O mundo era muito diferente no dia 31 de outubro de 1999. Wanderley Luxemburgo era o técnico da Seleção Brasileira, Britney Spears ainda era virgem (ou, pelo menos, alegava ser) e o pessoal do PT reclamava da política econômica neo-liberal aplicada pelo governo FHC. Turistas subiam para apreciar a vista do World Trade Center, Bill Clinton não sorria mais após o escândalo do charuto no Salão Oval e a direita conservadora na Europa possuía menos espaço que os sociais democratas.
Ah! E foi nesse dia também que o finlandês Mika Hakkinen conquistou seu segundo título mundial após uma vitória no GP do Japão, igualando-se ao alemão Michael Schumacher. A própria Fórmula 1 era diferente. Dos 22 pilotos que largaram em Suzuka naquele dia, apenas sete correram o GP da França no último domingo: Schumacher, David Coulthard, Rubens Barrichello, Olivier Panis, Giancarlo Fisichella, Jarno Trulli e Marc Gené. E as equipes Arrows, Prost e Stewart ainda estavam na ativa.
Desde então, todo mundo sabe: só deu Schumacher. Ao final desta temporada, teremos uma incrível série de cinco títulos consecutivos, sendo dois deles (o de 2002 e o deste ano) conquistados de forma absolutamente humilhante, comparáveis apenas ao passeio promovido por Alberto Ascari em 1952.
Não adiantou mudarem o regulamento diversas vezes, o formato dos treinos classificatórios, a idéia do parque fechado. Também não serviu para nada mudarem o desenho de pelo menos uma curva em seis dos autódromos utilizados em 2000, sem falar nas pistas que entraram e nas que saíram do calendário. Sob qualquer circunstância, o alemão saiu vencedor.
O segredo deste sucesso é o mesmo que levou o desacreditado time da Grécia ao título da Eurocopa. Enquanto as grandes seleções apostaram suas fichas em quatro ou cinco estrelas de seu elenco titular, o time helênico trabalhou durante três anos no mesmo tom: todos do elenco têm o mesmo valor para que o objetivo da vitória seja atingido. Assim, se um craque se machuca ou faz uma partida ruim, o reserva que o substitui tem sua tarefa facilitada, já que o time todo atua de forma homogênea.
A Ferrari, como o onze grego do ludopédio, tem a vantagem de atuar há anos no mesmo sistema, podendo mudar a formação inicial a bel-prazer. Ao contrário de alguns mal-informados jornalistas do Brasil e da Europa, não foi Ross Brawn quem determinou a mudança de estratégia no meio do GP da França. Desde o início deste ano que o oblongo inglês passou a função para Luca Baldisserri. É o italiano quem passa os fins-de-semana de corridas às voltas com cálculos e simulações para determinar qual a melhor estratégia para os pilotos da escuderia. Com a mesma eficiência de seu antecessor, como se percebe.
Os times adversários, por sua vez, vivem há anos cegos na política dos craques. No fim de 2001, a Mercedes-Benz pagou milhões para ter o engenheiro Werner Laurenz, então na BMW. Foi demitido no mês passado. Ron Dennis gastou os tubos numa fábrica que mais parece uma espaçonave e Frank Williams continua permitindo que seus pilotos atuem individualmente.
Nos esportes de alta competição atuais, você pode fazer muito dinheiro sem sucesso absoluto. Mas só pode vencer se jogar em equipe. Zinedine Zidane promove produtos Adidas e David Beckham deve ajudar nas vendas de… calcinhas, assim como Kimi Raikkonen está bonito na propaganda do novo Mercedes-Benz e Juan-Pablo Montoya (pelo menos até dezembro) anuncia produtos Petrobras. Mas quem ganha, no fim, é o Valencia, a Grécia, a Ferrari, equipes que têm seus craques, mas que atuam coletivamente. Assim, mais para o fim do ano, quando Schumacher agradecer à faxineira de Maranello por sua participação em mais esta conquista, saiba: ele está falando sério…
Luis Fernando Ramos |