Pilotos e motoristas

“BOLEIROS?”
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POR ONDE ANDA… (De Kenny Acheson a Luciano Burti)
27/11/2003

Panda

“I am a racer not a driver”.

A frase, de Stirling Moss, dispensa tradução e serve para explicar porque ele e outros pilotos da mesma estirpe não prestaram/prestam grande atenção a corridas como as 24 Horas de Le Mans.

Basta conferir a lista de vencedores da prova mais importante da categoria Sport-Protótipos (temos uma em nosso especial sobre Le Mans) e comparar com a dos grandes campeões da Fórmula 1. Nas duas listas encontraremos apenas os nomes de Tazio Nuvolari (vencedor em Le Mans 33), Jochen Rindt (64) e Graham Hill (72). No mais, veremos uma profusão de nomes desconhecidos do grande público (Frank Biela e Manuel Reuters, por exemplo) ou de pilotos de pouco ou nenhum sucesso na Fórmula 1 (Emanuele Pirro e Yannick Dalmas, entre outros). Ou dizendo a mesma coisa de outro jeito: você não encontra na lista dos vencedores em Le Mans os nomes de Fangio, Ascari, Moss, Brabham, Clark, Stewart, Emerson, Piquet, Lauda, Prost, Mansell, Senna, Hakkinen e Schumacher. Os seis últimos sequer chegaram a participar de uma 24 Horas.

É que quem disputa e vence provas da Fórmula 1 tende a achar que todas as demais categorias são expressão menos importante do automobilismo seja porque não exigem o máximo do piloto seja porque carecem de potência/ velocidade final.

Voltemos a Moss: ele justifica a sua frase (que li na edição de outubro de Motor Sport) explicando que para preservar seus carros e faze-los durar 24 horas, as equipes limitam o número de giros dos motores e impedem que seus pilotos pisem tudo o que o carro pode render.

Trata-se de uma decisão natural, inteligente, enquadrada na regra da corrida. Mas isso não é o bastante para um verdadeiro piloto, alguém que quer andar mais rápido do que o carro e a pista permitem. É aí que entra a diferença entre o piloto e o motorista. Para Moss e outros superdotados do automobilismo, Le Mans e outras corridas acabam sendo apenas um passeio algo maçante na medida em que não têm autorização da equipe para pisar até o fundo e arrancar do carro aquele algo mais que os diferencia dos pilotos mortais.

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E isso vale inclusive para explicar porque a grande maioria dos corredores da Fórmula 1 não valoriza as corridas de Fórmula Indy/IRL/Cart.

É verdade que nos ovais os carros americanos atingem médias muito superiores aos da Fórmula 1 mas não há termos de comparação em torno da dificuldade em ser rápido num oval e num circuito misto, onde os carros americanos são muito mais lentos que os europeus – vide os tempos de volta da Cart em Montreal.

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Mas também ninguém está dizendo que só quem vence na Fórmula 1 merece respeito.

Le Mans, as 500 Milhas de Indianápolis, as provas de rallye etc. apenas que não são provas onde se exige o máximo do piloto e do carro.

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Intrigado pela legenda de uma foto que vi na mesma Motor Sport, que informava que em 1970, em Spa, os Porsche 917, monstros sagrados da categoria Sport-Protótipos, haviam baixado o tempo da pole da Fórmula 1 em 11 segundos, fui pesquisar o assunto.

De fato, o 917 de Siffert/Bell assinalou a pole para os 1000 Km da Bélgica de 71 com 3m16 enquanto que, no ano anterior, Jackie Stewart marcou apenas 3m28s, com seu March. Três notas: a) não houve GP da Bélgica em 71, b) não encontrei dados da corrida de Sport-Protótipos de 70 e c) estamos falando do velho Spa, de mais de 14 km de extensão, que fazia o circuito atual parecer um parque de diversão de pré-primário (use a nossa ferramenta de busca para saber mais sobre este extraordinário circuito).

Ok: então há um furo no raciocínio que abre esta coluna.

Não há não. Ainda que não tenha pesquisado muito, creio que este foi um dos raríssimos casos em que os Sport-Protótipos foram mais rápidos do que os Fórmula 1.

Talvez o temporal dos Porsche possa ser explicado pelo fato de serem carros de cinco litros ante três dos Fórmula 1 mas mesmo em um circuito ultra rápido como Monza a diferença não se manteve.

Em 71, a pole dos 1000 Km de Monza (Elford e Larrousse com Porsche 917) ficou em 1m32s93. No GP da Itália, Chris Amon com Matra marcou a pole em 1m22s4.

Mais um exemplo? Pois não. Nurburgring 71: Jackie Stewart, de Tyrrell, marcou 7m19s para o GP da Alemanha enquanto que Ickx/Regazzoni, com o lindíssimo Ferrari 312 faturou a pole com sonolentos 7m36s1.

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Mais uma ou duas palavras sobre Moss, o maior ídolo de todos os tempos do automobilismo inglês a despeito de ter amargado quatro vice-campeonato e três terceiros em oito participações no Mundial de Pilotos.

Não faz muito tempo, ele foi escolhido por Motor Sport como o piloto mais versátil de todos os tempos, vencendo corridas nas mais diversas categorias, etc. e tal.

Na edição seguinte, um leitor escreve para a redação repicando: “Versátil? Ponham versátil nisso”, lembrando que Moss competiu e venceu diversas provas organizadas pela Associação Britânica de Corridas de Carrinhos Cortadores de Grama.

Vai gostar de correr assim lá longe…

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Durante as férias do Panda o esquema de atualização do GPTotal é o seguinte: às segundas-feiras escrevo eu, às quartas entra um Pergunte ao GPTotal bem caprichado e, às sextas, revezam-se Luis Fernando Ramos, Tite e um especial preparado pelo nosso leitor Affonso Pazzini Jr. noticiando por onde andam pilotos do passado. A correspondência dos leitores será atualizada às terças e quintas-feiras.

Boa semana a todos

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

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