Edu,
Você viu só o que a FIA fez com a Fórmula 1? Em uma canetada só, baniu a eletrônica, os câmbios automáticos (aqueles que são comandados mais por softwares do que pelo cérebro do piloto), a telemetria e até a comunicação por rádio entre piloto e equipe.
Também criaram uma regra segundo a qual os carros ficarão em regime de parque fechado depois do treino classificatório e só sairão de lá para alinhar no grid de largada. Se for assim mesmo, deixa de existir o warm-up, o treino de aquecimento realizado na manhã da corrida. Os pilotos irão para a corrida às cegas, sem ter chance de fazer uma última checagem antes da corrida. A FIA também acabou com o carro-reserva (quem destruir o titular nos treinos oficias ficará em péssimos lençóis) e obrigou os fabricantes a fornecer motores para mais de uma equipe a partir de 2004.
Tudo isso foi feito em nome da “diminuição de custos” e do “aumento de competitividade” (a íntegra do comunicado da FIA e os detalhes sobre as mudanças estão disponíveis no nosso site parceiro, o Grande Prêmio – www.grandepremio.com.br).
E vem mais para o futuro. Até 2006, deverão entrar em prática a padronização das asas traseiras e defletores laterais, a unificação dos sistemas de freios e a de determinados sistemas eletrônicos. E a FIA deixou aberta a possibilidade de, mais adiante e “em caso extremo”, obrigar todas as equipes a correrem com um único motor – mudaria apenas a marca que aparece na tampa do cabeçote. Imagine uma Ferrari com motor Cosworth, BMW, Renault, Motori Moderni ou Judd…
Algumas dessas medidas (como o banimento da eletrônica) são louváveis e já mereceram aplauso de alguns de nossos leitores. Mas o conjunto delas, mais o que já foi anunciado no final do ano, mostra uma coisa que já era perceptível: Mosley, Ecclestone e cia. estão mais desesperados do que barata em chão de salão de baile lotado. E, para tentar aumentar o interesse do público, estão apostando não na competitividade, mas na imprevisibilidade. Não há dúvida que Mosley conseguiu o que tanto perseguia: criar suspense para o público e diminuir os custos. Mas não me agrada a maneira como isso foi conseguido.
Limitar a definição do grid de largada a uma única volta rápida, proibir o uso de carro-reserva e deixar os carros em parque fechado entre a classificação e a largada transforma tudo quase em uma loteria ou um sorteio. Claro, o público poderá prender a respiração assistindo a uma eventual corrida de recuperação das Ferrari, Williams e McLaren, ou vendo uma Minardi, quem sabe, largar na pole. Mas será uma emoção artificial, causada por um regulamento que nivela a competição por baixo e define o grid de largada menos pela qualidade do conjunto carro-piloto e mais pela sorte de não quebrar, não errar, não rodar, não bater, não pegar pista molhada justamente na sua volta rápida.
Lembra daqueles treinos em que, durante uma hora, víamos Senna, Prost, Piquet e Mansell, ou – para ficar no panorama do ano passado – Schumacher, Barrichello, Montoya e Ralf se alternando na luta pela pole position, com um baixando (ou tentando abaixar) o tempo conseguido pelo outro? Você se lembra das poles decididas nos últimos minutos de treino, com vários pilotos na pista tentando superar seus limites? Pois é, isso acabou. De agora em diante, a “expectativa” será saber se os pilotos de ponta vão conseguir dar sua única volta rápida sem errar e sem quebrar.
Aí, na corrida, quem estiver em 2º ou 3º lugar vai pensar três ou quatro vezes antes de arriscar uma manobra e tentar a vitória. Pela nova pontuação (10-8-6-5-4-3-2-1), é mais negócio terminar duas vezes em 3º (6+6=12 pontos) do que apenas uma vez em 1º (10+0=10 pontos). Aliás, por que a FIA não adota logo a pontuação da Nascar? Nela, o vencedor marca 175 pontos e o 20º colocado, 103. Quem terminar duas corridas em 20º (103+103=206) marca mais pontos do que quem vencer uma e quebrar na outra (175+0). Isto sim é que é competitividade…
Venceu a filosofia do automobilismo norte-americano (“tudo pelo espetáculo”). A Fórmula 1 está caminhando a passos largos para se transformar em uma Nascar de rodas descobertas: carros “iguais para todos”, em nome da emoção para o público e da contenção de custos. O sucesso de público da Nascar nos Estados Unidos não me deixa afirmar que a FIA está errada ao seguir esse caminho. Mas faço parte de uma minoria para a qual a “verdadeira” Fórmula 1 acabou, morreu por incompetência dos dirigentes.
A FIA tem total razão ao explicar em seu comunicado oficial que o público não está interessado em tecnologia, mas em esporte. A maioria esmagadora das pessoas que ligam a TV ou vão às arquibancadas quer única e tão-somente ver disputas acirradas e até acidentes. Muito poucos acham interessante saber que o motor X tem 12 cilindros em V ou que o motor Y tem 10 cilindros contrapostos, ou que uma asa com formato de L é mais eficiente do que uma asa com perfil em V. Mas é (ou era) justamente esse o diferencial da F 1 em relação a outras categorias: as diferenças tecnológicas, a experimentação, o caráter exclusivo de cada máquina. Foram essas as características que fizeram a F 1 ser o sucesso que é. Padronizar equipamentos só tornará a F 1 diferente da F 3000 ou da Fórmula Nissan, por exemplo, na potência dos motores e nas dimensões dos carros. E é justamente para esse tipo de coisa que o mesmo público citado acima está se lixando.
Para mim, a Fórmula 1 que está se desenhando para este e para os próximos anos tem um cheiro muito forte de vinho de baixa qualidade. Lembra quando vieram para o Brasil aqueles vinhos brancos alemães numa garrafa azul? O grande público adorou a novidade. Mas aos poucos as pessoas foram provando outros vinhos e perceberam que eles eram muito melhores que o tal vinho-branco-alemão-da-garrafa-azul. O problema é que os, digamos, “novos apreciadores” não terão variedades de F 1 para provar – só a da garrafa azul…
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Se mesmo com tudo isso você ainda tiver o sonho de andar em um Fórmula 1 (eu tenho…), faça o seguinte: entre no site www.agsformule1.come informe-se sobre as condições para fazê-lo. Sim, é a mesma AGS que disputou a F 1 entre 1986 e 1991. A equipe de F 1 acabou, mas a empresa continua em atividade realizando os sonhos recônditos dos mortais como nós…
Você poderá escolher três estágios. No de “Descoberta”, você guia no Circuit du Var (um autódromo pertencente à própria AGS) um dos antigos F 1, com motor mais “manso” (650 cv…). Depois, vem o de “Aperfeiçoamento”, em que é usado um AGS modelo 2002, com câmbio no volante e motor de 700 cv. No estágio avançado, chamado “Grand Prix F 1”, você guia um Arrows A20 ou A21 (1999 ou 2000), com motor de 800 cv. Caso pareça muita areia para o seu caminhãozinho, você pode começar “por baixo”, guiando um Fórmula Opel ou uma Ferrari de rua. E, se o seu negócio é esporte-protótipo, eles têm dois…
O preço? No programa mais barato, você vai pagar 1.519 euros (equivalentes à mesma quantia em dólares) para dar umas 20 voltas com um Fórmula 3 e outras quatro ao volante do F 1. Passagens e outros gastos não estão incluídos.
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Notícias do mundo virtual. Saiu um jogo de computador chamado “Mafia” em que o jogador encarna Tommy, um taxista que entra para uma família mafiosa. Depois de fazer atividades mafiosas e passar por tiroteios, brigas de rua e outras aventuras, Tommy precisa vencer corridas de automóveis para cumprir sua missão. O jogo é ambientado nos anos 30 e o carro e a pista são típicos dessa época.
O enredo parece absurdo à primeira vista. Mas quem conhece o nível de algumas pessoas ligadas ao automobilismo sabe que um jogo misturando máfia e corridas de carros pode até ser considerado normal…
Abraços,
LAP