"(...)sinto-me incomodada com tantas manifestações nesse dia -- 1º de maio --, principalmente as que se apoiam no pesar"
No dia 1º de maio deste ano, saí relativamente cedo de casa e fui ao Parque do Ibirapuera para aproveitar o feriado. Minha cabeça, confesso, não estava nas alamedas repletas de gente caminhando, correndo, pedalando, deslizando em patins ou skates, enfim, ocupando o espaço público. Estava muitos quilômetros longe dali, em um país que se tornou rival esportivo e que me faria amargar uma terrível perda naquele dia.
Sim, amigos, estou falando de 1º de maio, dia triste para toda uma nação que viu um herói praticamente inerte, sem reação diante do imponderável, um gigante outrora invencível batido impiedosamente em terras estrangeiras. Sim, amigos, estou falando da derrota do Corinthians para o Boca Juniors no jogo de ida das oitavas de final da Libertadores de 2013…
A visita ao parque e a concentração para o jogo me fizeram distante de algo que tenho procurado evitar tanto quanto possível nos últimos anos: as manifestações pela morte de Ayrton Senna. Já disse aqui mesmo neste GPTotal que, para mim, Senna foi o maior piloto que a Fórmula 1 já teve, e nunca vou perder o meu tempo ou de qualquer interlocutor debatendo se foi melhor que Schumacher, Prost, Fangio, Piquet ou qualquer outro, porque minha análise tem um pouco de objetividade e uma tonelada de subjetividade.
Quando o documentário “Senna” foi lançado, fui ao cinema assisti-lo e me emocionei em vários trechos. Não o de sua morte ou de seus funerais, mas o de sua primeira vitória, em Portugal/ 1985, o de seu primeiro título, no Japão/ 1988, o de seu tricampeonato, Japão/ 1991. Não foi só a vitória na chuva no Estoril, ou a sensacional recuperação em Suzuka, ou o título da desforra, o derradeiro, que me emocionaram. Ao me lembrar do Estoril, lembrava dos meus 15 anos e de todo o frescor que a juventude bafeja ao redor. Recordando Suzuka/88, revia meu primeiro ano de faculdade e aquela sensação de estar tomando as rédeas da vida. Voltando ao tricampeonato de Senna, eu me transportava para meu primeiro emprego como jornalista, cheia de planos, feliz.
Gosto de Senna ou gosto do que Senna revive em mim? Pergunta inútil, não me vale a reflexão, jamais valeria uma discussão. Talvez por isso mesmo – porque o rótulo Senna seja algo mais íntimo que público para mim – sinto-me incomodada com tantas manifestações nesse dia, principalmente as que se apoiam no pesar. O próximo ano, que marca o vigésimo aniversário da morte, tende a ser ainda mais agudo. Já há enredo de escola de samba programado para homenagear Senna e muitas outras manifestações deverão “comemorar” a data. (Sim, em algum momento, algum repórter há de dizer que estão sendo “comemorados” os vinte anos sem Senna e centenas de posts serão lançados nas mídias sociais para comentar o deslize.)
Se é para lembrar Senna, prefiro a forma como fizeram os rapazes aqui do GPTotal, reportando cada uma de suas 41 vitórias e ajudando a alçar nossa página do Facebook a mais de 12 mil seguidores. Pois foi justamente no Facebook que um conjunto de manifestações – referente a Senna – chamou minha atenção.
Um dos pilotos mais atuantes nessa mídia social é Jenson Button. Claro que não é ele o autor dos posts, mas uma equipe ou pelo menos um profissional muito em sintonia com os temas mais quentes da Fórmula 1. A página de Jenson Button no Facebook exibe vários posts diários, sendo que a menor parte refere-se ao próprio piloto. Compartilha fotos de outros colegas, anedotas, links para notícias, entrevistas com pilotos, engenheiros e outros personagens do “circo” e também faz algumas enquetes.
Na semana passada, a página postou uma foto de Michael Schumacher e lançou a pergunta: “você sente falta dele?” Ao ler os comentários, alguns aspectos me chamaram a atenção. A maioria absoluta das manifestações dividia-se draconianamente em duas vertentes: os que respondiam com um “sim” entusiasmado, seguido por frases curtas como “foi o melhor” ou “o maior de todos os tempos”, e os donos de um “não” peremptório, invariavelmente seguido por uma mesma expressão – “trapaceiro”. Quase a totalidade dos detratores de Schumacher encerrava sua manifestação da mesma forma: para eles, Senna era melhor que o alemão. Não tive a curiosidade estatística de checar se o “sim” venceria o “não” ou vice-versa. No entanto, era notório que respostas desapaixonadas, como “foi um grande piloto, mas seu tempo passou” perdiam fragorosamente.
No Facebook, como na maioria dos fóruns virtuais, não é fácil identificar com exatidão a nacionalidade dos comentaristas. Pelos nomes, no entanto, era possível notar que a maioria não era formada por brasileiros. Vários deles começaram a se alfinetar entre si, em um tipo de discussão acalorada que estamos bastante acostumados a ver por aqui. Ou seja, o debate sobre o maior piloto de todos os tempos e a paixão em torno dos nomes Senna e Schumacher não são tão embasados na questão da nacionalidade quanto se poderia supor. Sou levada a crer que as bases não estão também na questão esportiva.
Ora, se assim o fosse, Senna sairia com cinquenta vitórias e quatro títulos de desvantagem. É na questão moral que parece residir o cerne do debate. Aos olhos da maioria dos fãs de Senna, o brasileiro era um abnegado, alguém que buscava as vitórias não apenas porque isso lhe trazia uma satisfação extraordinária, mas porque enxergava em suas conquistas uma espécie de redenção do povo de seu país. Era, também, um piloto capaz de desafiar oponentes e equipes que tivessem um carro melhor que o seu. Para esse grupo, qualquer coisa de que Senna lançasse mão em busca da vitória era legítima e justificada, incluindo o jogo de equipe (que não foi invenção dele, claro) e jogar o carro em cima do oponente (revide mais do que aceitável). Para esse mesmo grupo, Schumacher merece a forca por ter sido sempre desleal, reduzindo os companheiros de equipe a meros vassalos ou jogando o carro para cima de seus oponentes, além de ter sido campeão sem concorrência, pilotando carros sempre muito melhores que seus adversários.
O fato, amigos, é que seja nacionalista, esportiva ou moral, sinto muito em dizer-lhes, essa discussão é papo de velho. O atual grid da Fórmula 1 não tem um único piloto que tenha corrido com Senna. Ele foi ídolo de vários deles – Lewis Hamilton, Mark Webber, Fernando Alonso – mas alguns deles não sabiam nem contar até cinco quando ele morreu. E, por mais que eu me reveja adolescente quando lembro daquela Lotus preta e dourada, isso vai querer dizer pouco ou quase nada para quem se forjou na Fórmula 1 nesses últimos vinte anos. Gostemos ou não da asa móvel e dos pneus que se esfarelam, a Fórmula 1 cresceu como negócio nesse período e atraiu públicos que antes nem sabiam o que era a categoria. Um moleque apaixonado por Fórmula 1 no interior da Alemanha, ou uma garota fisgada pela velocidade no meio-oeste norte-americano terão muito em comum, e talvez um dia queiram ler tudo sobre Fórmula 1. Para estes, Senna será uma lenda como Villeneuve ou Jim Clark foram para mim, mas não terá esse resquício de memória afetiva que parece nortear, embasar e turvar nossas análises.
Em 1995, um ano após sua morte, eu tive a ilusão de que essa necrofilia cessaria e que ele, enfim, poderia descansar. Voltei a almejar o mesmo nos dez anos do passamento. Quem sabe com vinte…
Até a próxima!
14 Comments
Agradeço o lembrete, Lucas. Mas você não opinou sobre minha escolha dos melhores de todos os tempos. Mantenho o que digo, novamente pedindo desculpas aos fãs de Piquet pai, Prost, Schumacher, Senna. Extendendo minha resposta não posso deixar de incluir Juan Manuel Fangio por sua notável hegemonia nos primórdios da categoria, pela habilidade espantosa como conduzia carros de corrida sem qualquer segurança (sem cinto de segurança e com capacete de madeira, acrílico e cortiça), especialmente em Nurburgring/57. E novamente citando Jack Brabham (campeão como piloto e construtor), John Surtees (mestre em duas e quatro rodas) e Graham Hill (da primeira habilitação aos 24 anos à conquista da tríplice coroa foi uma ascensão meteórica, conseguida com talento e persistência).
Sim, e concordo com todos os méritos citados em relação aos outros, só não vejo sentido em enaltecê-los ao mesmo tempo em que se critica o Prost, ainda mais ao dizer que “Schumacher, Senna e até Mansell nunca precisaram chorar que nem criança mimada”, o que é muito, muito longe de ser verdade. Não vejo absolutamente sentido nenhum acusar Prost disso e ao mesmo tempo usar Mansell como exemplo – poucos pilotos da F1 moderna foram tão chorões quanto Mansell. É um piloto que mais de uma vez abandonou corridas ou inventou problemas inexistentes simplesmente porque não conseguia guiar bem, e aliás foi assim que deu adeus à categoria: ao ver que não conseguia tirar da McLaren o mesmo que Hakkinen, ele simplesmente levou o carro para os pits, saiu do cockpit, disse que o carro era “inguiável” e nunca mais voltou para um carro de F1. Claro que a McLaren de 95 não era nenhuma maravilha, mas Hakkinen já tinha até então conseguido um quarto e um quinto lugares.
Na Indy, Mansell impressionou ao ganhar o campeonato de 93, mas em 94, como seu próprio chefe descreveu, ele simplesmente botou na cabeça que as Penske eram “imbatíveis” e não fez esforço nenhum para alcançá-las – e aí terminou não só abaixo delas, mas num distante oitavo lugar.
Foi notável também a atitude de “choradeira” quando dividiu a Ferrari com Alain Prost. Mansell era desses pilotos que não entendia grande coisa acertar carro, e enquanto Alain Prost passava horas e horas discutindo com os mecânicos sobre como extrair mais do carro, ele se limitava a soltar umas três frases sobre o que queria no carro e os mecânicos que se virassem. Quando ele viu que o resultado dessa diferença de atitude era que Prost conseguia resultados muitíssimo melhores que o dele, soltou uma pérola que ficou famosa – que Prost não era piloto de verdade, pois ficava gastando seu tempo fazendo com que “o carro fizesse tudo por ele”. E aí o que acontecia comumente é que, como criança que está insatisfeita com um brinquedo, ele simplesmente perdia o interesse (e enquanto Prost quase foi campeão naquele ano, Mansell foi apenas quinto). Convocar jornalistas para suas sessões de choradeira era um dos esportes favoritos de Mansell, e ele tinha uma tendência (insuportável para muitos jornalistas da época) de querer enaltecer seus feitos a cada frase que soltava, sendo capaz de querer fazer os outros acreditarem que ele tinha feito algo de notável mesmo nas inúmeras vezes em que ele tinha um carro claramente muito acima da concorrência. Por essas coisas, não consigo entender como alguém pode dizer que “cada campeão tem seus méritos, exceto Alain Prost”, mas incluir entre os “merecedores” casos bem mais notórios de pilantragem e/ou choradeira. Coisa que, aliás, Prost fez pouquíssimo em sua carreira (veja que era um dos pilotos mais limpos da pista, a coisa mais rara era vê-lo se envolvendo em acidentes com outros pilotos), e mais que qualquer “favorecimento”, muito do que ele conseguiu é sim fruto da Mas obviamente concordo com seus motivos para admirar os demais pilotos – em especial Fangio, um dos poucos pilotos da história da F1 para o qual praticamente não haja motivos para críticas.
Cada um dos campeões citados tem seus méritos, e não são poucos. A não ser pilantran, digo, alain prost. Schumacher, Senna e até Mansell cometeram atos vexatórios durante vários momentos da carreira, não nego, mas nenhum deles precisou chorar que nem criança mimada pro dirigente lambe botas pra vencer corridas ou campeonatos. Coisa que este elemento cuja existência envergonha a nação francesa fez mais de uma vez. Sobre o maior de todos os tempos, peço desculpas aos fãs de Senna, Stewart, Lauda, Fangio e outras lendas da f1 mas compartilho a opinião de Nelson Piquet pai que Jack Brabham foi o maior de todos, pois foi o único a ser campeão como piloto (1959, 1960 e 1966) e construtor (1966 e 1967, este último com Dennis Hulme como campeão entre os pilotos). Os mais próximos de Brabham foram Bruce McLaren (vitória com o próprio carro na Bélgica-1968) e Jackie Stewart (vitória como construtor gp da europa Nurburgring/1999 com Johnny Herbert ao volante). Outros que se destacaram de forma ímpar foram John Surtees, o campeão dos dois mundos, pois além do título na f1 foi hexacampeão no mundial de motovelocidade 500cc (atual motogp) e Graham Hill, que começou tarde a carreira e mesmo assim é o único vencedor da tríplice coroa: 24 horas de Le Mans, 500 milhas de Indianápolis e o campeonato de f1. Retificando: coloco esses três gênios das pistas empatados como os melhores de todos os tempos, pois até hoje seus feitos não foram sequer igualados.
Há, controvérsias, Wladimir. Schumacher e a Ferrari têm um longo histórico de “choradeira” também, e, aliás, foi muito graças a ela (e ao Max Mosley que parecia sempre pronto para atendê-los) que a dominação da Ferrari durou tanto. Lembre-se que naquele tempo em que Mosley estava no poder, quase sempre que alguma outra equipe tinha algum desenvolvimento novo que talvez pudesse ameaçar o domínio ferrarista, ele era barrado. Quando a BMW tinha o melhor motor de classificação, a FIA resolveu bani-los. Quando a Renault tinha o melhor controle de largada do grid, proibiram os sistemas de largada. Quando a Ferrari não conseguiu render bem com a regra de que os pneus tinham que durar uma corrida inteira em 2005, choraram e conseguiram que a regra fosse revertida pro ano seguinte. Quando a Renault foi a única equipe a dominar a tecnologia dos amortecedores de massa (Ferrari e McLaren tentaram, mas não conseguiram fazer um tão bom), ele foi proibido no meio da temporada com base numa premissa estapafúrdia (classificaram-no como uma “peça aerodinâmica móvel”, sendo que ele nem sequer ficava exposto ao fluxo de ar). Foi também com base na choradeira que conseguiram aquela ridícula punição ao Alonso em Monza 2006 por ter “bloqueado Massa na classificação”, quando o vídeo mostrou claramente que o Massa nem sequer estava próximo do espanhol, que só poderia o ter bloqueado se fosse por telepatia. Schumacher também usou da “choradeira” para pedir à equipe que trocasse de carro com o companheiro se achasse que o outro era melhor.
E, obviamente, não dá pra esquecer do que é uma das maiores críticas ao alemão: o fato de que ele jamais teve coragem de ter como companheiro de equipe os melhores pilotos de seu tempo – coisa que ele admitiu antes mesmo de ser campeão. Lembre-se que na primeira temporada completa do Schumacher seu companheiro foi o Brundle, que chegou algumas vezes a batê-lo de forma incômoda e incontestável. Resultado: Brundle foi despedido sem qualquer explicação, e a Benetton contratou um “segundo piloto profissional” pra 93. E em 94 seria pior ainda, com o trio Lehto-Verstappen-Herbert. Chegando na Ferrari, que já dispunha de Berger e Alesi, mandam embora os dois e resolvem contratar o fraquíssimo Eddie Irvine. É curioso que, numa entrevista em 94, Schumacher já dizia que “a melhor equipe é aquela que tem um piloto para vencer e outro para conseguir resultados quando acontece algo errado com o primeiro piloto”, mas em 99 vimos que nem para isso Irvine servia, pois perdeu o campeonato de 99 com um carro que foi campeão de construtores mesmo sem Schumacher lá em metade das corridas, e no qual até o piloto reserva teria ganhado corrida se não tivesse que dar a vitória pro Irvine por motivos óbvios. Aí chamaram o Barrichello, e depois Massa.
Agora compare essa lista com a de companheiros de Alain Prost, lembre do fato de que foi o próprio Prost que sugeriu ao Ron Dennis contratar Ayrton Senna para ser seu companheiro de equipe, e não tem como negar que eram bem diferentes. Não tenho como não acreditar que Schumacher fez isso porque, no fundo, não tinha tanta certeza assim se conseguiria, por exemplo, bater um Hakkinen na mesma equipe. E considerando que o maior calcanhar de aquiles de Schumacher sempre foi lidar com a pressão de um piloto em condições de competir com ele (veja que em praticamente todas as decisões de campeonato que se estenderam até a última corrida Schumacher cometeu algum erro de médio a gravíssimo), é bem provável que levaria a pior. Como compará-lo com alguém que, com as únicas exceções de Piquet e Schumacher, foi companheiro de *todos* os campeões de de 82 a 96, bateu *todos* eles pelo menos numa temporada e nas duas únicas em que foi batido, foi por diferenças mínimas (meio ponto em 84 e 3 pontos em 88 – e só graças aos descartes, pois sem eles ficaria 11 pontos à frente de Senna)? Respeito a opinião do Pilatti, mas acho difícil concordar.
To ficando velho mesmo.
E até termos outro “Senna”, este será eterno.
Ele não morreu. Voltou para casa somente.
Belo texto Alessandra!
Minha adolescência foi admirando as batalhas entre Piquet, Prost, Senna e Mansell, e tenho um orgulho danado de poder ter acompanhado esta geração, que para mim foram meus 4 feras!
Abraço!
Mauro Santana
Curitiba-PR
Parabéns pelo texto! 🙂
Por um lado, discordo dessa ideia (que vem ganhado muitos adeptos atualmente) de que “a idolatria em torno dele deve-se muito ao fato dele ter morrido em Imola”. Não é bem assim – não só ele era amplamente considerado como um dos melhores (para alguns o melhor) de todos os tempos antes mesmo de sua morte (basta olhar as publicações especializadas – mesmo as estrangeiras! – de 93), como já haviam especialistas discutindo animadamente onde colocá-lo na lista de melhores pilotos da história da F1 antes mesmo dele conseguir seu primeiro campeonato! O lendário Denis Jenkinson, um dos grandes cronistas da F1 e que testemunhou e conviveu com tantos campeões desde os tempos de Fangio, já colocava Senna em seu “Top 10” em pleno 1987. Em 93 então, nem se fala.
Tendo dito isso, concordo totalmente com você quanto ao que Senna fez em 90. Num esporte com tantos riscos envolvidos, não há espaço para esse tipo de revide, e, também na minha opinião, o que Senna fez naquele ano é execrável – e alegar que ele estava “se vingando” em relação ao que aconteceu no ano anterior em nada diminui sua culpa. E, de fato, as coisas ficariam ainda muito piores quando o maior astro do esporte passaria a ser justamente alguém que utilizaria tais “traquinagens” com incômoda frequência (e nem sequer havia a desculpa – esfarrapada, diga-se de passagem – de ser “vingança”). O que dói é saber que, para as novas gerações, a referência é justamente o Schumacher – chega a dar desgosto ver a molecada dizendo que piloto de verdade é aquele que joga o carro em cima dos outros e ainda chegar a afirmar que piloto limpo não ganha campeonato – deviam se informar um pouco mais sobre Prost (baixíssimo envolvimento em acidentes durante a carreira), Stewart (um verdadeiro gentleman nas pistas, mas mesmo assim um dos mais respeitado de sua geração e tri-campeão), Fangio (um gênio que conseguiu a proeza de ser unanimidade entre seus pares, e que não tem absolutamente nenhum abandono em sua carreira devido a acidentes com outros pilotos: seus 14 abandonos foram *todos* por falha mecânica).
Acredito que boa parte do fato de que Piquet costuma ficar mal posicionado nos rankings de melhores pilotos da história se deve ao fato de que ele teve algumas atitudes condenáveis fora da pista (se por um lado não é justo que um piloto seja julgado pelo que faz quando não está correndo, por outro lado não há como simpatizar com o Piquet quando ele por exemplo insultava a mulher de Nigel Mansell que nada tinha a ver com o que se passava na Williams). Infelizmente muita gente acaba se lembrando de Piquet por essas coisas ao invés de lembrar dele como o piloto genial que foi. Só mesmo isso para explicar o fato de que em muitos rankings o Piquet aparece, por exemplo, *abaixo* de Nigel Mansell – um piloto que teve o melhor carro do grid em quatro temporadas e só foi campeão uma vez, e ainda assim quando o carro era absurdamente superior aos demais e a equipe tinha um “segundo piloto profissional”. Não faz o menor sentido.
Algo semelhante acontece com Alain Prost – só mesmo a sua “demonização” (que infelizmente encontra eco até os dias de hoje, vide o próprio filme sobre o Senna) explica o completo absurdo que é posicioná-lo abaixo de Michael Schumacher. Ao contrário de Schumacher, que mal chegou na Benetton rapidamente passou a exigir que a equipe tivesse pilotos inferiores para fazer par com ele, Alain Prost correu com pilotos que, juntos, conseguiram nada menos que nove campeonatos, e, em treze temporadas na F1 foi campeão 4 vezes e, quando não foi, quase sempre terminava a poucos pontos do primeiro.
Ai, caramba, sempre me confundo na hora de clicar “Responder”. Respondi pro Harry o que deveria ter ido pro Fernando Marques 🙂
Lucas,
eu não tenho duvidas que o Senna seria um mito vivo. Ele fez por onde, dentro e fora das pistas, para ter este reconhecimento. Assim como a bem da verdade ninguém pode garantir que o Senna iria ganhar mais títulos na Formula 1 se não tivesse acontecido aquele acidente. A historia do Senna teve o seu fim ali em Imola. A forma como se deu é que penso ser fundamental para ele ser um mito. Já vivo muitos consideravam ele um Deus, morto então nem se fala …
Com relação ao Prost, ninguém ganha 4 títulos mundiais e vence mais de 50 corridas se não for muito bom … isto tem que ser reconhecido apesar da “demonização” bem citada por você …
Com relação ao Piquet ele nunca fez questão de estar bem nos rankings desde os tempos que ainda corria … vibrava mais com o Trofeu Limão que sempre ganhava dos profissionais da imprensa e criticos especializados …
Fernando Marques
Niterói RJ
Garantir ninguém pode mesmo, mas vejo muito menos motivos para acreditar que ele não ganharia mais título nenhum do que o contrário: é só lembrar que mesmo na última temporada, o Senna estava conseguindo fazer pole positions com aquela Williams enquanto o Damon Hill não só ficava muito longe da Benetton chegou a sofrer até contra a Ferrari (no Brasil o Hill ficou atrás do Alesi e em Imola atrás do Berger); enquanto o Senna em Interlagos conseguia alcançar o Schumacher o Hill terminou nada menos que uma volta atrás – e mesmo sendo tão inferior ao Senna ele seria o grande rival de Schumacher nessa temprada e nas duas seguintes, logo não vejo porque não acreditar que o Senna não ganhasse mais alguns campeonatos, já que o nível geral da F1 caiu muitíssimo com a aposentadoria de Piquet e Prost. Sobrou o Schumacher, que obviamente era um grande piloto, mas não no mesmo nível desses três. Como o próprio Prost falou ao se aposentar, “o único que tem alguma chance de bater o Senna daqui pra frente é o Schumacher, e mesmo assim só se for com uma vantagem muito grande em equipamento”.
Acho que comentei por aqui outras vezes – muitas das transições de uma “era” para outra acontecem com os novos pilotos se impondo claramente em relação aos antigos. Nessa era entre a saída de Piquet/Prost/Senna e a chegada de Alonso/Kimi isso não aconteceu – os grandes “astros” dessa época eram pilotos que, quando muito, tinham desempenho razoável comparados aos antigos, isso quando não levavam uma tremenda surra. O Hill nunca foi páreo para Prost ou Senna no mesmo carro. Villeneuve não correu contra os gênios da era anterior, mas basta lembrar que, no mesmo carro, ele foi batido pelo próprio Hill. Hakkinen ainda conseguiu bater Senna num treino, mas logo viu que era só um caso fortuito. Schumacher até conseguia superar Piquet em boa parte dos treinos, mas em ritmo de corrida nem de longe mostrou o que se esperaria de um novo astro que vai contra um piloto em vias de se aposentar. Não é por acaso que nenhum dos astros dessa época foi capaz de brigar por um campeonato sem estar com o primeiro ou segundo melhor carro do grid.
Lucas, devo confessar: acho Schumacher ligeiramente superior a Prost. #prontofalei
Vou aproveitar a deixa da Alessandra para dizer o seguinte:
– para mim o maior piloto que a Formula 1 já teve foi o Nelson Piquet
– rotulo o Piquet como o melhor pelos mesmos motivos dela … por ser algo mais intimo do que publico para mim
– não considero os resultados pois Piquet conseguiu menos titulos e vitorias do que o Schumacher, Prost e Senna como exemplos
– considero que o caminho do Piquet para chegar aonde chegou foi bem mais dificil que o do Senna
– e considero que tive a felicidade de ver o Piquet correndo aqui no Brasil , algo que o Senna não fez, pois na verdade tornei um fã dele antes mesmo dele ir tentar a sorte na Europa
Agora não desmereço o Ayrton Senna como piloto e acho que a idolatria em torno dele deve-se muito ao fato dele ter morrido em Imola, pois a partir daí ele virou um mito. Creio que em termos de marketing este sempre foi o desejo dele, pois sempre trabalhou fora das pistas com este intuito, o que também não vejo nada de errado.
Só que acho mais verdadeiro a postura do Piquet, que sempre desejou as suas conquistas a ele mesmo face a tudo o que ele fez para chegar onde chegou e nunca fez marketing sobre isso.
Me permito discordar da Alessandra quando ela diz ser aceitável o revide do Senna em Prost no Japão em 1990. Aquela atitude, assim como o do Prost em 89, por se tornarem aceitáveis permitiu a Formula 1 uma série de traquinagens que sempre foram exemplos da falta de ética e esportividade nas corridas de Formula 1 tendo como o seu maior e ilustre vigarista o Dick Alemão.
Fernando Marques
Niterói RJ
Alessandra, mais um “papo de velho” ou velho comentário: Seus textos são fantásticos. Parabéns!!