Luis Fernando Ramos |
CENA 1 – GP da Europa de 2002 – Felipe Massa cumpre seu único pit-stop na volta 31 e sai dos boxes logo à frente do companheiro de equipe Nick Heidfeld. O patrão Peter Sauber ordena uma troca de posições e o brasileiro desobedece, chegando em sexto lugar com o alemão logo atrás, em sétimo. Três corridas depois, em Hockenheim, ordem semelhante ocorre e, após uma áspera discussão via rádio, Massa obedece e fica em sétimo.
No fim do ano, é trocado por Heinz-Harald Frentzen, 33 anos, muitos deles gastos mostrando que não tem o que contribuir para a Fórmula 1.
CENA 2 – GP da Europa de 2003 – Pela enésima vez no ano, o inexperiente engenheiro de pista de Antonio Pizzonia se embanana durante o pit-stop e o brasileiro volta à pista com um set de pneus errados, menos eficientes. Segue uma áspera discussão via rádio, com o piloto se mostrando descontente com os erros da equipe.
Três corridas depois, é substituído pelo inglês Justin Wilson, 24 anos, claramente superado pelo semi-aposentado Jos Verstappen nas suas primeiras corridas na Fórmula 1 pela equipe Minardi.
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O que está acontecendo, afinal? Dois dos mais promissores talentos brasileiros dos últimos anos sucumbem fragilmente à dureza da Fórmula 1 e são substituídos por pilotos de duvidosa eficiência. Seria a má impressão do início hesitante na categoria? Seriam interesses de patrocinadores? Seria um preconceito nacional? Seria intolerência contra a personalidade sangue-quente dos brasileiros?
De quem é a culpa?
Eu respondo. De todos!
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Inegavelmente, os dois brasileiros tiveram um desempenho abaixo de seus também jovens companheiros equipes, que pelo menos já somavam alguma experiência como membros do circo da Fórmula 1. Certamente, se tivessem recebido estofo moral de seus chefes para se desenvolverem, brilhariam quando a química talento/personalidade fizesse efeito. Talentos tão latentes como os de Massa e Pizzonia iriam se sobrepujar aos problemas uma hora ou outra. Era só uma questão de tempo.
E tempo é algo que a Fórmula 1 não oferece. No caso de Massa, Peter Sauber estava cansado de apostar na juventude e resolveu incluir um piloto experiente ao lado do seu protegido Heidfeld. Dançou o brasileiro. Dançou também o suíço, que viu o velho Frentzen andar muito mais que seu vizinho molecote nesta temporada. Os dois devem sair da equipe no fim do ano.
No caso de Pizzonia, sua demissão era mais do que certa. Foi selada 25 dias depois de sua contratação pela Jaguar, quando o então chefe da equipe Niki Lauda, que o contratou, foi demitido. A nova direção não queria o brasileiro. Um mau desempenho acelerou o processo, que quase se consumiu em Barcelona após uma estressante fritura via imprensa. Ironicamente, sua saída da equipe se deu após sua melhor performance no ano, quando bateu o badalado companheiro tanto no treino como na corrida, com uma bela ultrapassagem. Mas foi tarde demais.
Deixando o nacionalismo de lado, não entendi as trocas feitas. Concordo que o desempenho dos dois brasileiros vinha muito abaixo da expectativa que se tinha. Mas seus substitutos também não sugerem uma melhora imediata. Frentzen já mostrou que vai ser sempre aquele piloto médio, incapaz de reverter qualquer situação. Foi demitido da Jordan, faliu junto com a Prost, faliu junto com a Arrows e está afundando junto com a Sauber – equipe que vem cumprindo seu pior desempenho dos últimos três anos.
Justin Wilson é um piloto fabricado, com apoio irrestrito da poderosa mídia inglesa. Surgiu em 1998, na Fórmula Palmer Audi, uma categoria criada exclusivamente para promovê-lo. Na prática, a disputa seria com carros iguais. Mas o carro de Wilson era “mais igual” que os outros, como constataram os quatro brasileiros que participaram daquela campeonato (Juliano Moro, Felipe Maluhy, Giuliano Pilagallo e Suzane Carvalho – pergunte a eles!). Com um motorzinho melhor, um chassi mais acertado, o girafão ganhou o certame com facilidade. Por uma estranha coincidência, o organizador do evento era seu empresário. Promovido a ídolo, passou três anos na Fórmula 3000, ganhando sua primeira corrida e o título na terceira temporada. Vale lembrar que Pizzonia e também Ricardo Sperafico venceram naquele ano de 2001, quando eram estreantes. No ano passado, Wilson foi massacrado na Super Nissan por outro renegado da Fórmula 1 – Ricardo Zonta – e por mais dois ex-companheiros de 3000. Mesmo assim, conseguiu uma vaga na Minardi e já pulou para a Jaguar. Costa-quente, o rapaz!
Este é um lado da história. Os interesses políticos dos donos de equipe estão acima da carreira de qualquer piloto. O mercado dos países de língua alemã (para a Sauber) e o britânico (para a Jaguar) valem muito mais a pena do que apostar em garotos insolentes de um país onde provavelmente os macacos circulam livremente pelas ruas.
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O outro lado da história recai nos ombros dos pilotos. Existe uma diferença tão básica quanto fundamental entre a geração de Emerson, Piquet e Senna e a que veio de Rubinho em diante: a idade com que foram à Europa. Nossos três campeões mundiais se aventuraram no velho continente já adultos, maduros, tendo aprendido na escola da vida as nuances e malandragens do inevitável cruzamento entre esporte e negócio que existe no automobilismo. Não é à toa que o trio era mestre na hora de negociar contratos – embora Piquet tenha demorado um pouquinho mais para “pegar a manha”, mas isto é outra história.
Já Rubinho, Massa, Pizzonia e tantos outros da nova geração saíram de casa ainda meninos. Cresceram acostumados a serem bajulados pelas belas vitórias conquistadas nas categorias de base, mas sem a menor chance de aprender a lidar com a inevitável dureza que encontraram na Fórmula 1.
O primeiro conseguiu se estabelecer, depois de levar um milhão de porradas em seus mais de dez anos na categoria. Sua extraordinária capacidade de brilhar exatamente quando está mais por baixo proporcionou pelo menos dois momentos inesquecíveis (na Alemanha-2000 e no domingo passado) e lhe garantiram uma sobrevida e um certo sucesso na categoria.
Já Massa e Pizzonia caíram vítimas da inexperiência. Não com as pistas ou o carro, mas com as cobras que infestam o paddock. Ninguém tem sangue de barata, mas é preciso saber a melhor hora de engolir um sapo para resolver os problemas da forma mais correta, madura e eficiente possível. As duas cenas descritas logo no início desta coluna mostra que eles ainda não sabiam.
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É o fim? Espero que não! Massa encontrou abrigo na Ferrari, que farejou desde cedo seu óbvio talento. Provavelmente vai estar de volta no ano que vem, provavelmente na mesma Sauber, certamente mais maduro e preparado depois do inferno vivido em seu ano de estréia na categoria e carregando a experiência de um ano na melhor equipe dos últimos anos.
Pizzonia pode seguir um caminho parecido. Seu conceito dentro da equipe Williams é alto. Nos testes que fez em 2002, quando correu sem pressão e recebendo apoio total, cansou de criar rugas de preocupação nos rostos de Ralf Schumacher e Juan Pablo Montoya a cada volta que completava. Se faltou maturidade para encarar a bagunça da Jaguar, um ano de sabatina testando o sucessor do FW25 pode lhe dar o traquejo que faltava para voltar à Fórmula 1 – e se firmar desta vez.
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Tomara, meu Deus, tomara. Seria de cortar o coração ver pilotos com tanto potencial sucumbirem ao mundo selvagem da Fórmula 1 moderna, onde grana, política e interesses pessoais estão sempre acima dos grandes botas, que fazem a alegria de nós, os torcedores.
Porque se alguém duvida da capacidade de Felipe Massa ou de Antonio Pizzonia, sugiro assistiram à ultrapassagem do paulista sobre Jarno Trulli no GP de San Marino do ano passado, ou à vitória do amazonense no GP da Alemanha de F-3000 de 2001. O que eles fizeram ali foi arte pura. Jean Todt e Frank Williams concordam comigo.
Fiquem fortes – e criem juízo –, meninos!