A notícia passou quase desapercebida nos meios de comunicação nacionais e internacionais. A Red Bull abandonou o projeto de investir no circuito de Zeltweg e deixou o lugar às moscas, ou melhor, às vacas. Após a demolição das arquibancadas, dos boxes e dos edifícios administrativos, sobrou apenas um traçado esburacado no vale que já recebeu os melhores pilotos do mundo. E pasto, muito pasto.
Foi o fim de um dos planos mais audaciosos já vistos para uma pista de corrida. De acordo com o chamado “Projeto Spielberg”, haveria uma integração entre o autódromo e o campo de vôo situado a poucos metros dali, com a construção de uma academia para formar pilotos e técnicos nas duas áreas. E outras coisinhas mais: um hotel cinco estrelas, dois palcos para shows, dois kartódromos, uma pista de motocross, um centro esportivo e a extensão do traçado do autódromo, aproveitando uma área da pista original dos anos 70 e que ficou esquecida dos anos 90. O megalômano projeto custaria aos cofres da Red Bull a bagatela de 700 Milhões de Euros e fatalmente atrairia a Fórmula 1 de volta à região.
Mas as asinhas da empresa começaram a ser cortadas por causa da tal pista de motocross. Ela demandaria a derrubada de uma dezena de árvores e a remoção de um certo volume de terra, o que motivou dois pequenos grupos de cidadãos da região a mover uma ação contra o projeto. É uma parcela insignificante diante dos diversos setores a favor da empreitada. Mas após meses de debates nos tribunais, a comissão do meio ambiente do estado da Estíria deu ganho de causa aos grupos e considerou que o “Projeto Spielberg” não está dentro dos conformes da lei. Qual lei seria burlada, porém, juro que não encontrei esta informação em nenhum lugar. Assim que o parecer foi anunciado, na última quarta-feira, a Red Bull anunciou que não prosseguiria com o projeto.
No centro de toda a questão está um homem que habita o mundo da Fórmula 1 hámais de uma década, mas só agora começa a ganhar espaço nas grandes manchetes. O taurino Dietrich Mateschitz inventou em 1987 uma bebida com gosto de chiclete e um misterioso ingrediente chamado taurina e a batizou de Red Bull. Hoje, com tal do touro vermelho perto de atingir sua maioridade, “Didi” é um bilionário, com direito a perfil na edição da revista Forbes sobre as pessoas mais ricas do mundo.
Se chegou lá, é porque é um excelente homem de negócios. Vale lembrar que, no ano passado, Mateschitz passou a primeira parte da temporada da F-1 negociando com a Ford a compra da equipe Jaguar. Diante do alto preço pedido, tirou o time de campo e anunciou que não estava mais interessado. No final, o touro foi uma raposa e acabou comprando o time por apenas US$ 1 milhão, quase de graça, porque não apareceu nenhum interessado que atendesse às exigências da Ford (que podia ser resumida em “ter recursos para tocar a equipe com um mínimo de dignidade”).
Aqui na Áustria, muitos se espantaram com o fim do “Projeto Spielberg”. A turma da política logo se assanhou e todos os partidos da oposição dispararam pesadas críticas ao da governadora da Estíria, Waltrud Klasnic, não por acaso o mesmo partido do chanceler Wolfgang Schüssel. Economistas se apressaram a calcular o volume do dinheiro que a região deixou de ganhar e esportistas lamentaram a destruição da única pista digna de nota do país. Provavelmente, só as vaquinhas gostaram da idéia, pois seu pasto permanecerá intocado.
Ah, sim! Tem mais um cara que está rindo à toa com o naufrágio deste barco: Mateschitz, o Mister Red Bull. Raciocinemos juntos: o “Projeto Spielberg” surgiu em 2003 e, embora mal tenha começado, já custou uma boa grana aos cofres da empresa. O autódromo de Zeltweg pertencia ao Estado da Estíria e o Automóvel Clube da Áustria (ÖAMTC) tinha a prioridade caso os direitos de exploração do lugar fossem vendidos ou alugados. Só na compra destes direitos do ÖAMTC, a Red Bull gastou € 20 milhões.
Aí, no fim do ano passado, Mateschitz resolveu realizar outro de seus sonhos e comprou sua equipe de F-1. Não é ótimo para um homem de negócios como ele poder paralisar um projeto de € 700 milhões num momento como esse? O que o homem fez, na verdade, foi um golpe de mestre. A complexidade do “Projeto Spielberg” previa a compra de terrenos vizinhos ao atual autódromo. Numa entrevista em dezembro, ele reclamou da ganância de alguns dos proprietários. “Estão pedindo um preço irreal pelo que as terras valem. Aceitar seria um insulto à nossa inteligência”.
Agora, com as mudanças que deveriam ser feitas após o parecer favorável aos ecologistas, os custos aumentariam absurdamente. Saindo de cena, Mister Red Bull se fez de vítima e os políticos logo perceberam a chance que eles estavam deixando passar. Políticos criam leis para elas sejam mudadas, desde que caia algum dinheiro no bolso deles. Conhecemos muito bem isto, não é verdade?
Por isso, antes de se vestir de preto pela morte do circuito de Zeltweg, arme-se de paciência. Mais alguns anos e provavelmente a Red Bull vai ganhar toda a região de presente para construir seu gigantesco parque de diversões. E Mateschitz estará lá, exibindo seu vasto sorriso. Que o episódio sirva de alerta às outras equipes da Fórmula 1. Este homem não entra num negócio para perder. Pode demorar, mas ele sempre acaba ganhando.
Hoje, imaginar a sucessora da Jaguar ganhando corridas e títulos parece piada. Mas muitos riram também há cerca de 20 anos atrás, quando um homem de marketing austríaco, bêbado num bar de Tóquio, vislumbrou a possibilidade de ficar milionário criando uma tal de “bebida energética”. O tempo sempre deu razão ao senhor Dietrich Mateschitz.
Um abraço e até a próxima,
Luis Fernando Ramos |