“MORTE E SUCESSO”

O campeão dos campeões
12/05/2003
Meu novo herói (parte 2)
15/05/2003

Luis Fernando Ramos

Para um pequenino território encravado na Europa central, ser a quinta nação com o maior número de vitórias e também a quinta em títulos na Fórmula 1 chega a ser surpreendente. Mas, apesar dos números favoráveis, há tempos que a Áustria deixou de ter tradição na categoria. Sem vencer desde 97 e há três temporadas sem um único representante no grid, o país hospeda neste domingo seu último Grande Prêmio. Um triste fim para uma história ainda mais trsite, escrita com com muito sucesso e que também levou muitas vidas.

+++

Dentre todos os pilotos que já morreram na Fórmula 1, apenas os ingleses superam os austríacos em número de fatalidades. Mas a Áustria despontou para o esporte no final dos anos 60 e sumiu no final dos 90, enquanto que ingleses existem de monte desde o cair da primeira bandeirada, em Silverstone-1950.

O primeiro a despontar foi Jochen Rindt, que nasceu na Alemanha mas mudou-se ainda pequeno para a Áustria para ser criado pela avó, após seus pais morrerem em um bombardeio no final da II Guerra Mundial.

Rindt começou correndo de Fórmula Junior e logo se estabeleceu como um dos melhores pilotos de F-2, o que não era pouco já que, na época, as principais estrelas da F-1 também corriam na categoria menor.

Na Fórmula 1, Rindt cumpriu três temporadas na equipe Cooper, sendo o terceiro colocado no Mundial de 1966. Passou pela Brabham em 68 e finalmente pôde realizar seu potencial na Lotus, vencendo sua primeira corrida no GP dos Estados Unidos de 1969.

Curiosamente, o piloto jamais se sentiu seguro guiando os carros de Colin Chapman, como ficou claro numa carta que enviou ao construtor inglês em maio de 1969 e que foi reproduzida no livro Jochen Rindt – o James Dean da Fórmula 1, de Heinz Prüller. “(…) Honestamente, seus carros são tão rápidos que ainda seriam competitivos com alguns quilos a mais para fortalecer as partes mais fracas. (…) Por favor, pense nas minhas sugestões. Só consigo dirigir um carro em que tenha confiança, e sinto que o ponto de perdê-la está muito próximo.”

Sua morte no GP da Itália de 1970 foi absolutamente perversa. Chapman ordenou a retirada dos aerofólios do Lotus 72, a contragosto de Rindt. Na freada da Parabólica, o carro se desgovernou e foi de encontro ao guard-rail. O austríaco usava apenas um cinto transversal no tórax, mas não no abdômen pois tinha medo de ficar preso ao cockpit em caso de incêndio. Com a desaceleração da batida, seu corpo deslizou para baixo e seu pescoço foi cortado pelo fecho do cinto.

+++

A Áustria chorou a morte de seu ídolo, mas o título conquistado de maneira póstuma gerou uma enxurrada de novos talentos do país que buscavam um lugar ao sol na F-1. Mas a tragédia continuava à espreita.

Helmut Marko estava em sua segunda temporada na equipe BRM quando, no GP da França de 72, foi atingido por uma pedra que estava solta na pista e lhe foi lançada pelo carro do competidor que estava à sua frente (dizem que era Emerson Fittipaldi, mas há controvérsias). A pedra quebrou a viseira e atingiu seu olho esquerdo. O piloto ainda conseguiu parar o carro no acostamento, mas perdeu a visão e nunca mais competiu. Porém, iniciou uma bem sucedida carreira de descobridor de talentos, sendo responsável por muitos dos nomes que vieram a seguir.

Em 1974, Niki Lauda despontava como sucessor de Rindt enquanto colhia bons resultados em sua primeira temporada na Ferrari. Outro candidato ao trono vago, Helmuth Koinigg, não teve a mesma sorte. Era sua segunda corrida na categoria, quando perdeu os freios de seu Surtees na veloz pista de Watkins Glen. O guard-rail, mal fixado, se soltou com o impacto e o piloto ainda passou por mais três cercas de proteção até o carro parar. Teve morte instantânea.

Lauda foi campeão em 1975, mas chegou a receber a extrema-unção de um padre após seu horrendo acidente em Nürburgring-76. Teve queimaduras em boa parte do corpo, especialmente no rosto, mas assombrou o mundo ao voltar às pistas. Foi bicampeão em 77 e, após uma pausa para cuidar de sua companhia aérea, ainda conseguiu o tri em 1984.

Wolf Haas, um bem-sucedido escritor austríaco, lançou um livro de ficção no qual criou a teoria de que Lauda teria realmente morrido e sua identidade fora assumida pelo seu fisioterapeuta na época, Willy Dungl. É apenas ficção, mas a história ilustra bem o assombro dos austríacos com um piloto que não apenas tapeou a morte como conseguiu sucesso após isto.

+++

A chegada dos anos 80 não diminuiu a sina trágica dos pilotos austríacos. Markus Höttinger tinha sua estréia na F-1 acertada para o GP de seu país e vinha fazendo os primeiros testes com um motor turbo da BMW, depois de bater por diversas vezes pilotos como Lauda e Nelson Piquet na Procar-Série – uma corrida disputada com carros idênticos da BMW que colocava frente a frente novatos com as estrelas da F-1.

Mas seu sonho de sucesso não chegou a virar realidade. Numa corrida de Fórmula 2 em Hockenheim, Derek Warwick bateu no guard-rail e uma das rodas se soltou, atingindo Höttinger na cabeça com resultados fatais.

Jo Gartner fez um verdadeiro milagre ao levar sua pouco competitiva Osella ao quinto lugar do GP da Itália de 1984. Estava com quase tudo acertado para correr na Arrows no ano seguinte, mas acabou perdendo a vaga no último minuto para seu compatriota Gerhard Berger. Sem lugar na F-1, virou sua atenção para os carros esporte-protótipos, mas não escapou do destino. Morreu nas 24 Horas de Le Mans de 86, batendo seu Porsche violentamente na reta Mulsanne, à noite.

O próprio Berger escapou por pouco de engrossar a lista. No GP de San Marino de 1989, bateu logo no início na maldita curva Tamburello e seu carro foi imediatamente engolido pelas chamas. O trabalho eficiente dos fiscais de pista italianos salvou sua vida. Berger ainda correria na categoria até 97, vencendo várias corridas, mas o claro potencial de um futuro campeão se apagara naquela mesma tarde, junto com as chamas de sua Ferrari.

+++

O último da lista é Roland Ratzenberger, protagonista do segundo ato da ópera trágica que foi o GP de San Marino de 1994. Sua carreira era das mais promissoras, com sucessos na F-Ford e resultados respeitáveis na F-3, F-3000 e em carros de turismo. Mas como a porta da F-1 insistia em se permanecer fechada, o piloto se mandou para o Japão e brilhou correndo na F-Nippon e participando das movimentadas corridas dos protótipos do Grupo C pela Toyota.

Conseguiu a segunda vaga da equipe Simtek para a temporada de 94, podendo finalmente realizar seu sonho. Mas o carro era uma verdadeira cadeira elétrica, e a quebra de um aerofólio na veloz curva Villeneuve o jogou contra um muro de concreto a quase 300 km/h. Foi uma morte violenta de um fim de semana infeliz, que levou também a vida de Ayrton Senna e quase a de Rubens Barrichello. Pouco se comenta sobre o potencial de Ratzenberger, mas o finlandês Mika Salo, que correu por muitos anos ao seu lado no Japão, o classifica como o melhor piloto que já viu correr.

Na corrida seguinte, outro piloto promissor quase encontrou seu destino. Karl Wendlinger bateu forte na saída do túnel em Mônaco, teve concussão cerebral e ficou três meses em coma induzido. Tentou voltar no ano seguinte, mas nunca pôde obter resultados comparáveis aos de seu início na F-1.

+++

Não existe qualquer explicação lógica para a sucessão de acidentes graves na carreira dos pilotos austríacos da Fórmula 1. Provavelmente é tudo fruto de uma mórbida e infeliz coincidência. Mas na história, assim como na F-1, o sucesso do país foi conquistado a custo de muito sangue. A origem da bandeira com duas faixas transversais vermelhas intercaladas por uma branca veio da família real dos Babenbergers. O duque Leopoldo V, na Terceira Cruzada, usava uma camisa branca. Após violenta batalha, voltou ao acampamento com a roupa ensopada de sangue. Apenas embaixo do cinturão que usou no combate, a camisa permaneceu branca. Assim, as cores foram adotadas oficialmente pelos Babenbergers e, depois, pela própria Áustria.

GPTotal
GPTotal
A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *