Você já ouviu a última piada da FIA? Não? Então eu vou te contar: seus dirigentes querem transformar o Mundial de Rali, o WRC, num campeonatinho de terceira categoria. Acreditam que, com isto, vão ajudar a Fórmula 1 a ganhar interesse. Não é prá rolar no chão de dar risada?
Não, não é. Na verdade, a situação é extremamente preocupante. Como estão fazendo com a Fórmula 1, Max Mosley e seus asseclas planejam uma série de mudanças no regulamento do WRC. Mas há um paradoxo nisto: todos da Fórmula 1 concordam que falta emoção nas corridas e que é preciso fazer alguma coisa para reverter a queda de audiência que a categoria sofre atualmente.
Mas o WRC, ao contrário, tem sua popularidade crescendo a passos largos e é a categoria de ponta mais competitiva da atualidade. Por isto, não dá para entender a motivação dos dirigentes em executar mudanças no rali. “Estamos totalmente confusos sobre as regras do WRC e ainda mais irritados com as alterações previstas para 2005”, critica o atual campeão Petter Solberg. “Ultimamente, ando preocupado com o futuro do nosso esporte. Toda semana, a comissão de rali da FIA cria novas regras sem deixar que nós, pilotos, participemos de alguma forma deste processo de decisão. Algumas das propostas não são ruins, mas outras seriam mortais para o rali.”
O principal ponto de polêmica está no sistema de pontuação que os dirigentes querem introduzir na próxima temporada. Além de somar pontos com a classificação geral ao final dos três dias de rali, os pilotos ganhariam pontos extras de acordo com os tempos de cada dia de disputa: três para o melhor do dia; dois para o segundo colocado e um para o terceiro.
Entendeu? Não, né? Vamos dar um exemplo prático com o que aconteceu no Rali da Nova Zelândia. Pela soma dos tempos de sexta-feira, Solberg somaria três pontos, dois seriam outorgados à Harri Rovanpera e um à Marcus Gronholm. Pelos tempos das especiais do sábado (exclusivamente), Gronholm teria três, Markko Martin levaria dois e Solberg, um. No domingo, três para Gronholm, dois para Solberg e um para Martin. Todos estes pontos extras seriam adicionados à pontuação da classificação final do rali (com a soma dos tempos dos três dias). E agora, entendeu? Ainda não? Tudo bem, você não é o único.
“É uma confusão pura. Quando as pessoas envolvidas no esporte não entendem mais tudo o que se passa, como o público poderia entender o rali? Seria melhor então que os jornalistas ficassem em casa, então eu lhes telefonaria para esclarecer porque somei mais pontos que todo mundo mesmo terminando o rali em quinto lugar”, desabafa o estoniano Martin.
Segundo a comissão de rali da FIA, a intenção do novo sistema é de dar uma chance a quem teve um problema muito sério em alguma especial, mas andou de forma constante no resto do rali (mesmo perdendo dez minutos e quaisquer chances de pontuar na classificação geral, ele poderia ser o mais rápido na soma de tempos dos outros dois dias de competição e levar seis pontos para casa). Isto contradiz a própria raiz do rali de velocidade, que sempre premiou a combinação entre os pilotos mais rápidos, que cometessem menos erros e dispusessem do equipamento mais confiável. E sempre deu certo. Ou, o que vocês acham de dar um ponto extra ao piloto que fez a volta mais rápida dentre os que abandonaram em uma corrida de Fórmula 1? Ridículo, né?
Outro ponto de discussão está na intenção de diminuir ao máximo as atividades do posto de serviço das equipes, os “boxes” do Mundial de Rali. Os chefes de equipes estão horrorizados com a idéia. “Não podemos abrir mão do posto de serviço. É onde mostramos nossa marca, nossos pilotos e nosso carro ao grande público. Isto não nos custa nem um Euro a mais. Se os mecânicos trabalham em algo ou não é indiferente, eles ganharão seus salários de qualquer jeito. Nós também queremos diminuir custos, mas assim vamos economizar até morrermos por causa disso”, avalia Guy Fréquelin, diretor-chefe da Citroën.
E o pior é a maneira ditatorial com que as reformas estão sendo conduzidas. A FIA apresenta as propostas, mas não envia às coletivas do WRC nenhum representante para explicá-las ou mesmo para rebater as críticas que elas recebem. O presidente da comissão de rali da entidade, o ex-piloto Shekhar Mehta, simplesmente sumiu do mapa e ninguém consegue contactá-lo há meses. Todos os ingredientes de um golpe de estado num país latino-americano estão presentes nestas atitudes.
No fundo, é fácil entender o que a FIA quer fazer com o WRC: uma morte lenta, por asfixia. É a repetição de uma história que aconteceu há cerca de 20 anos. Na ápoca, os carros do chamado Grupo B atingiram seu auge de popularidade e desempenho, atraindo multidões para ver a disputa ao vivo e gerando enorme interesse da mídia. Em dezembro de 1986, Bernie Ecclestone, então vice-presidente da FISA, elegeu para si a coordenação da promoção do Mundial de Rali. Seu primeiro ato foi justamente banir a existência dos carros do Grupo B, alegando insegurança. Sim, as máquinas eram perigosas, mas porque não investir em itens de segurança como fizera na Fórmula 1 a partir de 1994? A medida foi início de um período claudicante do rali mundial, que só conseguiu reconquistar a excelência que merece lá por 1996, 97.
Bernie sempre usou a tática suja de exterminar qualquer categoria que, por suas próprias qualidades, ameaçasse a popularidade da galinha de ovos de ouro da FIA. Foi assim também com Mundial de Protótipos no início dos anos 90 ou com os carros de turismo, quando o ótimo DTM virou o mal organizado ITC em 1996. Quando estes campeonatos dão a volta por cima, lá vai o tenebroso mexer novamente seus pauzinhos para colocar as coisas no seu devido lugar. Agora é o WRC, depois vai ser o DTM e o círculo continua.
E ainda tem gente com coragem ou sem cérebro para elogiar este homem, criador de uma ditadura invisível que coloca o mundo diante da tela para assistir à procissão do Padre Schumacher, enquanto que o automobilismo de verdade, com ultrapassagens, disputas e arrojo floresce sem ser reconhecido em diversas pistas e estradas espalhadas pelo mundo.
Abraços e até a próxima,
Luis Fernando Ramos |