O EMOCIONANTE GP DA FRANÇA… DE 1979

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Edu,

Muitos de nossos leitores não lembram ou nunca viram. Outros nem eram nascidos quando aconteceu. Uma minoria lembra e se arrepia dos pés à cabeça ao recordar. A todos eles, dedico a coluna deste domingo relembrando o mais fantástico duelo que se viu na Fórmula 1 moderna – entre Gilles Villeneuve e René Arnoux pelo segundo lugar no GP da França de 1979, disputado no autódromo de Dijon Prenois.

Para entender melhor, é preciso lembrar que nessa época não havia paradas programadas no box para trocar pneus nem para reabastecer. Não era proibido: apenas ninguém havia percebido ou tido coragem de experimentar as vantagens de dividir a corrida em duas ou mais partes, cada uma com tanques mais vazios e pneus mais novos – começaria com a Brabham, em 1982. Mas isto é história para depois.

Até aquele GP, disputado em 1º de julho, as equipes dominantes da temporada haviam sido a Ferrari (Jody Scheckter liderava o campeonato e Gilles Villeneuve era o 3º colocado, cada um com duas vitórias até ali) e a Ligier. A Renault havia conseguido uma pole position na África do Sul, mas seus carros ainda eram conhecidos por serem rápidos de vez em quando e frágeis sempre. A Williams, até então conhecida apenas pela persistência de Frank Williams, havia construído um bom carro, o FW 07, que vinha se mostrando muito competitivo e daria à equipe a primeira vitória na F 1 na corrida da Inglaterra, realizada duas semanas depois do GP da França. Lotus (campeã do ano anterior), McLaren e Tyrrell, tradicionais vencedoras, atravessavam fases negativas. Idem a Brabham, mas nesta havia muita confiança no talento de um jovem promissor: Nelson Piquet, que vinha regularmente sendo mais rápido que o então bicampeão mundial Niki Lauda.

Era mais ou menos este o panorama quando as equipes chegaram a Dijon para o GP da França. A corrida anterior, em Mônaco, havia acontecido mais de um mês antes (o GP da Suécia, que deveria ter acontecido em 16 de junho, fora cancelado). Não deixou de ser surpresa quando os dois Renault conseguiram a primeira fila do grid, com Jean-Pierre Jabouille na pole position e René Arnoux na segunda posição. Os dois lugares seguintes foram ocupados por Villeneuve e Piquet. Este se manteve entre os quatro primeiros até sair da pista já na parte final da corrida, por causa dos pneus muito desgastados.

A história da corrida pode ser resumida aos três primeiros do grid. Villeneuve não teve dificuldades para tomar a liderança logo de saída: naquela época, os motores turbo (que só a Renault usava) não atingiam potência máxima em rotações muito baixas, o que era um problema em circuitos de baixa e no momento das largadas. Jabouille ainda conseguiu segurar-se em segundo, mas Arnoux caiu para o 9º lugar na primeira volta. A grande dúvida era quanto à capacidade dos Renault de resistir às 80 voltas da corrida (o traçado de Dijon era curto, 3,800 km).

Villeneuve liderou durante 46 voltas. Com os pneus muito desgastados, foi ultrapassado por Jabouille, que abriu distância e conseguiu a primeira vitória da Renault e de um carro com motor turbo na F 1. Mas a TV só mostrou o francês segundos depois de receber a bandeirada, e ainda assim quase em flash: atrás dele, imagens empolgantes prendiam a atenção do público em todo o mundo.

Arnoux foi recuperando posições durante a corrida e, nas voltas finais, “colou” em Villeneuve. A ultrapassagem parecia inevitável, mas dar isso como certo era conhecer muito mal a Villeneuve…

Descrever lance a lance a disputa entre os dois nas últimas três voltas não dá a dimensão da beleza daquelas imagens. Sugiro baixar um vídeo na internet (é possível encontrá-lo em www.formula1news.it/dati/video.htm) e assistir: é puro êxtase. Apenas adianto que, nas últimas três voltas, Villeneuve e Arnoux trocaram de posições várias vezes, “fritaram” pneus em freadas, bateram rodas, subiram em zebras e fizeram várias curvas lado a lado. Uma disputa feroz, violenta, mas paradoxalmente limpa e sem apelação. Os franceses torciam por Arnoux, é claro, mas havia em Dijon uma boa massa de torcedores da Ferrari. Villeneuve conseguiu impôr-se a Arnoux e recebeu a bandeirada 3 décimos de segundo à frente do adversário. Há quem diga que os dois se abraçaram ao pararem os carros no parque fechado, mas eu nunca vi esta cena. De qualquer maneira, nenhum dos dois pilotos reclamou do outro. Pelo contrário: Arnoux nunca se negou a relembrar, com visível prazer, daquelas três voltas que encantaram o mundo.

Um duelo como esse resultaria em um ataque cardíaco fulminante nos medrosos dirigentes de hoje. Também é muito provável que os dois pilotos fossem desclassificados e/ou advertidos severamente por “não respeitar limites mínimos de segurança” ou outra bobagem qualquer. Convido os leitores a assistirem as imagens e tirarem suas próprias conclusões sobre aquele momento raro e, por isso mesmo, muito especial.

+++

Ah, sim, teve GP da França hoje, né? Bom, não tenho nada a falar sobre aquele desfile sonolento, a não ser que meu filho Gabriel passou meia corrida perguntando de quem era cada carro que aparecia no vídeo.

Selecionei algumas imagens só para o final de semana não passar totalmente em branco. Os competentes de sempre terminaram nas primeiras posições, os eternos azarados (ou qualquer outro adjetivo que se queira dar a eles) quebraram/rodaram/se atrapalharam nos boxes, Schumacher ganhou uma posição fazendo voltas voadoras entre paradas nos boxes. Nem as bizarrices nos treinos (Minardi em primeiro na sexta-feira, graças à chuva, e a trombada – que termo antigo… – entre Schumacher e Webber no pit lane, por culpa de um mecânico da Ferrari) merecem maiores considerações.

Mas uma coisa não pode faltar: o novo regulamento (já não tão novo assim) é uma merda.

Bom domingo e boa semana a todos,

LAP

GPTotal
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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