GRACIAS, MATADOR!

UMA BELA MANHÃ EM INTERLAGOS
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OS MELHORES E PIORES DE 2004 – 5ª PARTE
26/11/2004

Tudo estava preparado para a despedida de Carlos Sainz no Rali da Austrália, etapa que encerrou a temporada 2004 da categoria. Mas o piloto sofreu um acidente dias antes do evento, quando fazia o levantamento de percurso em uma estrada na região de Perth. Com dores no pescoço, Sainz seguiu o conselho dos médicos e optou por não participar da disputa, encerrando de vez a sua carreira aos 42 anos de idade.

Para nós, que adoramos biografias, o incidente infeliz gerou uma daquelas coincidências perfeitas. Carlos Sainz, o maior vencedor da história do WRC (26 triunfos) disputou seu último rali na Espanha, sua terra natal e penúltima etapa da temporada 2004. Ele ficou em terceiro lugar em uma participação emocional, com o público lotando os barrancos em torno das estradas catalãs para saudar um de seus maiores ídolos esportivos.

Com justiça. Não se trata aqui de um mero esportista. Sainz conseguiu, em pleno século XXI, emular o lendário Juan Manuel Fangio. Os jovens volantes o escutam como se ouvissem uma missa celebrada pelo Papa. A voz pausada, o aspecto sério e a sabedoria de quem já completou 187 ralis no WRC são argumentos irrefutáveis para uma boa dose de aprendizado. Fangio tinha o mesmo status de semi-deus quando batia papo nos boxes com gente como Stirling Moss e Peter Collins.

Há mais pontos em comum: a longevidade da carreira, a velocidade pura, a impressionante regularidade, o instinto de sempre procurar (e conseguir) vagas em equipes competitivas. Não fossem contemporâneos (Fangio morreu em 1995) e um espírita logo identificaria nestes dois pilotos a mesma alma.

E o madrilenho Sainz poderia ter se destacado em qualquer esporte. Embora tenha iniciado um curso de direito, o jovem sempre encontrou prazer nas competições. Foi campeão espanhol (juvenil e adulto) de squash. Praticava esgrima, futebol e esqui na neve com a mesma desenvoltura. Mas sua paixão residia mesmo nos carros e no rali.

Seu primeiro carro de corridas foi um Renault 5 TS, no qual se destacou em certames regionais. O primeiro título espanhol veio em 1987, quando juntou-se à Ford. Neste ano, disputou também sua primeira etapa do WRC, em Portugal. E logo mostrou a que veio: era o líder após a primeira especial e se manteve na ponta até abandonar com uma quebra do turbo. Em 88, Sainz ganhou o Espanhol de novo e disputou mais cinco etapas do WRC.

O passo decisivo de sua carreira aconteceu no ano seguinte, quando cedeu ao assédio de Ove Andersson e assinou com a Toyota. Foi guiando pela marca japonesa que o piloto obteve 13 de suas 26 vitórias. Sem falar em seus dois títulos mundiais, em 1990 e 92. O de 91, escapou no último evento e foi parar nas mãos do finlandês Juha Kankkunen.

Os anos seguintes foram desperdiçados em equipes confusas e com carros limitados. Nenhuma vitória com a Lancia em 93 e apenas quatro com a Subaru, em 94/95. Isto sem falar nos inúmeros desentendimentos com o patrão David Richards. De personalidade forte, Carlos Sainz precisava de um dirigente com muito tato para render. Não foi o que aconteceu com o inglês, que dirigiu a BAR na F-1 até este ano. Mesmo assim, o espanhol foi o vice-campeão de 95.

A ciranda continuou nos dois anos seguintes, quando o espanhol correu na Ford. Foram três vitórias com um carro que, nas mãos de outro piloto, sofreria para conseguir marcar pontos. Mas o bom filho à casa torna, e Sainz assinou com a Toyota para correr em 1998 e 99. Logo no primeiro ano, o piloto foi a vítima em um dos momentos mais cruéis na história do automobilismo. No encerramento da temporada, na Grã-Bretanha, o piloto estava em terceiro lugar, o que lhe garantiria o título. Mas o motor do seu Corolla quebrou a 500 metros da chegada da última especial. Seu desespero marcou a todos que assistiram à cena.

Com a saída da Toyota do WRC, Sainz voltou à Ford entre 2000 a 2002. Ganhou dois ralis, mas o chefe Malcolm Wilson não quis renovar seu contrato, achando que o tempo do espanhol havia terminado. Ledo e Ivo engano (copyright Flavio Gomes). Sainz conseguiu uma vaga na Citroën em 2003, trazendo diversos patrocinadores para a equipe, que inicialmente pretendia disputar a temporada com apenas dois carros, os de Sébastien Loeb e Colin McRae.

Foi um dos melhores anos de Sainz. Ganhou na Turquia e se manteve na briga pelo título até a penúltima etapa, na Espanha. Após julgar mal uma curva e sair da estrada, Sainz abaixou o vidro e gritou aos torcedores: “empujar!” Logo, havia mais de uma dezena de malucos colocando o Xsara na pista, emocionados em ajudar o grande ídolo. Não deu, mas o terceiro lugar no campeonato, atrás apenas dos ótimos Petter Solberg e Loeb, mostrou que Sainz ainda tinha muita lenha para queimar.

Em 2004, a vitória na Argentina lhe colocou como o maior vencedor do WRC. Sua regularidade também impressionou: foram apenas três abandonos (incluindo o da Austrália). Terminou o ano em quarto lugar. Aliás, vale aqui uma olhada nos números: em 16 anos na categoria, foram dois títulos mundiais, quatro vices, cinco 3ºs lugares, um 4º, um 5º, um 6º e dois 8ºs, incluindo o do ano de estréia. Me diga um piloto que se manteve por tanto tempo no topo de um campeonato tão competitivo. Difícil, né?

por isso tudo que o dia 31 de outubro de 2004 (fim do Rali da Espanha) fica na história como a despedida de um dos maiores mitos das pistas. Fica, algo comum nestes casos, uma saudade e um vazio. Vamos preenchê-lo então: MUITO OBRIGADO, EL MATADOR!

Um abraço e até a próxima,

Luis Fernando Ramos
GPTotal
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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