Edu,
Não posso deixar passar a coluna de hoje sem fazer uma homenagem a Antônio Carlos Avallone. Você sabe bem quem foi ele: piloto, construtor de carros de competição e de rua, organizador de corridas, advogado, jornalista, empresário e deputado federal. Como diria meu amigo Wagner Gonzalez, “só não foi água de piscina e prefeito de Nova York”.
A história completa de Avallone ocuparia umas 12 cartas do GPtotal. Como piloto, ele foi campeão brasileiro da Divisão 4 (categoria para os belos e velozes esporte-protótipos nacionais) pilotando um carro de sua construção, chamado Avallone. Como construtor, viu seus carros vencerem várias corridas e campeonatos. Como organizador, promoveu no final de 1970 a Copa Brasil, trazendo da Europa alguns dos carros mais modernos da época, como o Porsche 908, a Ferrari 512S e as Lola T210 e T70. É verdade que alguns desses carrões foram pilotados por nomes de pouca expressão (notáveis exceções foram Emerson e Wilsinho, que guiaram as Lola). Mas a Copa agitou o Brasil e estava de muito bom tamanho para um país que estava saindo de anos de isolamento em relação ao que acontecia no automobilismo internacional e só viria a ter um GP de F 1 dois anos depois.
No fim dos anos 60, Avallone encerrou seu mandato de deputado federal e realizou um antigo sonho: correr na Europa. Passou pela F Ford e F 5000 (categoria de monopostos idênticos as F 1, mas equipados com motores de carros de série com 5.000 cm³). Voltou ao Brasil em 1970, após sofrer um sério acidente no circuito de Oulton Park. No final daquele ano, viabilizou o filme “Roberto Carlos a 300 Km por Hora” cedendo carros de corrida para as filmagens, prestando consultoria, fazendo ponta como piloto italiano e até cedendo quadros e fotos para compor cenários.
Entre erros e acertos, foi uma das figuras mais importantes, polêmicas e folclóricas do automobilismo no país. Eu já sabia desde garoto quem ele era e o conheci pessoalmente em 1991, quando entrei no Jornal da Tarde. Na época, Avallone pretendia criar um campeonato brasileiro de F 3000 – idéia que eu considerava absolutamente inviável, pelos altos custos dessa categoria. Ele era afável e muito inteligente, mas algumas de suas idéias e planos eram simplesmente impraticáveis. Como bom descendente de italianos, podia “explodir” facilmente: em 1981, por alguma razão, Avallone armou uma grande confusão antes, durante e depois de uma corrida de Stock Car em Interlagos. Perdemos contato depois de alguns anos e só voltei a revê-lo em 2000. Ele era candidato a vereador em São Paulo e uma de suas bandeiras era a reativação do traçado original de Interlagos.
Nunca fomos íntimos, mas tive algumas boas conversas com ele. Nas últimas semanas de dezembro do ano passado, telefonei-lhe. Pretendia fazer uma rápida entrevista sobre sua participação no filme de Roberto Carlos.
– Venha aqui em casa e almoce comigo – disse ele.
– Não precisa, é rápido, não quero incomodar… – respondi.
– Deixa disso, venha aqui.
Fui. E ficamos mais de três horas conversando sobre diversos assuntos: automobilismo, política, jornalismo, histórias de bastidor (algumas delas poderão ser lidas em breve aqui no GPtotal. Outras não…). Lá mesmo, almoçamos um penne al sugo preparado (muito bem, diga-se de passagem) pelo próprio Avallone. Tomamos café e ele levou-me à garagem, que abrigava carros de competição, peças e ferramentas. Mostrou entusiasmado a carenagem de fibra de carbono que fizera para seu velho Avallone de Divisão 4 (embora aposentado, ele sempre se inscrevia na Mil Milhas para pilotar seus carros).
– Botei nele um motor Chevrolet que vai dar o que falar. Escute o que eu estou dizendo.
Uma das histórias que ouvi nesse dia foi sobre seu acidente em Oulton Park. Logo após a largada, Avallone saiu da pista, levantou vôo em um banco de areia que margeava o asfalto para proteger o público (os autódromos eram assim naqueles tempos…) e atravessou a pista em pleno ar, passando por cima de alguns pilotos com o carro virado em sentido contrário. Machucou-se feio nas pernas e voltou ao Brasil.
– Um dos pilotos declarou à Autosport que eu parecia estar calmo enquanto o carro estava no ar. O que ele queria? Que eu estivesse gritando “Socorro, mamãe!”?…
Nos despedimos com a promessa mútua de marcar novo almoço quando fosse possível. Encontrei-me com ele pela última vez no dia 24 de janeiro, a quinta-feira que antecedeu a Mil Milhas. Fui a Interlagos para pegar minha credencial e ele estava nos boxes, conversando com todo mundo que encontrava. Empolgado, msotrou-me as fotos de seu carro, já com a carenagem de fibra de carbono montada. Acabei não indo para a pista na sexta-feira e, no sábado, cheguei a Interlagos por volta das oito da noite (quatro horas antes da largada). Logo depois, recebi a notícia: Avallone morrera no dia anterior, de uma parada cardíaca. Tinha 68 anos, mas aparentava uns 10 a menos e tinha grande disposição.
Sentiremos sua falta, Avallone.
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E a Prost faliu mesmo… Foi o fechamento de equipe mais anunciado dos últimos anos, embora eu estivesse torcendo pela improvável hipótese de aparecer algum grupo de malucos disposto a salvar a escuderia.
Li no www.warmup.com.br trechos de artigos e editoriais da imprensa francesa sobre o assunto. E não pude deixar de notar que a abordagem de cada veículo reflete fielmente sua tendência ideológica. Um parênteses: em diversos países europeus, os veículos de comunicação assumem com todas as letras seu alinhamento a este ou aquele partido ou posição política. Uma postura bem diferente da “independência” que muitas publicações brasileiras vendem e poucas praticam.
“O fracasso da equipe não significa a derrota da França na F-1. A derrota é apenas de Alain Prost. Ele não pára de repetir que não recebeu o apoio dos franceses, mas isso é mentira. Alain precisa parar e saber onde errou”, publicou o diário conservador “Le Figaro”, inimigo fervoroso de intervenções estatais onde quer que seja. O “Liberation”, famoso por se posicionar a favor das causas de esquerda, seguiu outro caminho: “Acabou a era dos apaixonados pelo esporte, como Frank Williams, Ken Tyrrell ou Guy Ligier. Adeus, Alain. Obrigado. A F-1 virou um enorme laboratório de tecnologia, apenas para as grandes montadoras”. O “L’Equipe”, principal diário esportivo da França e verdadeiro porta-voz de Prost no auge de sua carreira de piloto, revelou o cotidiano da equipe: “Prost costumava afirmar que não precisava provar nada porque era um tetracampeão. Só que ele desanimava seu sócios com uma chatice irritante, além de permitir que a equipe tivesse uma instabilidade administrativa muito grande”.
É isso aí. Abraços,
Panda