QUEM É O MELHOR?

FALTOU POUCO…
30/01/2003
“Sr. Agostini, como vai sua senhora?”
02/02/2003

Mais um pouco de polêmica nesta eterna discussão sobre o melhor piloto de todos os tempos

Geraldo Tite Simões

Não tem coisa mais chata do que aquelas comparações absurdas para determinar qual o melhor piloto de todos os tempos: Fangio, Schumacher, Senna, Prost, Piquet, Clark, Brabham, Stewart, blá, blá, blá… Tem gente que perde tempo com estatísticas, voltas na liderança, pontos, imaginam dados para comparar campeonatos com mais de três décadas de distância. Acho tudo isso um saco porque, na verdade, só mesmo Senna e Prost se enfrentaram na mesma época, com carros iguais. O resto é só conjecturas. Mas eu acho uma tremenda injustiça com alguns gênios que passaram pelo automobilismo e nunca foram citados nesta lista.
Mas antes de entrar neste tema, vou pedir licença para falar de outro esporte. Isso mesmo, que tal atletismo? Imagine o que aconteceria com a imprensa mundial se aparecesse um atleta inscrito em duas modalidades olímpicas: natação e corrida em 100 metros rasos. São modalidades completamente diferentes, embora sejam esportes olímpicos. Agora pense como reagiria a mídia internacional se este atleta ganhasse medalha de ouro nas duas modalidades. Certamente seria tratado como um deus, sua foto estaria estampada em todas as primeiras páginas e receberia inúmeras homenagens.
Agora vamos voltar no tempo, nas décadas de 50 e 60, para falar de um piloto que venceu títulos mundiais em duas modalidades totalmente diferentes. Vamos falar de John Surtees, inglês, hoje com 68 anos (fará 69 em 11 de fevereiro de 2003), que garantiu um lugar no olimpo dos pilotos ao ser o único homem da história a conquistar sete títulos mundiais no motociclismo de velocidade e um título mundial na Fórmula 1. Tudo isso com apenas 30 anos de idade.
John Surtees correu nos anos extremanente competitivos das duas modalidades. No motociclismo competiu contra o multicampeão Giacomo Agostini, correndo com a italiana MV Agusta, uma espécie de Ferrari de duas rodas. Entre os anos de 1956 a 1960 venceu 38 corridas nas categorias 350 e 500 e foi sete vezes campeão mundial. Aquela façanha feita pelo americano Freddie Spencer, que venceu os mundiais em duas categorias (250 e 500cc), em 1983, e gerou uma festança enorme por parte da imprensa moderna, Surtees fez nos anos de 1958, 59 e 60, nas categorias 350 e 500cc. Acabava a corrida da categoria 350, subia numa 500 e corria de novo. E vencia. Imaginem se Valentino Rossi corresse nas categorias 250 e MotoGP e conquistasse os títulos nas duas categorias por três anos consecutivos. Haveria uma estátua de ouro, em tamanho natural, no centro de Tavullia, cidade natal do piloto. Agora, imagine se quatro anos depois o mesmo Valentino Rossi conquistasse o mundial de F-1, a bordo de uma… Ferrari! Desafio qualquer colega jornalista a classificar um piloto com um currículo destes sem utilizar adjetivos como: gênio, mago, semideus, etc.
Pois foi exatamente o que fez o fleumático John Surtees, numa época em que a mídia não era tão globalizada, as corridas de motos não eram transmitidas ao vivo para todo o planeta e os pilotos não festejavam suas vitórias com ecenações temáticas dentro da pista.
Depois de fazer isso, Surtees foi para o automobilismo. E entrou logo pela porta da frente, recebendo uma das três Ferrari da equipe. Venceu o mundial de 1964, à frente de nomes como Graham Hill e Jim Clark.
Quando falo de Surtees entre jornalistas especializados, geralmente ouço muxoxos do tipo: “é, mas ele tinha uma Ferrari”. Pergunto: e o Schumacher, tem o quê? Uma Minardi? Surtees venceu na pista dois campeões mundiais, Clark e Hill, enquanto Michael Schumacher venceu seu quinto título mundial com apenas um campeão mundial no grid, além dele próprio, que foi Jacques Villeneuve, pilotando uma combalida BAR. Êpa, olha eu aqui fazendo comparações em épocas diferentes…
Só quem passou pela experiência de pilotar carro e moto pode testemunhar o que significa dominar estas duas técnicas tão diferentes quanto natação e corrida a pé. Para exemplificar, vou usar a comparação mais simples. Imagine-se dentro do seu carro de passeio, rodando numa estrada cheia de curvas. Quando estiver fazendo uma curva, fique pulando no banco e chacoalhando para os lados. O carro vai continuar sua trajetória como se nada tivesse acontecido. Se estivesse numa moto, certamente você rolaria barranco abaixo.
Uma moto é pilotada pelo corpo todo. Um carro é pilotado por mãos e pés. Esta é a diferença mais elementar, mas existem outras. A frenagem da moto é completamente diferente da do carro, assim como a retomada de velocidade. Os carros não empinam nas acelerações, coisa que já acontecia com as motos nos anos 60. Carros têm quatro pontos de apoio, motos têm apenas dois e, às vezes, apenas um.
Existe uma legião de pilotos que iniciou sua carreira nas motos e passou para os carros. Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet, para citar dois brasileiros campeões; Damon Hill começou nas motos. Mas também existe uma galeria de tentativas fracassadas. Encabeçando a lista está o mesmo multicampeão Giacomo Agostini, que passou muito vagarosamente pela Fórmula 2 e desistiu de vez. O venezuelano Johnny Ceccoto também fez sua tentativa, chegando até a F-1, mas nunca convenceu ninguém e ainda teve a incrível falta de sorte de ter Ayrton Senna como colega de equipe na Toleman. Para encerrar de vez a carreira, deu um porrão, quebrou as duas pernas gravemente e foi correr de BMW no campeonato alemão de turismo.
Poderia citar vários pilotos de moto que migraram para os carros, como Mike Hailwood, conhecido como Mike, the Bike, que teve até boas atuações na Fórmula 2, nos anos 70. Depois foi correr na equipe do amigo John Surtees, num carro capenga que levava o nome do criador: o próprio Surtees. Depois de dois anos amargos, Hailwood caiu fora dos carros, voltou para as motos para vencer pela enésima vez o TT da Ilha de Man, a corrida de motovelocidade mais difícil e fatídica do mundo. Foi a expressão máxima desta corrida por mais de duas décadas, correndo com motos diferentes, contra pilotos de gerações distintas. E, ironia do destino, veio a falecer num acidente de carro na estrada, já aposentado.
Hoje posso dar uma notícia que era segredo até dezembro de 2002. Nosso Rubens Barrichello sempre foi vidrado em motos. Teve uma Suzuki GSX-R 1100 e atualmente tem uma V-Max, mas nunca tinha vivido a sensação de pilotar na pista. Até que Alexandre Barros fez o convite no final de 2001, depois das temporadas de F1 e Motovelocidade. Rubens aceitou e pilotou uma duas 600 da categoria Supersport. Prefiro não citar nomes dos envolvidos, a pedido do próprio Rubens, mas eu estava lá e cronometrei algumas voltas. Barrichello virou na casa de 1min56s, o que pode ser considerado muito bom para uma primeira experiência em motos, mas ficou a 12 segundos dos ponteiros da categoria.
Em 2002 Rubens repetiu a experiência, desta vez com a TV Globo dando cobertura. Foi mais lento porque não queria se expor a um acidente e perder um contrato de meia dúzia de milhões de dólares para correr de Ferrari. Ou seja, guardadas as devidas proporções, Rubens Barrichello é um piloto de moto medíocre.
Mas e o Alexandre? Nas poucas vezes que vi ele correndo de kart junto com Barrichello, nas provas longas da Granja Viana, ele não ficou a mais de 1,5 segundo do tempo de Rubinho. Digo mais: se eles pilotarem um F-3, correspondente a uma 600 Supersport, no mesmo dia, eu corto minhas bolas como Alexandre não fica a mais de 3 segundos de Barrichello.
É por tudo isso que admiro John Surtees e acho que ele merecia uma estátua no centro de Londres. Ser rápido e campeão mundial em modalidades tão diferentes é para poucos mortais. E chega de idolatrar quem sabe fazer apenas uma coisa na vida.

* Geraldo Tite Simões, jornalista, passa a ter a partir de 28 de janeiro de 2003 uma coluna quinzenal sobre motociclismo esportivo no GPtotal. Tite correu de kart nos anos 70 e disputou várias corridas de motovelocidade. Em 1999, foi vice-campeão brasileiro da categoria 125 Especial, disputada com motos idênticas às que disputam o Campeonato Mundial para motos com motor de 125 cm³. No ano seguinte, fez um curso de aperfeiçoamento de pilotagem nos Estados Unidos, tendo como instrutor o norte-americano Freddie Spencer, três vezes campeão mundial. Atualmente, atua como free-lancer, colaborando para diversas publicações, e mantém o curso de pilotagem de motos SpeedMaster (www.speedmaster.com.br) em Interlagos.

GPTotal
GPTotal
A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *