MIL MILHAS

“O ALPINISTA JAPONÊS”
28/01/2004
“PELAS LENTES DO MIGUEL”
05/02/2004

Edu,

Estive domingo passado em Interlagos para acompanhar a Mil Milhas Brasileiras. Gosto muito de provas de endurance e discordo completamente da patacoada dita por Stirling Moss e citada por você em uma de suas últimas colunas de 2003 (para quem não leu, Moss afirmava que pilotos de Le Mans eram “motoristas”). Juan Manuel Fangio, por sua vez, cometeu uma de suas poucas indelicadezas ao explicar que não gostava de uma corrida como a 24 Horas de Le Mans: “Pode ver: ali, só venceram pilotos que nunca triunfaram em outros circuitos”. Além de indelicado, incorreto, mesmo que a frase de Fangio não seja considerada ao pé da letra.

Corridas de endurance, de uma maneira diferente da que o público da F 1 está acostumado a ver, mostram muito bem a habilidade de um piloto, a qualidade de um carro e o trabalho de uma equipe. Pegue como exemplo a Mil Milhas: são 1.609 km (1 milha = 1,609 km) de corrida, com largada à meia-noite e chegada de dia – nos últimos anos, com carros cada vez mais rápidos, cerca de 12 horas têm sido suficientes para percorrer tal distância.

Em 2004, 64 carros participaram e a largada foi dada com pista molhada. Ouvir o barulho de todas essas máquinas, com a escuridão sendo cortada pelos faróis dos carros, é um espetáculo de encher os olhos. Neste ano, a nuvem de água levantada pelos carros deu um tempero extra. Acompanhei a Mil Milhas pela primeira vez em 1989 (a última no traçado original de Interlagos) e a visão noturna sempre me deixou extasiado. O amanhecer é outro momento maravilhoso, poético, cuja magia é dificílima de explicar. Tem que estar lá para ver e sentir.

O trabalho das equipes é uma atração à parte. Das mais ricas às mais modestas, todas se desdobram para fazer o melhor possível – cada uma com seus meios. De manhã, os rostos dos mecânicos e chefes de equipe expressam fielmente o cansaço resultante da noite mal dormida – mas todos agradecem por ainda estarem lá, e de não terem sido “dispensados” devido a uma quebra ou um acidente.

Como se pode imaginar, acompanhar uma corrida como essa é cansativo. Muitos vêem a largada, ficam um pouco e vão embora. Alguns voltam para o final da prova, outros chegam apenas para acompanhar as últimas duas horas, no máximo. Nas últimas três edições, atravessei a noite no autódromo, às vezes com poucos minutos de sono. Fico moído nos dois ou três dias seguintes, mas não me queixo – até porque é só uma vez por ano.

Só é uma pena que os dirigentes do clube promotor (o tradicional Centauro Motor Clube) continuem com uma mentalidade, no mínimo, difícil de entender. Corrida de endurance, para ser atraente para o público, precisa ser acompanhada de outros programas. Em Le Mans, por exemplo, existem perto da pista museu, parque de diversões, restaurantes, lojas e outras atrações. Interlagos não tem nada disso, nem dentro do autódromo nem ao seu redor.

No ano passado, o público podia ver a corrida ao vivo mediante a entrega de um quilo de alimento não perecível. Não chegou a lotar as arquibancadas, mas “encheu” bem. Para 2004, o Centauro resolveu cobrar a exorbitância de R$ 50 (isso mesmo: cinqüenta reais) pelo ingresso mais barato. É claro que a arquibancada ficou às moscas de noite e de dia.

O pódio, então, continua sendo uma vergonha. Numa corrida que admite até quatro pilotos por carro, seria razoável que os degraus tivessem espaço compatível para acomodar a todos. Mas não: usam um pódio igual ao de qualquer corrida curta, em que cabe apenas uma pessoa (duas já ficam apertadas). Resultado: apenas um piloto por carro podia ficar nos degraus destinados aos três primeiros colocados – os outros ficaram amontoados à frente do pódio. Olhar aquilo já me deixou indignado, mas não foi nada perto das figuras da política paulistana que foram convidadas (ou se convidaram, não importa) para entregar os troféus.

Ironicamente, a Mil Milhas dos “450 Aanos” teve, pela primeira vez na história da prova, a vitória de um carro que não foi pilotado por nenhum brasileiro. Venceu um Chrysler Viper GTS-R, com motor de 8 litros e 650 cv, pilotado pelos italianos Stefano Zonca/Angelo Lancelotti/Fabrizio Gollin. A honra nacional foi salva por um Porsche 911 GT3-RS, pilotado por Flávio “Nonô” Figueiredo/Ricardo Etchenique/Maurizio Sala/Paulo Bonifácio. O terceiro lugar pertenceu a outro carro com tripulação estrangeira, o BMW M3 dos austríacos Dieter Quester (veterano de 64 anos, que disputou um GP de F 1, na Áustria, em 1974)/Phillip Peter/Christian “Toto” Wolff/Klaus Engelhor.

Outros destaques: o Audi TT DTM de Xandy, Guto e Xandinho Negrão, os pequenos protótipos ingleses Radical (equipados com motores de motos Suzuki Hayabusa) e o protótipo ZF de Felipe Giaffone/Flávio Andrade/Ruyter Pacheco, muito rápidos mas que não resistiram aos rigores da corrida. Merece menção também o show de pilotagem de Ingo Hoffmann: com um Porsche 911 GT3-RS, bem menos potente que o protótipo ZF e o Audi TT, Ingo liderou a primeira parte da corrida e mostrou por que é o melhor piloto em atividade no automobilismo basileiro.

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Um de nossos leitores fez há muitos meses uma pergunta interessante: ao aferir a extensão de um traçado, os técnicos usam a parte interna, a externa ou o meio da pista? Carlos Montagner, que entre outras funções é diretor de prova do GP do Brasil de F 1, esclarece: a medição é feita sempre pelo eixo da pista – ou seja, pelo meio.

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Esta foto mostra o “carro-conceito” (na verdade, um 005 do ano passado com componentes do 006 que será apresentado neste domingo, dia 1º de fevereiro) que a equipe BAR está usando nos testes de pré-temporada. Para quem, como eu, tem saudades da Lotus pintada no preto e dourado dos cigarros JPS, este BAR é simplesmente lindo. Pena que a equipe não vá usar essa pintura: David Richards declarou ainda no ano passado que o 006 correrá com suas cores tradicionais.

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Hoje, 29 de janeiro, completam-se 26 anos de um feito glorioso: o 2º lugar de Emerson Fittipaldi no GP do Brasil de 1978, disputado no Rio de Janeiro. Foi o melhor resultado da equipe Fittipaldi em seus 8 anos de Fórmula 1. Impossível deixar de sonhar como teria sido se o projeto de Emerson e Wilsinho tivesse sido vitorioso.

Abraços,

LAP

GPTotal
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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