Panda
Juro que queria ter tocado neste assunto antes mas faltou oportunidade. Vimos no GP da Alemanha a estréia do novo traçado de Hockenheim. Nossos leitores, creio que sem exceções, desceram a ripa e me fizeram pensar: será que as pistas sempre mudam para pior?
Provavelmente sim porque as pistas são reformadas para se limitar ou eliminar completa as curvas de alta velocidade e está aí Interlagos que não nos deixa mentir. Numa só penada, perdeu as Curvas 1, 2 e Sol e, por que não? a 3.
Nossos leitores, que não são nada bobos, sabem que as curvas de alta velocidade são o momento máximo do automobilismo. 280 km/h ou mais. Pé embaixo, dentes trincados, as bolas saindo pela boca. A hora da verdade para pilotos, pneus e carros. A coragem, a destreza, a habilidade de comandar uma casquinha de noz em meio à fúria dos oceanos. Percorrer a Rascasse a 70 km/h? Minha avó o faria. Mas peça a ela para abordar a Curva do Sol no velho Interlagos ou a Woodcote no velho Silverstone em 5a, pé embaixo, a traseira querendo passar por cima do guard-rail. Isso é automobilismo…
Hoje, se você quiser ver curvas de alta, arrume um vídeo dos anos 70 ou menos. A Federação Internacional de Automobilismo não quer saber de riscos.
Já disse aqui que a Fia acredita que a segurança dos pilotos é inversamente proporcional ao nível de aderência dos pneus: quanto maior a aderência, maior a violência dos acidentes. Por isso, impôs os sulcos aos pneus usados hoje em dia.
Não entendeu o raciocínio das autoridades? Não o culpo. Ele é mesmo pouco claro. Mas pense no acidente que vitimou Senna. Ele percorria uma curva – ou uma reta torta, como disse Piquet – com aceleração plena, raspando os 300 km hora.
Se o Williams do brasileiro estivesse equipado com pneus menos aderentes, ele teria de aliviar um pouco o pé e, ao perder o controle do carro, talvez tivesse mais chances de controla-lo. Imagino que alguém tenha percebido que, estatisticamente, este era o padrão dos acidentes e que havia duas formas de reduzir as possibilidades de que ocorressem. Uma, era atacar os pneus; outra, era atacar as curvas velozes.
Ninguém em sã consciência pode criticar tal preocupação das autoridades. Pode-se argumentar que os caminhos para atingir tal fim são inadequados. Os sulcos nos pneus revelaram-se uma farsa e Max Mosley já disse em entrevista que se sentiu traído pelos técnicos que o aconselharam a investir nos sulcos. Já o ataque às curvas rápidas é um pouco mais difícil de acontecer porque exige investimentos pesadíssimos nas reformas dos autódromos.
Mas, aos poucos Mosley e Bernie Ecclestone vão atingindo o seu intento. Eles já mexeram com Interlagos, San Marino, Áustria, Nurburgring, Silverstone, Hockenheim e também com a Austrália, mudando a pista inteira. Malásia, Espanha, França, Hungria e Indy são pistas construídas já sob o império das curvas lentas. Mônaco e Canadá, por suas características, passaram ao largo das intervenções enquanto que Bélgica, Monza e Japão sobrevivem mais ou menos intactos.
Resumindo: Max e Bernie abateram 95% das curvas de alta velocidade. Considerando que Monza teve alterado nos últimos anos o traçado maravilhosamente rápido da Dupla de Lesmo, sobraram estoicamente a Eaux Rouge, de Spa e a primeira curva depois da largada – não sei o nome dela – em Suzuka, se não esqueci de nada.
Mas – veja só – o GP da Bélgica e a Eaux Rouge estão ameaçados de ter de ceder lugar para outro país por força da legislação anti-tabaco belga.
Mas será que é só a segurança que conta nesta blitz contra os autódromos? Como em tudo na Fórmula 1, as coisas não são tão simples assim.
Ao lado das questões de segurança, existem outros dois fatos que devem ser considerados. Primeiro: os dirigentes da Fórmula 1 não acreditam mais nos fundamentos que animavam o esporte até os anos 70, coisas como coragem, desafio, habilidade etc..
Hoje, há glamour, tecnologia, dinheiro a rodo. Para que arriscar-se? As pessoas virão aos autódromos, ligarão seus televisores e nos entregarão, contentes, o seu dinheiro sem que ninguém precise se arrebentar inteiro numa maldita curva veloz. É melhor fazer pistas mais lentas e, de preferência, curtas porque é bom para a TV. Quem é que teria paciência para esperar por sete minutos um carro passar à sua frente, como no velho Nurburgring?
Fato número dois: Bernie vigia com mão de ferro as receitas e lucros dos organizadores de corrida, seja porque quer sempre ficar com a maior parte dos lucros seja porque ele pode assumir a totalidade da organização da corrida, como acontece no Brasil, e aí assumir todos os lucros e não apenas a maior parte deles.
Arranjar encrencas com os organizadores, forçar reformas, criar dificuldades, tudo isso favorece Bernie na hora de vender facilidades, exigindo condições contratuais que vão sufocando os organizadores, até coloca-los de joelho. Bernie, beneplácito, dirá: ah! Você não pode mais atender aos meus desejos? Então deixa que eu organizo a prova para você e, claro, fico com todo o dinheiro… Ah! Não quer fazer negócio? Então vou procurar outro lugar para a corrida
Sim, meu caro Panda. As coisas nunca são o que parecem na Fórmula 1. Elas ficaram muito complicadas e qualquer possibilidade de inocência está perdida. Perdida para sempre…
Abraços
Eduardo Correa