Os bastidores da entrevista

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FLECHAS DE LATA
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As fitas cassete ficaram largadas pela casa por quase dez anos.

Eu as gravara na noite de 5 de janeiro de 94, em quase duas horas de conversa pelo telefone com Ayrton Senna, reunindo material para o meu livro Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria, que seria lançado em março daquele ano.

Eu havia pedido a entrevista a Leonardo, irmão de Senna, em setembro de 93, no auge da temporada. Como eu não poderia ir à Europa, teria de aguardar pela vinda de Senna ao Brasil. Leonardo naturalmente não podia me prometer uma data mas garantiu: o irmão iria me procurar.

Procurou, de fato. Na hora do almoço do dia 5 de janeiro, eu estava em minha sala, nos escritórios na Rede Globo, em São Paulo, quando ouvi o telefone tocar. Atendeu um contínuo – a única outra pessoa por ali, além de mim -, que me avisou: “é para você”. Atendi:

_ Eduardo? É o Ayrton.

Nada de secretária, nada de intermediário, ele mesmo ao telefone. Estava preocupado com o meu prazo. De fato, eu estava em cima da hora para entregar os originais à editora. Senna não sabia quando poderia vir a São Paulo e perguntava se não poderíamos conversar por telefone, mesmo sabendo que não seria uma conversa rápida. Poderia, claro, mas, num ato temerário, disse a ele que não estava pronto para fazer a entrevista naquele momento. Poderia ser à noite?

Concordou, meio a contragosto, anotando o telefone da minha casa e prometendo ligar depois das 22h. Pensei que tinha jogado minha oportunidade pela janela.

Mas ele cumpriu a palavra; ligou e não teve pressa em desligar. Me contive em lhe dirigir umas dez perguntas. Ele as respondeu de uma forma surpreendentemente franca e minuciosa. Ao contrário de outros pilotos que entrevistara nos meses anteriores, Senna tinha uma memória precisa, dando o devido valor aos seus feitos mas sem trair o mais remoto traço de vaidade ou deslumbramento. Não tenho ilusões que uma ou outra resposta foi sutilmente distorcida ao seu próprio favor – ninguém, nem mesmo Senna, resiste à tentação de retocar a própria biografia. Não o contestei, não polemizei. Não era o meu papel, não era o meu desejo.

Terminamos a conversa por volta da 1h da manhã com a vaga promessa de nos encontrar em Interlagos, meses depois, durante o GP. O encontro nunca aconteceu.

Eu estava nos boxes no domingo pela manhã, uma bela credencial de livre trânsito cedida pelo Fernando Calmon, diretor de Auto Esporte, pendurada no pescoço mas o meu senso de medida me conteve. O clima na Williams já não era dos melhores e Senna certamente já tinha gente demais atrás dele.

Tive nova chance um ou dois dias depois, durante um evento no qual ele era o principal convidado mas, de novo, havia muita gente por perto. Preferi dar uma carona para Maurício Gugelmin até o hotel dele.

Depois, tudo se precipitou e a mim só restou render homenagens a Senna quando seu corpo descia a Avenida 23 de Maio, em São Paulo, em meio a oito Dragões da Independência montados em cavalos brancos.

///

O grande repórter aqui se preparou para a entrevista com Senna estudando dezenas de livros, revistas e vídeos mas esqueceu de providenciar um microfone apropriado para captar o som do telefone.

Assim, não tive outro remédio que não segurar o meu gravador próximo ao bocal do telefone durante quase duas horas, o que me rendeu um torcicolo e uma péssima qualidade de áudio. E quem paga o pato são vocês, leitores, que terão de decifrar a voz de Senna nas gravações que disponibilizo a partir de hoje aqui no GPTotal.

E acreditem: o som estava ainda pior. Melhorou-o e bastante o trabalho do amigo David Mazzuca Neto, do estúdio Avant Garde. Durante alguns meses, ele lutou contra as fitas com ajuda de softwares e dicas de amigos, tornando o som um pouco mais audível, ainda que consideravelmente mais metálico.

Terminado o trabalho de David, editei cada pergunta, usando um software Sound Forge e contando com ajuda da minha filha Letícia, de Abrahan Aguiar e Alexandre Ganzella, dois craques em informática. A amiga Alessandra Siqueira deu uma mão na transcrição das fitas. Maurício e Dani finalizaram o trabalho que está agora nas mãos de vocês.

São, ao todo, treze perguntas que serão publicadas às segundas, quartas e sextas, de hoje até dia 14 de maio.

Espero que o trabalho tenha valido à pena.

Na próxima 4a-feira, Senna fala sobre sua vitória em Portugal 85

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

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