GPs devem ser vencidos só pelos melhores

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02/10/2002
DEMOCRACIA, DA MATTA, BARROS
07/10/2002

Panda

Não sei se fico triste por ter acertado que Rubinho ia ganhar três ou quatro corridas nesta temporada. Mas alegre certamente não estou.

A Ferrari está abusando da sua superioridade e determinando o resultado da corrida de um jeito que está ferindo a Fórmula 1 e o automobilismo de competição.

Sim porque o que estamos vendo não é propriamente automobilismo de competição. Os caras de vermelho largam sabendo que só um meteorito os impedirá de fazer dobradinha. E aí o Schumacher ganha na Alemanha porque está em casa, o Rubinho ganha na Hungria porque, coitado, faz tempo que não ganha. Depois o Schumacher ganha na Bélgica para comemorar os dez anos da primeira vitória. Rubinho ganha na Itália porque Schumacher já está cheio de ganhar e aí ganha de novo nos Estados Unidos porque Schumacher é um cara legal e resolveu retribuir o presente que ganhou na Áustria – e Hungria e Itália não contam.

Bosta. Assim não vale. Um GP deve ser vencido pelo melhor, mais rápido, mais valente ou, vá lá, mais sortudo. Por isso se chama Grande Prêmio. Dar passagem ao companheiro de equipe é algo que se justifica numa disputa de título, numa situação especial. Mas fazer o que a Ferrari vem fazendo é brincar com os sentimentos de quem ama o automobilismo de competição.

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Mas as opções da Ferrari – ou de Jean Todt e Michael Schumacher, que são quem manda na equipe – são complicadas. O que eles podem fazer?

A Ferrari não tem culpa do retumbante fracasso dos motores BMW (ou seria do chassi Williams, como insinuou de leve Gehard Berger?), da demora da McLaren em aderir aos pneus Michelin e, com isso, não poder projetar o carro segundo as características do pneu, da pobreza de desempenho da Renault, Sauber e Toyota e da lama negra em que mergulharam Jordan, Jaguar e Bar. Como já disse aqui várias vezes, não é apenas a Ferrari F2002 que é um excelente carro. Os outros é que são uma jaca.

Meu medo é que as coisas continuem iguais em 2003.

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Muita gente elogiou a transmissão do GP dos Estados Unidos, com recursos da tal TV digital de Bernie Ecclestone.

Claro que ficou melhor mas eu não daria mais do que uma nota seis para a transmissão. Não adianta ter mais câmaras e recursos gráficos se o diretor de TV continua cortando mal as imagens, perdendo ultrapassagens importantes para por replays no ar.

Mas dei risada com as histórias de Bernie querer “enriquecer” as transmissões da TV aberta com as imagens da sua TV digital. Enriquecer nada. Ele quer é arranjar um jeito de se livrar de um tremendo prejuízo depois de ter torrado um bilhão de dólares ou mais em equipamentos para gerar imagens de TV paga – que ninguém quer pagar para ver.

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Acho que nunca tinha tocado neste assunto aqui no GPTotal, com um certo receio de provocar sem necessidade você e os leitores mas agora não dá mais para segurar. Lá vai: eu acho, sempre achei e continuo achando o Jean Alesi um bundão.

Isso mesmo, um bundão, aquele cara que acha que é craque mas só chuta fora.

Na Fórmula 1, Alesi foi aquela desgraça que todos sabem – ainda que alguns teimem em achar que o cara tinha o nível de um Senna, só não tendo dado sorte de pegar o carro certo no momento certo. Pois bem: Alesi se aposentou e foi correr na DTM, na Mercedes, a melhor equipe. Ganhou sua segunda ou terceira corrida, é verdade, mas no mais, acabou decepcionando e até explicou que se sentiu meio constrangido pelos demais pilotos, que correm muito embolados e se tocam durante toda a corrida. Coitadinho dele.

Até aí eu estava quieto. Mas veio a corrida da Áustria, no A-1 Ring, dia 8 de setembro (juro que queria ter comentado antes mas acabei deixando passar).

Alesi vem em primeiro quando, na última curva da última volta – exatamente como fez o Rubinho – resolve deixar passar o Bernd Schneider, seu companheiro de equipe, que ainda tem chances de vencer o campeonato. Pois não é que, após uma lambança envolvendo outros dois pilotos, Alesi acaba permitindo que um outro piloto vença a prova, deixando Schneider em 2º e ele próprio em 3º?

Fala a verdade: é uma mistura completa de pé frio, falta de jeito pra coisa e – vá lá – braço duro puro e simples…

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E agora, para terminar, vamos às “Coisas que você aprende lendo revista”.

Monza, 1971. A famosa corrida mais veloz de todos os tempos, 242 km/h de média horária, recorde que Rubinho perdeu a chance de bater esperando pelo amiguinho Schumacher na corrida deste ano, para que pudessem cruzar a linha de mãozinhas dadas. A corrida vem sendo liderada por Chris Amon, o famoso “maior piloto de todos os tempos que nunca ganhou um GP”. O cara vinha voando baixo com seu Matra quando foi limpar o visor do seu capacete integral, uma novidade recém-chegada a Fórmula 1, e, estabanado, arrancou fora o visor inteiro.

Imagina pilotar um Fórmula 1 a uns 350 km/h nas retas com os olhos desprotegidos. Imaginou? Pois o pobre Amon não teve alternativa senão reduzir a marcha e ficar para trás, terminando em sexto lugar.

Outra de viseira, outra de Monza, desta vez em 1986 ou 1987. Nelson Piquet está liderando o GP (ele venceu nos dois anos com atuações soberbas), vai retirar aquele filme que os pilotos usam sobre a viseira do capacete e, pimba, o raio do filme arrebenta bem no meio, deixando Nelson com o lado esquerdo da viseira limpinho e o direito imundo. Ele até que tenta achar a ponta do filme como se faz com um rolo de durex cego mas como com as mãos enluvadas?

Só o Nelson mesmo: na reta dos boxes, ele tira a luva da mão direita enquanto dirige e troca marchas a 350 km/h e finalmente consegue livrar-se do filme. Mas nem o Nelson foi capaz de repor a luva e terminou a corrida com a mão direita nua, morrendo de medo que pudesse ser punido por algum artigo do regulamento.

Agora imagina se tivesse acontecido com o Alesi…

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Só mais uma coisinha para terminar, aliás muito bem lembrada pela revista Autosport, de onde também tirei as duas historinhas anteriores.

Muito se fala da média horária de Monza 1971, como se tivesse sido um feito de outro mundo. Pois no GP de Avus, disputado em Berlim em 1937 – 1937 -, a pole foi conseguida por Bernd Rosemeyer, com média de 278 km/h e a corrida vencida por Rudolf Caracciola a 250 km/h de média. Os corredores, protegidos por gorrinhos de lona, atingiam 386 km/h nas retas de Avus.

Bom final de semana para você e os leitores

Eduardo Correa 

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

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