornar a situação. Todas deram em nada e, pouco antes da primeira sessão de treinos do sábado, a FISA declarou que a corrida de Jarama seria considerada ilegal. Para o RACE (Real Automóvel Clube da Espanha, organizador do evento), o comunicado caiu como uma bomba. Cancelar a corrida, porém, estava fora de questão: ingressos já estavam vendidos, placas publicitárias e direitos de TV idem. Além disso, equipes e pilotos estavam todos lá. O RACE decidiu realizar a corrida de qualquer maneira, a fim de evitar pelo menos o prejuízo financeiro. O aspecto político poderia ser solucionado depois.

Os treinos de sábado aconteceram com sete carros a menos: dois da Ferrari (Jody Scheckter e Gilles Villeneuve), dois da Renault (Jean-Pierre Jabouille e René Arnoux) e os da Alfa Romeo, que naquela corrida decidira inscrever três pilotos (os titulares Patrick Depailler e Bruno Giacomelli, mais Vittorio Brambilla). Ferrari e Renault eram as únicas equipes que usavam pneus Michelin; as duas equipes italianas usavam motores de 12 cilindros, enquanto a Renault usava um V6 turbo. Sobraram Williams (Alan Jones e Carlos Reutemann), Brabham (Nelson Piquet e Ricardo Zunino), Lotus (Mario Andretti e Elio de Angelis), Tyrrell (Jean-Pierre Jarier e Derek Daly), Ligier (Jacques Laffite e Didier Pironi), McLaren (Alain Prost e John Watson), Fittipaldi (Emerson Fittipaldi e Keke Rosberg), Arrows (Jochen Mass e Riccardo Patrese), ATS (Jan Lammers), Shadow (Geoff Lees e David Kennedy), Ensign (Patrick Gaillard), Osella (Eddie Cheever) e RAM – esta, uma equipe particular que corria com carros Williams e disputava prioritariamente o campeonato inglês Aurora AFX, cuja presença em Jarama devia-se unicamente ao fato de que um de seus pilotos no Aurora era o espanhol Emilio de Villota. Todas com carros equipados com motores Ford Cosworth V8 e pneus Goodyear.

Apesar da briga política e da ausência de três equipes, este GP “pirata” com motores e pneus de uma única marca acabou sendo um dos melhores da temporada de 1980. Reutemann e Laffite disputaram a liderança durante 36 voltas, sempre com o argentino à frente – um bonito duelo entre dois pilotos muito experientes e talentosos. Só acabou quando os dois se aproximaram para dar uma volta em de Villota. Reutemann fez a ultrapassagem normalmente; Laffite afobou-se e tentou ultrapassar de Villota por dentro na freada de uma curva para a esquerda. Não havia espaço e o francês teve que colocar meio carro na terra. Mesmo assim, não conseguiu evitar a colisão com a roda traseira do Williams de Villota. Com a suspensão dianteira direita destruída, Laffite seguiu reto sem controle até “acertar” Reutemann, que já estava fazendo a curva. A Laffite, que havia largado na pole position, restou apenas reconhecer seu erro e desculpar-se com Reutemann, a quem elogiou pela maneira limpa como havia defendido a liderança.

Piquet, que vinha logo atrás dos dois, assumiu a liderança com boa vantagem sobre Pironi, que por sua vez tinha uma grande distância separando-o de Jones. A liderança do brasileiro durou apenas sete voltas: o câmbio quebrou. Pironi assumiu a ponta e ali se manteve até abandonar na volta 65, quando uma roda dianteira soltou-se. A vitória caiu no colo de Jones, que só precisou percorrer as 15 voltas restantes. Os primeiros colocados – os únicos que completaram a corrida – foram Jones, Mass, de Angelis, Jarier, Emerson e Gaillard.

Havia esperanças de que a corrida fosse considerada corrida válida, mas na segunda-feira a FISA confirmou que o GP da Espanha não valeria pontos. A classificação do campeonato voltava a ser a que valia após o GP de Mônaco, com Piquet na liderança. FISA e FOCA se acertaram para as corridas seguintes, mas a paz definitiva só foi alcançada em 1981, depois que Enzo Ferrari deu um murro na mesa e ameaçou retirar sua equipe da Fórmula 1. Praticamente todos os pontos do regulamento proposto pela FISA foram aprovados.

Entre o segundo semestre de 1980 e os dois primeiros meses de 1981, porém, a briga política teve lances inimagináveis para os dias de hoje. Bernie chegou a anunciar a criação da WFMS (Federação Mundial de Esportes a Motor), entidade que organizaria um campeonato de Fórmula 1 paralelo ao da FISA. Algumas equipes chegaram a se alinhar com Bernie, mas Balestre respondeu deixando claro que qualquer país, equipe, piloto ou autódromo que participasse do calendário divulgado pela WFMS seria banido dos eventos da FISA. Bernie capitulou, mas Balestre percebeu que o tino comercial do rival seria valioso financeiramente. Chegaram a um acordo: a FISA cuidaria da parte técnica, a FOCA da comercial. Bernie, representando a FOCA, teria assento nas reuniões da FISA, que por sua vez passaria a ter participação nos lucros gerados pela venda dos direitos de transmissões dos GPs pela televisão. De inimigos, Bernie e Balestre transformaram-se em aliados. Não tiveram mais desentendimentos sérios e conviveram tranqüilamente até Balestre ser derrotado por Max Mosley na eleição para a presidência da FISA, em 1991. Dois anos depois, a FISA deixou de existir e foi incorporada à FIA, presidida por Mosley até hoje.

Alan Jones e Nelson Piquet chegaram à penúltima corrida de 1980, em Montreal, disputando o título. Pouco antes da corrida, o australiano deu uma entrevista sobre vários assuntos. Perguntado sobre a disputa entre FISA e FOCA, pediu para mudar de assunto.

– Prefere esquecer? – perguntou o jornalista.

– Impossível esquecer. Por causa de política, estou com nove pontos a menos na classificação do campeonato – respondeu Jones.

No final das contas, os nove pontos de Jarama não fizeram diferença para Jones, que ganhou cinco dos 15 GPs válidos e ficou com o título da mesma maneira. A rigor, pode-se dizer que o francês Patrick Gaillard foi o piloto que mais perdeu com a briga política entre FISA e FOCA. A anulação do GP da Espanha tirou-lhe o único ponto que teria marcado em sua curta passagem pela Fórmula 1.

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Eu não poderia terminar esta coluna sem dirigir dois agradecimentos muito especiais. Um ao Flávio Gomes, do www.grandepremio.com.br, com quem tivemos uma agradável e frutífera parceria que, após dois anos, precisou ser encerrada devido a questões comerciais. Foi com a ajuda do Flávio (e também do Tales Torraga, na época funcionário do Flávio e o primeiro a conversar com nós dois sobre a possibilidade de unirmos forças) que o GPtotal ganhou um número expressivo de leitores. Tenho por ambos, além do respeito pessoal e profissional, um sentimento que nunca se apaga: gratidão.

O outro agradecimento é dirigido a Ricardo Perrone, do site www.f1naweb.com.br, novo parceiro do GPtotal. Empenhado em levar mais conteúdo para o seu site, Perrone conseguindo uma proposta comercial atraente, que pode possibilitar vários avanços ao GPtotal e aumentar o interesse do público por um site como o nosso, sem notícias mas com histórias bem contadas e opiniões sustentadas em fatores que não o nacionalismo puro e simples. Que a nova parceria seja tão boa quanto a anterior.

Luiz Alberto Pandini
GPTotal
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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