Rubinho e seus problemas

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Panda

Será que a Ferrari quer mesmo se livrar de Rubinho?

A já famosa reportagem de Autosprint que colocava a prêmio a cabeça do brazuca é, de fato, uma belíssima peça de fritura, para político brasileiro nenhum botar defeito.

Começa contando uma típica fofoquinha de box, a de que nosso garoto deu showzinho no GP da Áustria ao saber que Schumacher tinha ganho uma viseira com resistência elétrica anti-embaçante e ele não. Teria dito, entre outras malcriações: “por que todas as novidades são sempre para ele?”.

A seguir, Autosprint procura explicar a inadaptação do brasileiro ao novo Ferrari, um carro bom mas sujeito a variações imprevisíveis de comportamento consoante a temperatura da pista e o estado dos pneus, mais ou menos como ocorria com o carro de 2001.

Schumacher tiraria de letra estas diferenças de comportamento mas não Rubinho que – estas conclusões são minhas – tem se sentido obrigado a fazer opções de acerto do carro diferentes das de Schumacher e que não têm dado bom resultado. Lembra-se de Rubinho prometendo surpresas de acerto e estratégia na Áustria?

Finalmente a revista italiana arrola como fonte de pressão a proximidade de Felipe Massa, que estaria impressionando a equipe pelo seu comportamento em pista e pela dedicação aos treinos e reuniões com os técnicos.

A partir daí, Autosprint começa a lembrar que Rubinho já conta 31 primaveras, que não é mais um jovenzinho, que ganha 4,5 milhões de euros por ano etc. Rubinho não foi ouvido pela revista. A menção a uma eventual ida dele para a Sauber é especialmente sutil (“nos corredores de Maranello, ouvem-se vozes sugerindo a ida de Rubinho para a Sauber”), da mesma forma que a sugestão de que poderia ser substituído por Massa.

Minha interpretação sobre o embrulho todo: primeiro problema, está pesando sobre Rubinho o fato de Schumacher estar lutando ponto a ponto pela liderança do campeonato.

Ainda que o desempenho de Rubinho não possa ser considerado de forma algum exemplar em 2003, ele acumula nesta altura mais pontos do que no ano passado. A questão é que ele não está conseguindo rouba-los a McLaren, tornando a disputa entre seu chefe e Kimi Raikonnen especialmente crua e, aqui entre nós, imprevisível, seja pelas eventuais qualidades do novo McLaren seja pela força dos pneus Michelin frente aos Bridgestone.

Segundo problema: me parece óbvio que a Ferrari quer reduzir um pouco o salário do brasileiro. O fato dele ter um contrato válido até o final de 2004 não quer dizer que tenha salário garantido. Como o dinheiro anda curto para todo mundo, inclusive para a Ferrari, derrubar estes 4,5 milhões de euros para 2 ou 3 milhões pode ser uma bom negócio, valendo até golpe baixo.

Resta juntar estes pedaços da história com algumas declarações algo enigmáticas de Rubinho, como as de que estaria com problemas decorrentes de uma preparação física excessiva e de que a sua temporada começaria para valer no Canadá.

Estaria ele esperando Schumacher tomar a ponta do campeonato para poder correr de forma mais livre? Mas quem o estaria impedindo de correr no momento?

Sejam quais forem a perguntas e respostas a estas e outras questões, os fantasmas que habitam a cabeça cada vez mais calva de Rubinho não ajudam em nada nestas horas.

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Para quem gosta de comparar F1 e IRL/Cart, Gil De Ferran atingiu 378 km/h de velocidade máxima no final da reta de largada de Indy, o trecho mais rápido do autódromo.

A velocidade máxima de um Fórmula 1, registrada em Monza dois ou três anos atrás, é de 362 km/h.

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É só deixar Adrian Newey um pouco mais à vontade que ele volta sempre à sua fixação: fazer carros menores do que seus pilotos.

Alex Wurz depois de testar o novíssimo McLaren MP4-18 em Paul Ricard, reclamou que tem de ficar com os joelhos quase na cara de tão apertado que é o carro.

Newey sempre projetou carros minúsculos e desconfortáveis. Na equipe March, em meados dos anos 80, ele obrigou Maurício Guglemin a fazer regime para entrar em um dos seus carro. Na Williams, ele teimou em encaixotar seus pilotos, obrigando-os a pilotar com volantes minúsculos totalmente embutidos dentro do cockpit.

Só que um certo Ayrton Senna chegou a equipe e exigiu um volante maior e mais conforto para as mãos. Depois de alguma discussão, os engenheiros deliberaram serrar a barra de direção do Williams e soldá-la novamente, recuando um pouco mais o volante.

E foi assim que começou a se desenhar a tragédia de Imola

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Durante trinta anos, Franco Gozzi foi a pessoa mais próxima de Enzo Ferrari. Ele foi seus olhos nas pistas de corridas, sua linha de contato com a imprensa italiana, seu procurador e porta-voz, a pessoa capaz de alternar tarefas grandiosas, como a de sondar pilotos e engenheiros, até as mais humildes, como ir buscá-los no aeroporto.

Depositário fiel dos desejos e segredos de Ferrari, Gozzi revelou-se uma escritor talentoso, tendo assinado durante alguns anos uma coluna para Autosprint – que eu devorava com especial prazer.

As colunas viraram livro de título inspirado “Alla destra dell Drake”, À direita do Dragão, apelido dado pelos italianos a Enzo Ferrari.

O livro é delicioso, com material fotográfico primoroso e alguns retoques nas crônicas escritas para Autosprint. Gozzi, por algum motivo, preferiu mudar a versão de uma das mais deliciosas histórias lembradas por ele, a de que o italiano Giovanni Bracco costumava pilotar lubrificando a garganta com vinho tinto.

Na Mille Miglia de 52, correndo em 2o lugar, Bracco teria sido aconselhado por Ferrari a não beber pois precisava descontar quatro minutos de vantagem para o líder, que tinha problemas em seus carro, sendo o trecho à frente em serra, sob chuva e neblina.

Em Autosprint, lembro bem, Gozzi diz que a resposta de Bracco foi mais ou menos esta: “O que? Está louco? Com tudo isso por fazer e você não quer que eu beba? Me dá logo esta garrafa…”

Já no livro, Gozzi muda um pouco a história: o diálogo com Ferrari desaparece; Bracco teria parado seu carro diante de um bar e mandado seu navegador comprar uma garrafa de Chianti, rapidamente consumido enquanto descontava a vantagem para o líder, chegando depois à vitória.

Qual a versão é verdadeira? Não importa. São ambas maravilhosas, de um tempo que ficou para trás e que Gozzi conseguiu tão bem recuperar em seu admirável livro.

Boa semana a todos

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

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