“A Fórmula 1 tornou-se uma categoria para meninas”, disse Gerhard Berger depois de pilotar o RBR de Vettel. Não era assim nos anos 80.
“A Fórmula 1 tornou-se uma categoria para meninas”, disse Gerhard Berger depois de pilotar o RBR de Sebastian Vettel.
Não sei exatamente o contexto em que ele disse isso – mesmo porque hoje se diz, se desdiz e depois se diz de novo e tudo bem – mas é difícil discordar do austríaco.
Até 87, Zeltweg disputava com Monza o título de pista mais veloz da F1. Pole nos dois GPs daquele ano, Nelson Piquet, com Williams Honda, cravou média de 256 km/h na pista austríaca e 250 km/h na italiana.
O autódromo segue sendo de alta – sábado, Felipe Massa atingiu 226 km/h de média na disputa da pole, a mais alta do ano, até o momento – mas há uma imensa diferença entre a pista de 87 e a de agora, além do nome: Spielberg tem áreas de escape de dimensões continentais; Zeltweg simplesmente não as tinha.
A curva Jochen Rindt, agora quebrada em duas, sua perna final sendo batizada como “da Vitória”, era provavelmente a curva mais veloz do calendário nos anos 80, feita em aceleração máxima, os carros saindo dela a bem mais de 300 km/h. Nem por isso, os proprietários de Zeltweg se deram ao trabalho de criar uma área de escape para ela, o guard rail sendo literalmente colado à pista, como vocês podem ver numa das fotos acima, de Gilles Villeneuve, tirada durante o GP de 1980. Desnecessário dizer que, no momento do click, o canadense certamente estava acelerando ao máximo o seu infeliz Ferrari 312T5 a não mais do que 10 centímetros do guard rail.
Não era coisa de menina tocar um F1 naquela época.
E a F1 é, de novo, refém de uma hegemonia tirânica.
Salva-nos, por enquanto, a reação de Nico Rosberg sobre Lewis Hamilton. Se a superioridade do inglês sobre o companheiro de equipe tivesse prevalecido nas últimas três provas, como tudo fazia crer que aconteceria, teríamos um domínio absoluto – piloto, carro e motor -, repetindo a sina da categoria. Em 65 temporadas, se contei certo, seria a 22ª vez que isso aconteceria, a primeira delas com Alberto Ascari e seu Ferrari, em 1952. Se juntarmos à conta hegemonias isoladas ou parcialmente combinadas de pilotos, carros e motores, veremos que em apenas doze das 65 temporada a F1 não foi dominada por uma hegemonia – ou seja, em apenas 18% dos casos tivemos um Mundial aberto. Quem quiser conhecer minhas contas com mais detalhes, clique aqui.
Conformei-me há muitos anos com esta realidade. Não a renego, é um fato da vida, independente da minha vontade, da vontade de qualquer um, inclusive Bernie Ecclestone. Digo mais: a categoria é o que é por força das hegemonias. Não acredito que a F1 chegaria onde chegou não fossem as hegemonias.
Tenho dificuldade em entender quem luta contra ela e fica, por exemplo, remexendo nos regulamentos em busca de algo que a história prova ser, na melhor das hipóteses, muito difícil de conseguir, tanto mais num período em que se fala à exaustão de controle dos gastos.
Se a questão principal era economizar, por que então a F1 embarcou na aventura dos motores híbridos, fascinante como desafio de engenharia mas extremamente cara? Por que se o resultado, no final das contas, de novo, foi o mesmo? Não seria melhor deixar as coisas como estavam?
Eu gosto muito, porém, deste ambiente de múltiplas incógnitas técnicas impostas pelo novo regulamento. Consumo de combustível, desempenho térmico e elétrico, peso, todas as implicações da eletrônica embarcada, num ambiente de competição extrema. Os departamentos de engenharia das grandes equipes vivem dias de glória.
Para os pilotos, porém, a época é de pesadelo: o novo regulamento os condenou a um papel ainda mais secundário.
Do que li nos últimos meses, concluo que a superioridade da equipe Mercedes se origina principalmente na qualidade e gestão dos motores elétricos que equipam seus carros e no sistema eletrônico de freios.
Um e outro sistema, porém, ainda não são 100% confiáveis, como se viu no Canadá e, em menor escala, na Áustria. Surpresas talvez aconteçam nas próximas corridas, o verão europeu podendo tornar mais agudas as dificuldades de refrigeração dos motores e baterias elétricas.
Felipe Massa luta bravamente para reencontrar algo que ele perdeu durante a temporada 2009.
Neste ano, ele dá mostras de ter dado passos importantes para se reaproximar do piloto que era até 2008. Parece-me óbvio que ele peca por superpilotar o carro, combinando excessos e baixa autoconfiança. É como se alguém ficasse soprando no ouvido do piloto todo o tempo “faça isso, faça aquilo, acelere mais, freie mais tarde”. Nestas condições, a pilotagem deixa de ser natural. É um caminho curto para os erros que, como temos visto, Massa comete em quantidade.
Não quero ser excessivamente rigoroso com ele em relação ao resultado do GP da Áustria mas é difícil não conceder a Massa responsabilidade pelo seu 4º lugar em oposição ao 3º de Valtteri Bottas.
É verdade que o pit stop de Massa foi mais lento do que o do companheiro (21s896 ante 21s133). Mas, quando se compara o tempo de ambos nas voltas de ingresso nos boxes, retorno à pista e volta subsequente, nota-se grande vantagem para Bottas: 1m18s259, 1m30s399, 1m14s318 enquanto Massa assinalou 1m18s985, 1m33s305, 1m14s640.
É difícil dizer a um piloto que está superpilotando o carro o que ele deve fazer a menos para chegar a resultados melhores. Creio que a prioridade é a recuperação da autoconfiança e a paz de espírito.
O bom momento da Williams – uma surpresa completa ao menos para mim – é atribuído ao um projeto inspirado do modelo 2014, um compromisso entre velocidade final, graças a opções aerodinâmicas que a RBR, por exemplo, preferiu não fazer, e soluções mecânicas que têm permitido a boa refrigeração do conjunto de motores e baterias.
Como a principal qualidade dos Williams é a velocidade máxima, espera-se bom desempenho em Spa e Monza e, talvez, Silverstone, Alemanha e Japão. Já a RBR pode destacar-se nos circuitos mais travados, como Hungaroring e Singapura.
Enquanto isso, a Ferrari vai se conformando em mais um ano nas sombras. O problema maior da equipe são motores que não entregam potência suficiente, como expôs cruamente Kimi Räikkönnen durante a corrida na Áustria.
Pelo que tenho lido em Autosprint, o problema é um turbocompressor pequeno demais, associado a um desenho exótico dos coletores de gases. Os engenheiros talvez tenham priorizado um power train mais compacto mas acabaram se defrontando com insanáveis contrapressões de gases no turbo.
Solução? Só no ano que vem pois, neste ano, o desenvolvimento dos motores está congelado.
Abraços
Eduardo Correa
7 Comments
Nesta notícia, publicada hoje, 30/6, algumas explicações sobre os problemas do motor Ferrari: http://autosprint.corrieredellosport.it/2014/06/30/ferrari-mistero-turbo/16741/
Roberto Moreno já me contou mais de uma vez que, durante um teste que fez para a Williams em Zeltweg, 1987, a força centrífuga era tanta na última curva, que o único jeito de tirar a mão do volante para cambiar era prendendo a respiração e dando um tapa rápido na alavanca.
A meu ver, a amputação dessa pista foi tão criminosa quanto a de Interlagos.
Concordo contigo Márcio!!
É, a F-1 virou coisa de meninas e se considerarmos a obsessão pelo peso dos condutores dos bólidos, talvez os pilotos sejam substituidos por modelos anoréxicas… Quanto ao Felipe Massa vc foi ao ponto : Muitos (Vênus Platinada da Tv em primeiro… e o Próprio Massa !!!)
se cansam de reclamar de 0,7s ou 1,1s a mais no Pit mas quase ninguém fala na volta de retorno a pista 3 segundos inteiros mais lenta. A consequência de tal letargia só pode ser despencar de P1 para P4. Sobre a obsessão de muitos em mudanças para tornar as coisas mais equilibradas, meu conselho é : Cuidado com aquilo que voce deseja !!!
Salvo algum engano, a F-1 é a única categoria de monopostos que não foi contaminada pela praga dos Spec Cars, ou seja o mesmo carro para todos e penso que se uma equipe têm muita vantagem sobre as outras a culpa pode não ser das regras, já que elas são iguais para todos, e sim das equipes adversárias que não fizeram tão bem a sua lição de casa. Quanto a reduzir os custos, isso só vai acontecer quando as equipes maiores simplesmente tiverem menores receitas, porque enquanto o dinheiro estiver entrando podem ter certeza que nem se for para gastar em um Motor-home maior nada vai ser economizado
Pois é Antônio, o dia em que a F1 se transformar em uma categoria Spec Car, eu particularmente irei parar de assistir, pois será a gota d` água.
Esta questão de gastos na Formula 1 sempre foi coisa apenas para ingles ler.
No mais estou de acordo com Berger. Ainda mais que a Formula 1 está cheia de choronas
Fernando Marques
Niterói RJ
É Edu, o Berger na minha opinião tem toda razão, e não é somente os carros, mas as pistas também, pois o traçado antigo da pista austríaca, neguinho tinha que ter coragem mesmo pra andar com o pé atolado no pedal da direita.
Com relação aos gastos, já que a F1 nos últimos anos meio que quis dar uma “copiada” na nascar, então deveria manter um F1 inteiro “mecânico”, como era até o fim dos anos 80.
Mas nós sabemos que isso não irá acontecer.
Abraço!
Mauro Santana
Curitiba-PR