Edu,
Meu novo herói se chama Alessandro Zanardi. Maior que Fangio, maior que Piquet, maior que Senna, maior que Nuvolari.
Zanardi saiu do hospital nesta semana, cerca de 40 dias depois daquele acidente horripilante em Lausitzring. Ele teve as duas pernas amputadas, perdeu 70% do sangue e ficou alguns dias em coma. Em resumo, não morreu porque Deus não deixou. Ao acordar, soube por sua mulher do que havia ocorrido e reagiu da seguinte maneira: “Tenho você e nosso filho. Então, está tudo bem”.
Declarações do piloto italiano ao deixar o hospital: “A vida é maravilhosa. Vou fazer de tudo para aproveitá-la da melhor maneira possível. Quero ser capaz de carregar meu filho nos ombros. Me sinto cheio de energia”. E arrematou: “O automobilismo é importante para mim. Talvez eu volte a correr um dia”.
Que incrível lição de vida. Faz pensar quantas vezes reclamamos das coisas sem ter a menor razão para isso. Tomara que Zanardi alcance toda a felicidade do mundo. Ele merece.
+++
Gostei da sua idéia de escrever sobre “Grandes Mancadas da História do Automobilismo”. Nelson Piquet contou uma delas na sua famosa entrevista à revista “Playboy”, publicada no início de 1988. O tricampeão confessou que sua maior barbeiragem foi ter largado com a ré engatada em uma corrida de F 3 em Zolder, na Bélgica, em 1977. O resultado não podia ter sido outro: um acidente monumental – do qual Piquet foi inocentado, simplesmente porque ninguém acreditou que ele tivesse feito a suprema c…gada de engatar ré após a volta de apresentação.
Outra “mancada” histórica de Piquet (sei que ele dificilmente concordaria com minha opinião) foi ter largado de pneus slick no GP do Brasil de 1981, no Rio de Janeiro. Chovia à beça, mas Piquet certamente se lembrou do GP da África do Sul, ocorrido dois meses antes e que acabou não valendo para o campeonato por causa da disputa política entre FISA (leia-se Jean-Marie Balestre) e FOCA (Bernie Ecclestone). Aquele GP também começou com chuva e Piquet, que largou na pole, liderou por um bom tempo. Mas a pista secou e os pilotos precisaram encostar nos boxes para colocar pneus slick. Carlos Reutemann havia largado com os slick, não precisou parar e ganhou a corrida.
Piquet tentou uma jogada parecida no Rio, mas faltou combinar com o adversário – a chuva… Ela não parou e Piquet, que havia largado na pole position, terminou em 12º lugar, depois de duas horas lutando que nem louco para manter seu carro na pista. (Na verdade, a chuva parou por alguns minutos no meio da prova, quando Piquet já estava afundado nos últimos lugares, e voltou com toda a intensidade logo depois.) Lembro-me bem que eu espumava de raiva depois da corrida, inconformado por ele ter jogado fora de maneira tão besta as chances de vencer aqui no Brasil. Até minha mãe comentou: “É, hoje o Piquet deu um fora…”
A arte da malandragem tem dessas coisas: você poder armar e se dar bem ou armar e se dar mal. Piquet conhece os dois lados da moeda. Quanto às bobagens que ele fala (muitas…), eu tapo os ouvidos (e às vezes o nariz também). Não alteram o fato de ele ter sido um dos grandes pilotos de todos os tempos, na minha opinião imparcial.
+++
Para finalizar. Muita gente se confunde com essa barafunda de nomes como Fórmula Indy, CART, Mundial, IRL, Champ Car, “verdadeira Fórmula Indy” e outros. Então, vamos esclarecer: os nomes Fórmula Indy e Fórmula Mundial não existem oficialmente. Só existem aqui no Brasil e atendem meramente a questões de marketing.
Qual é então o nome da categoria que Emerson Fittipaldi tornou conhecida por aqui e na qual Gil de Ferran conquistou este ano seu segundo título? Ah, esta é uma boa pergunta, que talvez nem os organizadores saibam responder ao certo. A CART é a entidade que organiza o campeonato, mas este se chama “FedEx Championship”, para agradar ao patrocinador. Só isso. Oficialmente, não existe nenhum nome tipo “Fórmula Isso” ou “Fórmula Aquilo”.
Quando Emerson Fittipaldi estreou no campeonato da CART, em 1984, seus assessores brasileiros aconselharam-no a criar um nome mais “comercializável” para divulgar a categoria no Brasil. CART seria facilmente confundido com o kart (ou o Superkart, categoria na qual Emerson havia corrido no ano anterior). Aí, inventaram o nome Fórmula Indy, que se popularizou no Brasil. Nos Estados Unidos, ela era chamada informalmente de IndyCar – nome que acabou sendo adotado em 1992.
No começo dos anos 90, a CART começou a organizar corridas fora da América do Norte e a diminuir a proporção de corridas em ovais em relação aos mistos. Tony George, o dono do circuito de Indianapolis, não concordava com essas diretrizes e, depois de muitas discussões e discordâncias com a CART, criou um campeonato com corridas disputadas somente em circuitos ovais e dentro dos Estados Unidos. Na verdade, a rivalidade entre Tony George e a CART tem origens no final dos anos 70, mas sobre isto falaremos em outra oportunidade.
Em 1995, George fundou a Indy Racing League (IRL) e aproveitou para registrar como seus todos os nomes possíveis com a palavra “Indy”. Com isso, a CART perdeu o direito de usar o “IndyCar”. A categoria de George, por sua vez, ficou conhecida pelo nome da entidade, abreviado ou por extenso. O primeiro campeonato foi disputado em 1996 e, ao contrário do que muitos apostaram na época (eu inclusive), a IRL está crescendo e ganhando importância – ainda que a maioria de seus pilotos ainda seja de um nível baixíssimo. Contribuíram para isso os custos relativamente baixos, os bons prêmios e, principalmente, o fato de a IRL ter ficado com a mística e milionária 500 Milhas de Indianapolis.
A CART, aparentemente, havia saído favorecida na “partilha”. Perdeu Indianapolis, mas ficou com as melhores equipes, os melhores pilotos e os patrocinadores de maior porte. Só que nos últimos anos vem perdendo equipes, patrocinadores e fornecedores de motor e pneus – alguns abandonaram as corridas e outros passaram para categorias como a Nascar e a própria IRL. Para piorar, equipes da CART passaram a preparar carros para a corrida de Indianapolis e algumas delas planejam se dividir entre os dois campeonatos no próximo ano.
A verdade é que a CART é hoje uma categoria sem rumo definido e sem ter muito por onde crescer. É uma categoria norte-americana, com a maioria de suas corridas acontecendo nos Estados Unidos, mas tem poucos pilotos locais – o que prejudica sua expansão no país de origem. Não tem status de campeonato mundial, embora seu calendário tenha corridas em diversos continentes. Volta e meia fala-se que a CART e a IRL podem se juntar, mas fiquei sabendo que os estatutos da IRL simplesmente impedem que isso aconteça. Tony George criou a IRL tendo vários objetivos – e um deles era acabar com a CART, de preferência secando suas fontes de recursos até matá-la por inanição. Pelo jeito, está conseguindo.
Bom feriado,
Panda