Tenho me divertido com as perguntas boladas pelo Panda para a nossa distribuição dos livros em parceria com a Edipromo e pensei seriamente em sugerir a ele uma questão tão difícil de acertar quanto às que tem bolado:
Qual foi a primeira equipe de Fórmula 1 a disputar um GP com os seus carros pintados com as cores dos patrocinadores?
Acho que essa nem a Enciclopédia Panda acerta. Vou fazer suspense por enquanto mas já aviso os navegantes: está errada a resposta de dez entre dez conhecedores de Fórmula 1 – a equipe Lotus no GP da Espanha de 68.
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Os patrocínios como o conhecemos hoje surgiram no final dos anos 60. Até então, havia normas severas das autoridades esportivas para a apresentação dos carros. Eles precisavam ser pintados com as cores nacionais e não podiam conter marcas de empresas fora de dimensões predefinidas – e bem modestas.
As equipes maiores já contavam com apoio financeiro de patrocinadores, principalmente fabricantes de pneus, combustíveis e lubrificantes, mas as importâncias envolvidas eram comparativamente pequenas e ninguém pensava em pintar os carros com as cores das empresas, muito menos rebatiza-los como Ferrari Shell, Lotus Esso ou McLaren Gulf.
Foi então que duas coisas se combinaram: primeiro, empresas de pneus e combustíveis de forma combinada resolveram reduzir os seus investimentos no automobilismo. Segundo, satélites de comunicação tornaram mais fácil à televisão transmissões ao vivo dos GPs.
E não demorou muito para que alguém percebesse o extraordinário potencial da Fórmula 1 como mídia.
Nunca consegui saber quem teve a idéia primeiro, se publicitários, as companhias anunciantes ou as equipes. O fato é que elas começaram a pressionar as autoridades esportivas já no final de 67 para que liberalizassem as operações de patrocínio. Não parece ter havido muita resistência e logo na primeira corrida do ano seguinte, o GP da África do Sul, dois carros se apresentaram com as cores do patrocinador, uma empresa local de cigarros – mas não vou falar ainda de quem se trata.
Não foi por acaso que a primeira e a segunda (a Gold Leaf Team Lotus) operações de patrocínio da Fórmula 1 foram desenvolvidas por companhias de cigarro. Naquela altura ainda não havia pressão contra a publicidade do produto mas os fabricantes quase que instantaneamente perceberam os benefícios de uma associação entre o fumo e tudo o que a Fórmula 1 significa para as pessoas, a saber: juventude, velocidade, liberdade, risco, tecnologia, glamour, sexo (sim senhor, há um bocado de sexo nas corridas) e por aí afora.
Os patrocinadores – empresas fabricantes de cigarros e de outros produtos também – mostraram-se generosos e a coisa se alastrou. Apenas a Ferrari resistiu mais à novidade, pela teimosia do comendador Enzo Ferrari, que jamais aventou a possibilidade de macular o vermelho dos seus carros e só admitia sobre eles marcas de empresas que efetivamente colaborassem com o seu desenvolvimento técnico. É verdade que esta teimosia era respaldada pelo fato de a Ferrari, graças à sua fama, receber uma parcela maior dos prêmios de largada. Mesmo assim, nos anos 80, Ferrari se renderia, aceitando o patrocínio da Marlboro, alegando que a empresa patrocinava seus pilotos e não a equipe.
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E agora este extraordinário castelo construído a partir das volutas do fumo tem data marcada para ruir.
Por acordo já sacramentado entre a Fia e as autoridades sanitárias européias, a Fórmula 1 se comprometeu a não mais estampar marcas de cigarros em carros e autódromos a partir de 2007. Mesmo provas realizadas em outros países não poderiam ser transmitidas para países europeus se mostrarem propaganda de cigarro.
Usei o verbo poder no condicional porque muito se tem falado sobre a disposição de cumprir o acordo. As equipes começam a fazer as contas e percebem que, sem o dinheiro do cigarro, elas não podem viver. Daí a afirmação de Bernie Ecclestone de que a Ferrari pode abandonar a Fórmula 1 em 2006, como relatou o Ico em sua coluna de sexta-feira passada.
A Marlboro repassaria alegados US$ 300 milhões ao ano para a Ferrari e não é em qualquer lugar que você encontra um patrocinador tão generoso e fiel. Por isso, o pacote de Max Mosley, o presidente da Fia, propõe redução de custos tão radical; por isso aqui e ali se ouve menção a possíveis estratagemas para burlar o acordo com as autoridades européias; por isso, talvez, a Fórmula 1 venha investindo com tanta decisão em corridas em países que não demonstram a menor intenção de coibir a publicidade de cigarros, como a China, por exemplo.
O que vai acontecer ninguém sabe mas não deixa de ser entristecedor que Bernie Ecclestone acredite que a Fórmula 1 sobreviveria incólume à perda da Ferrari. Talvez os dirigentes da Cart e IRL tenham pensando o mesmo quando resolveram jogar um campeonato de sucesso para o alto e transforma-lo em dois zeros à esquerda. A afirmação de Bernie no jantar com os jornalistas, como relatado pelo Ico, é típica de dirigentes esportivos.
Tomará que Bernie tenha apenas se excedido na bebida e falado demais.
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E agora a resposta à nossa pergunta, não valendo nada como prêmio.
A primeira equipe de Fórmula 1 a pintar os seus carros com as cores de um patrocinador foi a sul-africana Gunston – a marca de um cigarro – e que no GP da África do Sul de 68 inscreveu dois Brabham pintados em laranja e preto para John Love e Sam Tingle.
Love largou em 17º e terminou em 9o; Tingle largou em 22º e abandonou com superaquecimento. O fato de ninguém na face da Terra lembrar-se do pioneirismo dos sul-africanos explica-se pelo fato de o Team Gunston não ter disputado outras provas. Só descobri a história após tropeçar numa carta de um atento leitor da revista inglesa Motorsport.
A Lotus estava presente ao GP da África do Sul com seus 49 pintados de verde com uma faixa amarela para Jim Clark, que ganhou a prova (o seu último GP), e Graham Hill. Semanas mais tarde, a equipe acertou contrato com a Gold Leaf e já participou de corridas na Tasmânia com as cores vermelha, branca e dourada do cigarro. No GP seguinte, na Espanha, inscreveu-se como Gold Leaf Team Lotus. E a Fórmula 1 nunca mais seria o mesma.
Da mesma forma que não será mais a mesma sem o dinheiro dos cigarros.
Abraços
Eduardo Correa
Eduardo Correa |