Confesso que fiquei um pouco assustado com o grande destaque que a mídia brasileira reservou para a conquista do título britânico de Fórmula 3 do Nelsinho Piquet. Diversos canais de televisão exibiram imagens da última rodada dupla no próprio domingo e alguns jornais enviaram até repórteres para cobrir a corrida que lhe garantiu o título. Claro, o menino tem um sobrenome forte que atrai muito interesse. Mas o tom, como sempre, beirando o ufanismo utilizado nas matérias deixou a objetividade completamente de lado.
É preciso destacar que, atualmente, a Fórmula 3 Inglesa não tem mais a mesma importância do passado de Emerson, Piquet, Senna e até mesmo Barrichello. A categoria que, historicamente, sempre foi uma das mais importantes escolas no caminho até a Fórmula 1, perdeu muito do seu apelo na última década, quando os carros da principal categoria do automobilismo ganharam diversos recursos eletrônicos de auxílio na pilotagem. Com garotos cada vez mais jovens entrando na F-1, a F-3 perdeu um pouco o sentido.
Para completar, houve há dois anos a criação da Fórmula 3 Européia, reunindo as principais equipes dos campeonatos alemão e francês. Os times ingleses foram convidados, mas preferiram continuar a competir entre si. Foi uma pena. O certame europeu têm sido um sucesso e o campeão deste ano, maior das ironias, é exatamente o inglês Jamie Green.
Por outro lado, há que se destacar o feito de Nelsinho e de sua equipe. A Piquet Sports desembarcou na ilha no ano passado. Ainda que exista entre seus membros um ou outro inglês, era natural que o time tivesse dificuldades por contar com um piloto e com engenheiros que não conheciam as pistas locais. Mas o trabalho foi executado com sublime competência: terceiro lugar no ano de estréia e título no ano seguinte, exatamente dentro do prazo estipulado por eles mesmos.
É neste ponto que algumas vozes desafinam. Já ouvi muitas críticas ao piloto e seupai pela boa estrutura que ele desfruta. “O velho Piquet”, lembram, “chegou até a dormir em caminhão quando correu de F-3. O moleque tem tudo de mão beijada.” Estão cometendo aqui um grave erro de julgamento. Os tempos são outros. Sem uma ótima estrutura, ninguém ganha mais nada. E se ele pode dispor dela, qual o problema? É como culpar Ayrton Senna por ter nascido em uma família rica e desfrutado sempre dos melhores equipamentos e preparadores no Kart. Sorte dele, e ele fez um uso muito bom destas facilidades.
Comparar Nelsinho com o pai é um grande equívoco. Os dois são completamente diferentes. “Ele é muito mais marqueteiro. Ele pensa para falar, eu falo o que penso”, afirmou o tricampeão em uma entrevista veiculada ontem. Mas o peso do sobrenome não é o maior fardo que Nelsinho terá de carregar. Lidar com toda a expectativa de uma mídia e uma torcida louca por um novo ídolo no automobilismo será seu maior problema.
Torço para que o menino contorne este problema, e acredito que ele tem boas chances em conseguir isto. Se herdou do pai o gosto pela velocidade, herdou da mãe o pragmatismo e a racionalidade típicas dos europeus do norte. O passado mostra que Nelsinho gosta de testar, estabelece suas metas com discernimento, sem se incomodar com qualquer tipo de pressão. Manter este perfil lhe será muito útil no futuro.
Tive um breve encontro com ele. Foi há cinco anos, no motorhome da Supertec durante o GP da Áustria. Assistia ao treino de classificação e percebi o frisson que um pimpolho recém-entrado na adolescência causou ao entrar no recinto. Quando alguém cochichou que o menino era o filho de Nelson Piquet, fui conversar com ele. Assim que soube que eu trabalhava na área e tinha contato com os pilotos, passou a fazer inúmeras perguntas de ordem técnica e também dos bastidores. Seus olhos brilhavam com as informações que recebia. No final, disse uma frase com uma segurança incomum para um garoto de, então, 14 anos: “Um dia vou correr na Fórmula 1.”
Hoje, está quase lá. Provavelmente não está pronto para começar em 2005, e seus objetivos mostram que ele mesmo reconhece isto. O mais importante é que nossos ufanistas histéricos ponham uma coisa na cabeça. O menino é bom, acima de tudo um apaixonado por corridas, mas vai precisar de paciência e apoio para construir com calma a sua carreira. Até lá, sugiro um pacto: como alguém nascido em Heidelberg, vamos considerar Nelsinho como um jovem e promissor piloto alemão. Assim, quem sabe no futuro, a corrente patropi não ficará mais tão revoltada em ver este “alemão” ganhando corridas e campeonatos.
Um abraço e até a próxima semana!
Luis Fernando Ramos |