Panda
Interlagos? Domingo que vem? Já estou lá. Fui em 72, 73, 74… Vou direto desde 90. Só perdi 77 porque estava trabalhando (na Folha de S.Paulo) e em 79 e 80 por um certo desinteresse. No Rio nunca fui – bobeira minha – principalmente porque meu medo de avião é tanto que nem Fórmula 1 compensa.
Em 72 fui de carona. Chegamos tarde, entramos com o carro no autódromo, achamos uma brecha junto à tela da Curva 2, imagine só! Encostamos a traseira do carro, puxamos uma lona por cima e ficamos por lá, comendo sanduíches e tomando refri. Não dava para ver quase nada da pista, apenas os carros zunindo na nossa frente. Emerson estava tão disparado na frente que, na metade da corrida, resolvemos ir embora. Resolvemos não, o dono do carro resolveu. Estávamos um pouco cheios de Fórmula 1 pois, semanas antes, tínhamos ido a Buenos Aires ver o GP. Anti-climax: o carro não tinha rádio e viemos na maior inocência, achando que o Emerson havia ganhado fácil. Quando encostamos o carro alguém falou: “tem gente chorando em Interlagos, o carro do Emerson quebrou…”
73, 74 e 75 resolvi me virar sozinho: pegava o ônibus na Praça das Bandeiras levando apenas casaco, sanduíches, bolachas e um pouco de dinheiro e me abalava para Interlagos. Só paguei ingresso uma vez, nas outras, pulava o muro. Teve dia em que cheguei na sexta-feira à noite. Nada de barraca. Era para ficar na arquibancada mesmo – naquele tempo podia. Geralmente chovia canivetes à noite. O pessoal matava o tempo jogando garrafas na pista ou na cabeça um do outro. Eram farras antológicas!
Meu ponto preferido era o trecho da arquibancada em frente a caixa d´água, lugar cuidadosamente pesquisado ao cabo de horas e horas rondando daqui pra lá em busca do ponto perfeito. Dali víamos a largada com perfeição e a pista inteira menos Curvas 1 e 2 e Sol.
Nestas aventuras, contei com a cumplicidade do grande companheiro de Interlagos Roberto Agresti, de um primo e um amigo do meu primo – faz tempo que não vejo os três. Testemunhamos duas vitórias do Emerson e uma do Pace, tomamos banho de carro pipa, nos divertimos demais, escapamos com vida.
Em 76, me dei mal. Já mais velho e fresco, achei que dava parachegar no domingo. Que mancada! Só achei um lugar miserável, perto do Junção. Estava sozinho, a corrida foi um horror com aquele Ferrari do qual nunca gostei disparado na frente, Lauda ao volante, e nada de Emerson e nada de Pace. Quase tive uma insolação, sai antes do fim da corrida e voltei a pé boa parte do trajeto.
Interlagos de novo só em 90, quando fiquei em uma tribuna montada em frente aos boxes, de onde se vê pouca pista mas que permite acompanhar os carros reduzindo de 300 km/h ou mais para uns 80, antes de ingressarem no S do Senna, os freio fazendo mais barulho do que o próprio motor.
Desde 91, assisto ao GP de uma tribuna de patrocinador no comecinho da reta de largada. De lá se vê toda a pista, menos o S do Senna e a largada. Mas o conforto vale o “sacrifício”. Um ônibus de luxo nos deixa na porta do autódromo. Lá dentro temos buffet com chopp à vontade, banheiros, televisores.
Claro que, com tanto conforto, não perdi mais nenhum GP, pelo qual agradeço muito à Luiza Erundina (em quem sempre voto nas eleições) e aos amigos que não esquecem de mim.
Em 94, ano em que lancei meu livro, ganhei uma credencial de imprensa, gentileza do amigo Fernando Calmon, diretor de autoesporte, que me encomendou um artigo para a revista.
Graças à credencial, pude trafegar com liberdade quase que total pela pista durante todo o domingo. Pude, por exemplo, ficar diante dos boxes quando este estava fechado público. Achei graça quando um fiscal voou em minha direção pensando “de onde apareceu este bicão desgraçado” e teve de me pedir desculpas depois de ver minha credencial.
Durante a corrida, fiquei rodando daqui pra lá e só fui entender o que havia acontecido quando vi a fita, em casa. Nas últimas voltas fui para a sala de imprensa constatar o óbvio. Todos os jornalistas assistem à corrida pela TV, em meio a uma espessa neblina de fumaça de cigarro e caximbo.
Com a credencialzona pendurada no pescoço, fui assistir à entrevista coletiva do Schumacher, depois da corrida. Outro fiscal cismou comigo mas saiu de fininho quando Alex Dias Ribeiro, que havia conhecido entrevistando-o para meu livro, veio, me abraçou e sentou-se ao meu lado.
Ah sim! Foi em Interlagos 94 que conheci Panda. Batemos um longo papo, eu, ele, Maurício Gugelmin e Edgard Mello Filho. Foi amizade instantânea e, como se vê, bastante produtiva.
Em 98, graças à generosidade de um cunhado (sim: existem cunhados generosos e, acreditem, tenho três deles… Deve ser um caso único no mundo) ganhei um ingresso de Paddock para os treinos de sábado.
O Paddock, talvez você não saiba, é dividido em duas grandes áreas, se é que entendi bem a geografia do negócio. Uma parte, o Paddock Club, fica nos fundos e acolhe gente que comprou um ingresso Vip.
A outra área, onde fiquei, situa-se exatamente em cima dos boxes – você pode se debruçar na grade e ver os carros parados bem abaixo – e é reservado aos stands de empresas patrocinadores. No dia em que fui, Nelson Piquet e família estavam bem ao lado. Na hora do rango, um belíssimo buffet com feijoada completa o que, definitivamente, não combina com Fórmula 1.
O Paddock tem um atrativo extra: a tal caminhado pelos boxes durante uns 40 minutos. É um convite sedutor mas não muito pois o box lota de tal forma que você quase não consegue andar. Claro que se você bobear não chega perto nem do box da Minardi tal a multidão. Pilotos e chefes de equipe, que não são bobos, costumam se esconder nestes momentos. E o pessoal com as máquinas fotográficas acaba tirando fotos ao lado das hostess com uniformes justinhos.
Como convidado de uma empresa patrocinadora da Arrows, ganhei um privilégio extra: encerrados os treinos, pude visitar os boxes da equipe. Recebemos uma credencial especial, fomos ameaçados de morte caso a perdêssemos ou tentássemos qualquer ursada e lá fomos nós, instruídos a não mexer em nada e não dirigir a palavra a qualquer pessoa da equipe.
Entramos pelo fundo, atravessamos o box – uma tremenda zorra,com gente trabalhando pra todo lado – e ficamos ali, umas dez pessoas, ao lado dos carros, enquanto um recepcionista fazia uma pequena palestra. Ao meu lado, acocorado, John Barnard indicava com a ponta dos dedos algumas engrenagens que um mecânico ia catando de uma bandeja cheia de óleo. Não pude deixar de refletir sobre a finitude do ser. Ao que havia sido reduzido o criador dos McLaren tricampeões de 84, 85 e 86!
O recepcionista, um inglês branquelo, provavelmente homossexual (não que haja algo de errado nisso…), ia arrastando sua preleção. Mostrou o cano de escapamento dos carros. Abriu para perguntas. Eu quis saber qual era a temperatura dos gases de escapamento. Ele me olhou de soslaio e respondeu: “very hot”.
Legal? Legal, sem dúvida. Mas, acreditem-me. Você simplesmente não consegue ver a corrida do Paddock, a não ser pela TV. Não se consegue chegar às grades e mesmo se conseguir, a visão é limitadíssima. Quando muito, você verá um carro ventando à sua frente.
Se gostar de auê, vá de Paddock mas se quiser ver a corrida, vá de caixa d´agua. Conselho de quem já esteve lá.
Abraços
Eduardo Correa