“PELAS LENTES DO MIGUEL”

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PELAS LENTES DO MIGUEL

Dificilmente variava. Perto do meio-dia, quando eu saía do prédio da Avenida Paulista que abriga, entre outras coisas, a Faculdade Cásper Líbero, onde eu cursava jornalismo, eu sempre dava uma passada na banca de jornais que ficava (fica até hoje) a poucos metros de distância. Ali, procurava as novidades e dava uma folheada nas revistas estrangeiras de automobilismo, caríssimas para meu padrão de vida da época.

Era o ano de 1987, meu primeiro na faculdade. Em um desses dias, vi na banca uma revista de automobilismo chamada Podium. Nacional, e baratinha. Comprei-a e, apesar de a maior parte das páginas ser impressa em preto e branco, havia um miolo colorido com fotos maravilhosas. Algumas delas eram assinadas por um fotógrafo de quem eu nunca havia ouvido falar: Miguel Costa Jr.

Três anos mais tarde, passei a escrever na tal revista. Mais dois meses e ela fechou. Fiz quatro edições, que saíram após os GPs do Brasil, San Marino e Mônaco daquele ano. E conheci pessoalmente o tal Miguel Costa Júnior.

Trabalhamos juntos em algumas coberturas, encontramo-nos pelos boxes de autódromos mundo afora em incontáveis oportunidades e, claro, algumas vezes nos encontramos fora do ambiente de corridas – apenas para falar sobre elas. Posso dizer que muito do que sei sobre corridas foi aprendido com o Miguel e com outros fotógrafos.

Desde que comecei a trabalhar como jornalista de corridas, em 1988, conheci muitos fotógrafos excelentes. Entre os que se dedicam especificamente a fotografar automobilismo, o Miguel é certamente um dos mais talentosos – não do Brasil, mas do mundo. Apaixonado por corridas, Miguel é daqueles que ainda menino comprava todas as revistas e livros de automobilismo que apareciam pela frente. Muito do meu arquivo pessoal, aliás, tem a colaboração valiosa dele. A certa altura, começou faltar espaço e Miguel resolveu doar algumas de suas relíquias para alguém que gostasse tanto delas quanto ele próprio. Sou extremamente grato a ele por ter me presenteado com, entre outras coisas, uma coleção quase completa da excelente revista Grand Prix International, que existiu entre 1979 e 1986 – época em que rarissimamente eu tinha dinheiro para comprá-las.

Em dezembro, o Edu perguntou o que eu achava de convidar o Miguel para atuar como colunista do GPtotal, para mostrar suas fotos e as histórias existentes por trás delas. Achei excelente, pois até hoje o Miguel viaja regularmente para cobrir corridas de todos os tipos: F 1, Le Mans, Indy, motos, o que aparecer. Para nossa felicidade, o Miguel aceitou. E sua primeira contribuição está aí embaixo. A coluna de hoje é só um aperitivo: as próximas terão mais histórias, que vocês vão conhecer pelas lentes do Miguel.

Bem-vindo ao GPtotal, Miguel. (Luiz Alberto Pandini)


“HAY HIELO…”

Chovia muito. Como chovia… O dia inteiro literalmente debaixo de chuva: foi assim que passamos por aquele sábado durante os treinos e a classificação para o GP da Argentina de 1995. Aliás, nos dois dias anteriores também aconteceram treinos, e quase todos debaixo de chuva.

Fotografei situações muito especiais. Na saída da chicane, na parte de trás da reta das arquibancadas do Autódromo de Buenos Aires, dava para notar quem realmente vinha fazendo o trecho com a faca na boca e a água pela testa. A foto mostra Gerhard

Berger com sua Ferrari, levantando para nós o seu spray, visual especial de uma dia molhado. clique aqui

O que aconteceu após esses momentos de adrenalina bem umidecida é que nos fez pensar o que estávamos fazendo ali. Terminada mais uma jornada de trabalho, já no final da tarde, Luiz Alberto Pandini (na época editor da revista Grid, para a qual eu estava fazendo aquela cobertura), Wagner Gonzalez (agência Beepress, correspondente da Grid na Europa), José Emilio Aguiar (na época, Agência Estado) e este que vos escreve resolveram tentar sair do autódromo e retornar aos respectivos hotéis. Todos estavam sonhando com um belo banho quente, mas ao tentar passar pelo estreito túnel que cruzava a reta dos boxes e levava para a frente do autódromo (uma passagem apenas para pedestres) viram que sair por ali
seria impossível. O lugar estava entupido de gente: a avenida em frente ao autódromo havia alagado. O túnel parecia congestionamento na hora do rush: ninguém conseguia andar.

Todos nós voltamos. Decidimos tentar sair pela passagem de automóveis, que ficava a alguma distância dos boxes. Mal sabíamos que, ao tentar passar por esse túnel, iríamos nos deparar com uma verdadeira enchente. Entramos no tal túnel e, ao chegar à saída, descobrimos que estava caindo um pé d’água como poucas vezes havíamos visto.

Ficamos ali durante alguns minutos. O lugar era estreito, com um pé direito relativamente baixo, cheio de água e de… morcegos. Eu estava cansado, molhado e carregando 15 quilos de equipamento (um deles era uma teleobjetiva de 800 mm, emprestada pela Editora Azul, que eu comecei a chamar de “tuba” e, depois de chegar a Buenos Aires, de “la tuba”). Os meus caros colegas não estavam em situação mais confortável. Para piorar, a chuva levava ainda mais água para dentro do túnel. Daí, o Zé Emilio olhou para nós e disse: “Tô fora, vou voltar para a sala de imprensa e esperar mais”. Beegola (Wagner Gonzales) arriscou, saiu correndo e gritou: “Vou para a avenida (alagada, lembrem-se) tentar conseguir um táxi para nós”.

Sobramos eu e o Panda dentro do túnel. A chuva lá fora continuava, a água ia subindo e os morcegos emitiam sons cada vez mais altos… Tínhamos que sair dali de qualquer jeito, e decidimos pedir carona para os veículos que passavam pelo túnel (poucos, porque com as avenidas alagadas não havia muita gente disposta a sair de carro do autódromo). Devem ter passado uns quatro e nenhum deu bola para nós.

Foi quando apareceu vindo dos boxes uma van de carga. Pedimos carona, o argentino parou e fez sinal para irmos para a parte de trás, enquanto destravava a porta. Ao mesmo tempo, disse:

– Hay hielo…

Olhamos um para o outro e dissemos “vamos”. Quando o motorista abriu a porta lateral, caiu a ficha: era uma van frigorífica! E assim conquistamos nosso brilhante espaço: ensopados, carregando peso e dentro de uma ‘geladeira’ cheia de gelo, com 10 graus abaixo de zero…

Deve ter durado bem pouco, mas naquelas condições a carona pareceu inacreditavelmente longa. Apesar de tudo, eu e o Panda estávamos dando gargalhadas daquela situação surreal. Chegando à rua, vimos um caos parecido com o que acomete São Paulo em suas enchentes. Pensamos que havíamos perdido de vez o contato com o Beegola (telefone celular ainda era objeto de luxo naquela época) e ficamos pensando que a volta ao hotel seria um inferno, mas não demorou dois minutos para ouvirmos nossos nomes. Era o Beegola a bordo de um táxi.

Conseguimos chegar a um local próximo de nossos hotéis (o meu e o outro onde estavam o Beegola e o Panda). Estávamos cansados, sujos, ensopados, mas com fome e muita vontade de conversar, relaxar e dar risada. Entramos em uma churrascaria chamada Las Nazareñas e conseguimos tudo isso saboreando ótimas carnes e vinhos.
(Miguel Costa Jr.)

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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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