Parada estratégica

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A F1 ficou cismada quando a Brabham levou uma máquina de reabastecimento para os seus boxes em Brands Hatch, antes do Grande Prêmio da Inglaterra de 1982. O pit-stop não era exatamente uma novidade nos Grandes Prêmios, mas desde a década de 1950 não acontecia de forma programada na F1. Afinal, por que fazer uma parada quando o tanque de combustível dos carros tinha capacidade suficiente para percorrer os 305 km regulamentares?  Tudo bem haver reabastecimentos em corridas de longa duração ou nas 500 Milhas de Indianápolis, mas numa prova de uma hora e meia não fazia sentido. Porém, Gordon Murray e Nelson Piquet não pensavam assim.

Numa conversa entre os dois, chegou-se a conclusão de que poderia ganhar tempo numa corrida largando com o tanque de combustível pela metade e pneus mais macios. A equipe Brabham preparou uma parada programada para Piquet, que disparou no começo da corrida na Inglaterra, mas quebrou antes de fazer sua parada. Na Áustria, algumas semanas mais tarde, novamente os dois Brabhams dispararam na frente, mas coube a Riccardo Patrese ser o primeiro piloto a realizar um pit-stop programado na F1 em mais de trinta anos, iniciando uma mudança significativa na estratégia das corridas de F1.

O pit-stop sempre existiu no automobilismo. Nos primeiros anos do século 20, quando as corridas eram realizadas entre cidades, os mecânicos dividiam o carro com os pilotos e não apenas trocavam pneus e faziam reabastecimento nos carros, mas até mesmo grandes reparos eram feitos na estrada, conforme necessário. Quando as corridas em circuito fechado se tornaram norma, os mecânicos deixaram de andar de carona nos carros e os reparos se tornaram mais planejados e rápidos, ainda que com a visão de hoje, a operação era bastante amadora.

Na mais famosa corrida de Juan Manuel Fangio, em Nürburgring em 1957, o seu pit-stop durou mais de 30s. Por muitos anos os pit-stops só aconteciam em corridas de F1 de forma eventual e não raro uma equipe passava anos sem fazer um pit-stop. A chuva era a principal culpada de fazer um piloto visitar os boxes para trocar seus pneus. Na década de 1970, mecânicos desesperados corriam para cima dos carros com pistolas pneumáticas numa mão e o pneu novo na outra mão para fazer uma operação totalmente improvisada. Não havia treinamentos para os mecânicos e muito menos um procedimento para o momento do pit-stop.

Quando Jim Clark venceu as 500 Milhas de Indianápolis em 1965, Colin Chapman contratou mecânicos da Nascar para realizar as paradas perfeitas do escocês naquela tarde e foi nas corridas americanas que Gordon Murray e Nelson Piquet se inspiraram para realizar seu pit-stop programado mais de quinze anos depois. Mesmo com algum treinamento para os mecânicos, havia problemas a resolver, como a máquina de reabastecimento muitas vezes demorando a injetar combustível no carro, além do superaquecimento do motor que ocorria com o carro parado e sem o arrefecimento necessário. Logo após sua parada em Zeltweg, Patrese teve o motor quebrado por superaquecimento e abandonou. Quando a temporada de 1983 estava a se iniciar, a Brabham projetou seu carro pensando nos reabastecimentos e como pioneira da novidade, se destacou no pelotão, ganhando um tempo precioso nas táticas das corridas.

Outras equipes agiram rápido e ainda em 1983 todos os times grandes faziam pit-stops programados. Contudo, houve críticas com a periculosidade da operação de reabastecimento. Em Jacarepaguá, um pequeno incêndio no pit-stop de Keke Rosberg poderia ter ocasionado uma tragédia. Niki Lauda, por motivos óbvios, era um crítico ferrenho do reabastecimento e no final de 1983 ele foi proibido na F1. Porém, os pit-stop retornaram para ficar na F1.

Se não podia reabastecer, poderia se trocar pneus e isso seria uma cartada estratégica para pilotos e equipes para o resto da década. Goodyear, Michelin e Pirelli fabricavam vários tipos de compostos, onde os pilotos poderiam escolher um pneu mais duro e terminar a corrida sem parar ou um pneu mais mole e fazer uma ou duas paradas. Tentando apimentar as corridas, o reabastecimento retornou em 1994 e, inevitavelmente, as equipes começaram a procurar maneiras de acelerar suas paradas. Nessa pressa houve o incidente do Grande Prêmio da Alemanha de 1994, quando o Benneton de Jos Verstappen explodiu em chamas depois que foi retirado um filtro da mangueira de combustível, para bombear combustível mais rápido, e o carro foi pulverizado de gasolina.

Nesse mesmo ano a Benetton percebeu que a novidade do reabastecimento poderia ser um fator estratégico fundamental. Além de poder usar pneus de composto mais macio, o carro poderia ficar bem leve durante algumas voltas, ganhando tempo na pista, mesmo parando mais vezes do que os rivais para reabastecer e colocar pneus novos. Ross Brawn usou essa tática inúmeras vezes naquele ano, usando a velocidade exuberante de Michael Schumacher e sua Benetton no limiar do regulamento para obter vantagem. As corridas de F1 passaram a ter no pit-stop uma ferramenta tática fundamental para a vitória ou a derrota.

No começo dos anos 2000 os carros da F1 evoluíram de tal forma no setor aerodinâmico que realizar uma ultrapassagem na pista se tornou uma operação muito difícil, fazendo dos pit-stops ainda mais importantes. Surgiam as ‘ultrapassagens nos boxes’. A dupla Brawn-Schumacher ainda era a mais afinada em termos estratégicos, proporcionando grandes exibições, como no Grande Prêmio da Hungria de 1998 e no Grande Prêmio da França de 2004. Todos os sete títulos de Michael Schumacher ocorreram na nova era do reabastecimento.

O reabastecimento foi abolido no final de 2009, mas os pit-stops continuam sendo essenciais nas táticas de equipes e pilotos para vencer uma corrida. A Fórmula 1 sempre foi um jogo em que milésimos de segundo faz diferença e com uma vantagem a ser conquistada, as paradas nos boxes tornaram-se ainda mais rápidas do que nos tempos do reabastecimento.

Voltando a Nürburgring 1957, quando Fangio parou nos boxes da Maserati, o argentino saiu do carro e foi beber água, enquanto os mecânicos martelavam os cubos de roda para efetuar a troca de pneus. Com mais tecnologia e treinamento, Nelson Piquet realizou o seu pit-stop em Kyalami/1983 em espantosos 9,2s, o que foi fundamental para o seu título naquele ano. A Ferrari levantou sobrancelhas quando trocou os quatro pneus do seu carro em 4s no início da década de 1990. Hoje, 4s é considerado um pit-stop ruim, com as equipes realizando paradas em média entre 2 e 3s. A Red Bull tem o recorde de 1,88s, durante o Grande Prêmio da Alemanha de 2019.

Mecânicos recebem um treinamento de atleta para efetuar sua tarefa sem erros. Mais de vinte pessoas, inclusive o piloto, realizam todo o processo de forma coordenada e que foi programada para ganhar o tempo que for possível, mas que pode fazer a diferença.

Em sessenta anos, o pit-stop na F1 passou de uma operação de 30s, onde se tinha tempo para beber água e conversa com o chefe de equipe, para uma operação que dura um pouco do que um piscar de olhos.

Tomara que essa parada estratégica que o mundo se propôs por causa do Covid-19 dure o mesmo que os pit-stops modernos. Pouco mais do que um piscar de olhos.

Se cuidem!

João Carlos Viana

 

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

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