Mais Gilles Villeneuve

VILLENEUVE FOI UM DOS GRANDES
12/11/2001
PIQUET VERSUS MANSELL
16/11/2001

Panda

Tinha planejado na carta de hoje comparar Nelson Piquet e Gilles Villeneuve e mostrar como o brasileiro soube dosar melhor o seu talento e transformá-lo em vitórias.

Mas você se adiantou e já citou o trecho do meu livro, onde falo sobre isso. Mas acabei folheando de novo o L’Année Automobile, onde vi as tais fotos.

Elas foram tiradas em Jarama, durante o GP da Espanha de 81 e mostram o Brabham de Piquet com as duas rodas direitas no limite extremo da zebra – a traseira esquerda está, até, alguns milímetros descolada do asfalto. Certamente Piquet estava pisando fundo na saída daquela curva. Na página ao lado, uma foto do magnífico Ferrari turbo de Gilles. A roda dianteira direita passou uns 20 ou 30 centímetros do limite da zebra e a traseira direita, então, está mais de um metro além do limite. O Ferrari, horrivelmente torto, é um show para os fotógrafos, câmares de TV e público mas, eu pergunto: quem saiu mais rápido daquela curva?

(É verdade que Jarama foi uma das obras-primas de Gilles. Ele fez apenas o 7º tempo nos treinos mas saltou para 2º na largada, ganhou a liderança quando aquele besta do Alan Jones teve algum problema e foi para os boxes na volta 13. Daí em diante, Gilles teve de segurar no braço não um mais quatro adversários até o fim da corrida, 70 voltas mais tarde. O 2º colocado, Jacques Lafitte, chegou apenas dois décimos de segundo depois de Gilles e o 5º, Elio de Angelis, 1 segundo e dois décimos.)

Mas, voltando ao anuário, aproveitei que estava com o livro nas mãos e dei uma olhada geral. Afinal, aquele foi o ano em que Piquet fez Carlos Reutmann morder o pó, talvez a mais humilhante de todas as derrotas do argentino e que acabou por determinar o fim da sua carreira.

Bom. Estou eu virando as página e, na 126, vejo uma grande foto de Gilles em Mônaco – onde ele também venceu – com o carro em discreta derrapagem. Vamos para a 132 e lá esta ele de novo, desta vez com o carro completamente torto. Na 134 vem a tal foto que descrevi acima. Na 143, Gilles está detonando os pneus do Ferrari em Silverstone, depois de rodar. Ele fez tanta fumaça que prejudicando a trajetória de Alan Jones, que acaba saindo da pista. Na página 180, vemos o resultado da rodada de Gilles: pneu estraçalhado, bico e aerofólio traseiro aos pedaços. Página 187: logo após a largada do GP da Holanda, Gilles toca em alguém, fazendo seu carro saltar a um metro de altura, abandonando. Acabou? Não. Na página 191 lá está ele de novo, no Canadá, o bico do Ferrari todo retorcido, quase caindo dentro do cockpit.

Quer dizer. O cara não é um piloto; é um malabarista, um tremendo desastrado ou então um poeta sonhador, que vive apenas para satisfazer o próprio desejo de velocidade, sem se importar com nada mais – nem a própria família.

Em muitos casos, se Gilles esperasse mais uma ou duas voltas, o piloto à sua frente simplesmente entraria nos boxes ou abandonaria mas ele não sabia se conter: forçava a ultrapassagem impossível e, bum! batia. Niki Lauda, se não estou enganado, conta que, no dia anterior à morte de Gilles, estava conversando com ele nos boxes. Chovia forte e os dois pensavam apenas em dar umas voltas, bem devagar, e esperar pelo treino do sábado. Logo depois, Gilles vai para pista, começa a andar forte e inevitavelmente roda e vai parar no acostamento. Mais tarde, Lauda lhe pergunta: “por que você fez aquilo? Não disse que ia andar devagar?” Gilles lhe respondeu: “eu não pude evitar”.

Este era o problema do canadense. Quando entrava num carro, não pensava em mais nada; apenas acelerava, acelerava e acelerava mais – de forma brilhante, como talvez ninguém tenha feito antes dele mas, nas corridas, acelerar não é tudo. Por isso, Gilles ganhou apenas seis corridas e perdeu a vida de forma estúpida num estúpido treino de uma estúpida corrida.

Mas entendo, juro que entendo, a sua paixão e a de milhões de pessoas por Gilles. Lembra da minha carta de 22 de outubro, falando sobre o Tazio Nuvolari? “Há uma lei no automobilismo – quem arrisca, entusiasma; quem conserva, vence”.

Ninguém arriscou mais do que Gilles Villeneuve na Fórmula 1 e, talvez, no automobilismo. Por isso, ele despertou tanto entusiasmo. Quem falou que o mundo não precisa de poetas?

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Mudando de assunto.

Quer mais um motivo para admirar Alessandro Zanardi (sua carta de 2/11)? Pois o italiano já dirige seu próprio carro pelas ruas de Mônaco, onde mora.

Zanardi recebeu a visita dos jornalistas de AutoSprint no mesmo dia em que chegou, pelo fax (sim senhor, pelo fax), a validação da sua carteira de motorista e não perdeu tempo. Montou na cadeira de roda e foi, acompanhado pelos jornalista, até seu carro, uma perua BMW.

Abriu o porta-malas e, com a força dos próprios braços, sentou-se dentro dele. Fechou a cadeira, trouxe-a para dentro, fechou o porta-malas, baixou o banco traseiro bi-partido, passou por ele, chegou ao banco dianteiro, prendeu o cinto de segurança e perguntou aos jornalistas boquiabertos. “Como é? Querem dar uma volta ou não?”.

Quarenta e cinco dias, 120 horas em coma e 14 cirurgias depois, Zanardi estava de volta ao volante!

Bom feriado

Eduardo Correa

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