Reflexões ao fim do 1º stint

Sebastian Vettel e seu lugar na História
04/08/2022
Salute, Campari!
11/08/2022

Com a Fórmula 1 em meio às suas férias de verão, e a MotoGP recém-retornada às suas atividades normais, este parece um bom momento para que teçamos breves avaliações a respeito dos rumos que vêm tomando as respectivas temporadas, bem como das consequências visíveis de algumas notícias importantes que tivemos recentemente.

Começando pela Fórmula 1, a temporada 2022 parece reservar algumas semelhanças com o que vimos acontecer em 1979. Na esteira do surgimento de um novo conceito construtivo, com amplo espaço para aprendizados e experimentações, uma equipe – à época a Ligier, atualmente a Ferrari –iniciou a campanha com desempenhos dominadores, dando a impressão de que o título seria uma formalidade. Muito rapidamente, contudo, a verdade se estabeleceu em meio a grande instabilidade e muitas alternâncias na hierarquia de desempenhos.

De fato, superadas 13 das 22 etapas previstas para este ano, resta a impressão de que o bom desempenho da Ferrari foi muito mais tributário do tempo extra de que dispôs para desenvolver o novo projeto – quando comparada a Red Bull e Mercedes, que tiveram de concentrar esforços nos modelos de 2021 até o término da temporada passada – do que propriamente por estar em condições de entregar sistematicamente equipamento, ambiente e serviços em patamares elevados o bastante para sustentar uma campanha sólida pelos títulos de pilotos e construtores em calendário tão longo.

De modo muito especial, a tensão e a fragilidade emocional da equipe têm sido expostas através de posturas quase sempre reativas, tensas, suscetíveis demais a interferências de outros times mais acostumados a vencer. Vezes sem fim vimos os carros vermelhos – sobretudo pelas mãos de Charles Leclerc – sendo dominadores em treinos de classificação, apenas para se revelarem alvos fáceis no decorrer das corridas, em dinâmica muito parecida à que se estabeleceu, em maior escala, na própria tabela de pontuação.

A esse respeito, correndo sempre o risco de me repetir, sigo lamentando a influência excessiva do DRS e a obrigatoriedade de que sejam utilizados dois compostos distintos de pneus, que seguramente nos roubaram disputas intensas entre os dois maiores pontuadores até aqui. Afinal, o que temos este ano é cenário que se tornou raro demais ao longo das últimas décadas: sem que seja necessário apelar a artificialismos um conjunto tem se revelado mais forte em treinos, e outro tem se sobressaído em corridas. Ora, parece evidente que se Verstappen tivesse de superar Leclerc em pista, sem auxílio de asa móvel, corrida após corrida, estaríamos todos assistindo a um campeonato muito mais tenso e imprevisível.

No cenário atual, contudo, a Red Bull já tem bons motivos para ver na Mercedes, e não mais na Ferrari, sua principal adversária. Parece claro que os alemães identificaram pontos frágeis em seu carro, bem como sabiam o que estavam fazendo quando lideraram a pressão que resultou nas medidas de combate ao porpoising. A conhecida capacidade de desenvolvimento do time, bem como o reforço representado pela presença de George Russell, fazem crer que vitórias não devem ser descartadas nas nove provas que restam.

As regras que vêm desperdiçando boas disputas acabam concorrendo, também, para a manutenção desta lamentável tendência à concentração de números em torno de um único conjunto dominante.

Levando ainda em consideração que o desenvolvimento da Red Bull vem afastando o carro das características que tão bem haviam casado com o estilo de Sérgio Pérez no início da temporada, o que temos visto é Max Verstappen enfileirar vitórias com a mesma regularidade com que Hamilton, Vettel e Schumacher fizeram antes dele.

Parece evidente – sem qualquer demérito aos pilotos citados – que o número de vitórias, bem como muitas outras estatísticas de caráter absoluto, há muito deixou de ser critério justo de comparação histórica entre os volantes do presente e do passado. É bem possível, por exemplo, que Max já encerre a atual temporada figurando entre os seis maiores vencedores na história da categoria.

Falamos em Vettel, e, dado o recente anúncio de sua aposentadoria, é justo que lhe dediquemos aqui um punhado de palavras.

De imediato, só posso manifestar meu respeito pela dignidade de sua decisão, tanto mais pelas razões que a subsidiaram. De igual modo, registro meu respeito pela grandiosidade de sua carreira, e pela evolução de sua personalidade, a qual descreveu arco inverso ao desempenho entregue em pista e ganhou grande envergadura com o passar dos anos.

Certamente o piloto mais consciente a respeito de sua própria condição e possivelmente o menos afetado por tudo o que cerca alguém com seu currículo, sua fama e sua conta bancária, Vettel há tempos demonstra respeito e conhecimento tristemente incomuns entre seus pares quanto à história do esporte que tudo lhe proporcionou, e à qual ele próprio tanto acrescentou.

É fato que com o passar dos anos – a exemplo do que se poderia dizer a respeito de Jorge Lorenzo, na MotoGP – Vettel demonstrou possuir uma janela de desempenho estreita, dependendo excessivamente de condições específicas para que pudesse dar vazão a todo o seu talento natural. De modo muito específico, a introdução da chamada era híbrida alterou decisivamente o comportamento do carro em desacelerações, roubando do tetracampeão aquela que provavelmente terá sido sua maior virtude: a sensibilidade com que administrava as transferências de peso através dos comandos de pedais e, em menor grau, também do volante. Com efeito, passados tantos anos desde o ápice de sua pilotagem, parece oportuno enfatizar o quão bom ele foi entre 2007 e 2013, incluindo aí atuações de enorme qualidade sob chuva, bem como um longo rol de ultrapassagens em momentos decisivos, sobretudo na sequência de trocas de pneus, quando ficar limitado por conjuntos mais lentos poderia comprometer por completo suas estratégias de corrida.

Dentro e fora das pistas, Sebastian acumulou episódios que o credenciam como expoente e patrimônio histórico da principal categoria do esporte a motor em todo o mundo.

Não bastasse o vazio deixado pela ausência de personagem de tamanha estatura, a anunciada aposentadoria de Vettel também acendeu o estopim para uma silly season não apenas precoce, mas pródiga em reviravoltas, momentos constrangedores, climões, desmentidos e informações publicadas antes de terem sido comunicadas a superiores hierárquicos ou pessoas diretamente afetadas.

Na esteira da saída de Vettel, Fernando Alonso rapidamente foi anunciado como futuro piloto da Aston Martin em contrato plurianual, surpreendendo a própria cúpula da Alpine, que desejava mantê-lo por apenas mais um ano. E as coisas não param por aí, posto que o anúncio da saída de Alonso se deu no dia 1º de agosto, um dia(!) após expirar o prazo contratual para que a Alpine pudesse exercer a opção de alinhar um de seus carros para o festejado australiano Oscar Piastri, cuja carreira é administrada por Mark Webber. Coincidentemente ou não, um amigo de Alonso.

Anunciado no mesmo dia como piloto titular da Alpine para 2023, Piastri horas depois emitiu comunicado negando a informação divulgada pelos franceses, e aí sim, como diria Zagallo, fomos surpreendidos novamente. Ao que tudo indica, Piastri deve ser anunciado em breve como futuro piloto titular da McLaren, mas o que mais chama atenção neste folhetim bufo é a forma tumultuada como está se dando a entrada deste jovem talento na categoria, desgastando-se de antemão com ao menos uma das equipes mais importantes do grid de largada.

Algo mais sobre a F1?

Ah, sim… A Red Bull anunciou a prorrogação de seu acordo de cooperação técnica com a Honda até 2025, data a partir da qual passará a contar com o nada desprezível suporte da Porsche, em vínculo societário.

Considerando o tempo de maturação do projeto junto a Stuttgart e o fato de que a motorização sempre foi o calcanhar de Aquiles da equipe, resta admitir que temos aí um time que pode até ter começado de forma um tanto aventureira e essencialmente publicitária, mas que evoluiu para se tornar uma das equipes mais profissionais e sérias do grid e – porque não? – da era moderna da categoria.

Quanto à Honda, salvo mudanças que possam ocorrer em cenários econômicos vindouros, parece notória sua intenção de voltar a empurrar alguma equipe competitiva no pináculo do esporte nos próximos anos. Não devemos nos surpreender se houver notícias nessa linha no futuro próximo.

Para quem também curte a velocidade sobre duas rodas, o momento igualmente merece atenção especial.

Como já repetimos algumas vezes, a categoria rainha da motovelocidade vive momento especialíssimo no que diz respeito a seus conjuntos mecânicos, usufruindo da rara união entre desempenhos muito próximos e ainda assim comportamentos dinâmicos e personalidades bastante distintas. Um cenário bem próximo do que poderia ser considerado ideal, portanto.

No terreno dos pilotos, por sua vez, o gigantesco vácuo deixado pela ausência de titãs como Valentino Rossi ou Marc Márquez aos poucos começa a ser preenchido por uma nova safra de top riders decididamente liderados pelo atual campeão Fabio Quartararo, que, é preciso que se diga, na atual temporada vem concretizando uma campanha de primeira grandeza.

A despeito das diferenças pequenas de desempenho, é notória a inferioridade da Yamaha a, pelo menos, Ducatis, Suzukis e Aprilias, sendo seguro afirmar que o atual campeão e líder do mundial compete contra, no mínimo, 10 pilotos mais bem equipados do que ele, se considerarmos o que seria um traçado médio para as pistas que integram o campeonato. Em muitas ocasiões o cenário se revela ainda pior, e ainda assim, sem formar o conjunto mais rápido do ano, o campeão vem se impondo pela qualidade e solidez de sua condução.

É necessário observar que estamos numa era em que, a despeito de toda a tecnologia embarcada, as motos têm levado muita gente boa ao chão. Dosar o nível certo de ataque, sem ultrapassar os limites aceitos por borracha e asfalto, tem se revelado um desafio à altura dos melhores pilotos do mundo, proporcionando a plataforma necessária para que o brilhantismo possa ser devidamente premiado.

Portanto, fica a dica: para quem ama esporte a motor de excelência, o momento atual da MotoGP é compromisso obrigatório.

Para nós, há ainda o atrativo extra de podermos acompanhar o início da trajetória desse jovem de enorme talento chamado Diogo Moreira, que em Silverstone conquistou a dificílima pole position para a Moto 3.

Aos menos iniciados, estamos falando aqui de uma categoria com mais de 30 jovens de altíssimo nível e ainda não devidamente lapidados, se lançando a curvas com muito mais coragem e irresponsabilidade do que juízo, ao guidão de motos virtualmente idênticas, ou ao menos muito parecidas, no que diz respeito ao desempenho que entregam.

A amostragem ainda é curta, mas é seguro afirmar que Diogo é o maior talento revelado pela motovelocidade nacional desde o grande Alexandre Barros.

Forte abraço a todos, e tenham uma ótima semana.

Márcio

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

1 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Marcio,

    muito interessante a sua análise a respeito do que estamos vendo nessa temporada na Formula 1. Não resta duvidas que unto Verstappen/RBR está praticamente imbativel, ainda mais face aos inumeros erros cometido tanto pela Ferrari quanto o Leclerck nas corridas. E que vem prejudicando o conjunto que me parece muito bom e poderia perfeitamente estar dando muito mais trabalho ao Verstappen.

    Quanto ao Vettel, faço apenas um adendo a tudo o que voce disse e que concordo sobre ele na coluna … A passagem de Vettel pela Ferrari, tecnicamente falando (financeiramente não) foi a pior coisa que poderia ter acontecido a ele na sua carreira … penso que ele foi destratado na equipe,como se fosse ele apenas o culpado por não ter levado a conquistas de titulos. Vettel merecia mais respeito por parte da Ferrari, principalmente nas duas ultimas temporadas pela equipe … acho que aí ele se desmotivou por completo, que ele pensou que poderia ter de novo na Austin Martin e na verdade não conseguiu.

    Quanto a Moto GP, incrivel que me esqueci que as férias dele tinha terminado neste fim de semana que passou. Fabio Quartararo vem liderando o campeonato com maestria, e fico aqui na torcida para que o conjunto Bagnaia/Ducatti acertem o prumo e botem lenha na fogueira e faça o campeonato e carridas ficarem ainda melhores.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *