Edu,
Vida de piloto, ao contrário do que muita gente tende a pensar, não é fácil nem mesmo quando se está por cima. Quando se está por baixo, então, pode virar um verdadeiro inferno.
Nos últimos dias, alguns leitores escreveram para perguntar (e outros, para responder) quais foram as razões dos fracassos de Michael Andretti e Alessandro Zanardi na F 1 (quem quiser pode conferir clicando no “A opinião de nossos leitores” ou usando o mecanismo de busca do site). E, como não poderia deixar de ser, muitos perguntam o que está acontecendo com Antonio Pizzonia, que vem sendo “fritado” pela Jaguar – da mesma maneira como aconteceu antes com Luciano Burti e com diretores técnicos e desportivos.
O desempenho de Pizzonia esteve muito abaixo do de Mark Webber nas primeiras corridas do ano. Esta seria a razão manifestada pelo porta-voz da Jaguar, Nav Shidu, para a “preocupação” da equipe. Ora, um porta-voz fazer uma declaração dessas publicamente lembra aquelas encenações típicas dos tempos da ditadura militar. (Para quem não sabe, houve casos de presos políticos barbaramente torturados que leram na cadeia jornais com notícias sobre sua própria execução “durante tiroteio com a polícia” ou “ao tentar fugir”. É claro que, ao ler uma coisa dessas, esses presos já percebiam que seriam torturados até a morte – como realmente foram.) Em seguida, cinicamente, Shidu e outros dirigentes da Jaguar reafirmaram seu “apoio” a Pizzonia e que tudo o que a Jaguar desejava era que Pizzonia “fizesse um bom trabalho na Espanha”. Isto pode ser interpretado da seguinte maneira: “Se ele for mal mais uma vez, a culpa será dele e não teremos razões para mantê-lo na equipe”.
Uma comparação entre os resultados conseguidos por Pizzonia e Webber nas quatro primeiras corridas coloca o brasileiro em franca desvantagem. Mas, sem entrar numas de “limpar a barra” do brasileiro a qualquer custo, é bom lembrar que, em pelo menos uma oportunidade (GP do Brasil), Pizzonia fez seu tempo com problemas no carro. O novo regulamento (leia no final da coluna minha opinião sobre ele) impede o piloto de tentar melhorar seu lugar no grid e também proíbe a equipe de procurar o defeito e solucioná-lo para a corrida.
Já ouvi duas versões para o mau desempenho de Pizzonia. Uma é dita à boca pequena: Flavio Briatore, que anos atrás ouviu um “não” ao propôr que o brasileiro assinasse um contrato leonino, teria apelado a seus relacionamentos com membros da Jaguar e feito um pedido para “queimar” o brasileiro. A segunda, falada abertamente nos paddocks, é que Pizzonia estaria desprestigiado na Jaguar pelo simples fato de sua contratação ter sido negociada por Niki Lauda – demitido da equipe três semanas depois de a equipe assinar com o brasileiro. Mas a contratação de Mark Webber também foi decidida por Lauda, e ele não parece estar em baixa na equipe.
Seja qual for a verdade por trás do “caso Pizzonia”, existe um fato: qualquer piloto, para vencer corridas, precisa vencer também o jogo político de sua equipe. Alguns leitores acham que isso só ocorre na Fórmula 1 e que categorias como a CART e a IRL estão imunes a esse tipo de coisa. Não é verdade. Acontece em qualquer equipe, de categorias “top” e de categorias de base. Já vi isso com meus próprios olhos no kart e na Stock Car, por exemplo. Talvez (veja bem: talvez) Pizzonia tenha falhado no jogo político.
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De memória, cito uma expressão usada por Alex Dias Ribeiro em seu primeiro ano (1974) de F 3 na Inglaterra, sobre o relacionamento entre pilotos brasileiros e equipes inglesas: “Negociar com a pirataria da ‘ilha’”.
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Já colocando o ponto final na coluna, recebi um press-release da MasterMidia com declarações de Paulo Carcasci a respeito da situação de Pizzonia. Para quem não sabe, Carcasci foi um dos pilotos mais talentosos do kart brasileiro nos anos 80, chegando a dar muito trabalho a Emerson Fittipaldi nas corridas de Superkart em 1983.
A partir de 1985, Carcasci venceu campeonatos de Fórmula Ford na Inglaterra e foi campeão japonês de Fórmula 3 em 1991. Esteve perto da F 1 em duas oportunidades: uma em 1990, quando foi convidado para guiar o lamentável carro da Life (acertadamente, agradeceu educadamente e recusou-se a guiar aquela cadeira elétrica) e em 1995, quando teve chance de disputar os GPs do Brasil e da Argentina pela Pacific – só não o fez porque não conseguiu o patrocínio de US$ 300.000 pedido pela equipe.
Há alguns anos, Carcasci encerrou a carreira de piloto e passou a trabalhar como empresário de pilotos brasileiros no exterior. Trabalhou com o próprio Pizzonia em 1997 e 1998 e negociou a ida de Luciano Burti para a Jaguar no final de 1999, para ser piloto de testes. Reproduzo alguns trechos para análise dos leitores:
“[Pizzonia] é um bota, e ninguém esquece ou desaprende como se acelera. A Jaguar tem primado por um péssimo gerenciamento desde que compraram a equipe do Jackie Stewart. Mais uma vez eles estão se precipitando em fazer mudanças. Sempre foi assim, tanto no campo técnico, como de recursos humanos, pilotos e até nos cargos diretivos.”
“Até o Niki Lauda eles dispensaram. Talvez o problema do Antonio esteja aí: fatores políticos. Afinal, foi o Lauda que contratou o Pizzonia, depois do show que ele deu ao testar pela primeira vez na equipe. Vejam que o Niki e até o Frank Williams já se manifestaram a favor dele.”
“A equipe falar publicamente que está revendo a posição de seu piloto é muito sério. Que ânimo ele vai ter agora? Isto desestabiliza qualquer um, até os mecânicos dele, que não vão ter motivação para fazer um bom trabalho, se o piloto deles está na porta da rua. Não dá para falar que o problema é o piloto. Qualquer um outro no lugar dele estaria fazendo a mesma coisa nestas condições, por melhor que seja. É um conjunto de fatores. O Antonio é um piloto novato na categoria, que ainda conhece pouco o sistema de trabalho da equipe, mais desorganizada do que a ultra-competente Williams, à qual estava acostumado, e não conhecia a maioria das pistas.”
“A falta de resultados vem mais de um carro cheio de problemas, que fica mais nos boxes do que na pista, ao invés da velocidade do piloto. Na Williams ele provou que era mais rápido do que o Marc Gene e o Ralf Schumacher, e se equiparava ao Montoya. E o Frank Williams viu isto pessoalmente.”
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Conforme prometido acima, segue minha opinião sobre o atual regulamento da Fórmula 1: é uma merda.
Abraços,
LAP