Sei grande, Stefano!

Engenheiros que moldaram a Fórmula 1 – parte 3
19/08/2025
Foto-legendas – Os F1 de Massa, final
26/08/2025

De imediato peço perdão aos amigos por estar sendo redundante ao dedicar uma coluna ao mesmo tema recentemente tratado pelo Marcel, mas dificilmente poderia ser diferente. Afinal, quem tem alguma proximidade com a história recente do esporte a motor em seu mais alto nível sabe que a entrevista com Stefano Modena que os canais do GPTotal e História & Esporte publicaram com exclusividade há poucos dias já seria especial e de grande interesse pelo simples fato de ser única, de não haver nada semelhante a respeito do piloto, quer seja em audiovisual, quer seja em mídia impressa em qualquer idioma.

Mas, quem separou pouco mais de duas horas para ver o vídeo na íntegra sabe que não minto ao afirmar que a entrevista foi muito, muito além disso. E o fato é que o apanhado de informações gentil e honestamente divididas por Modena praticamente torna obrigatória a reflexão a respeito de alguns episódios sobre os quais nos acostumamos a narrar sempre da mesma forma.

Seria impossível desenvolver aqui todos os ganchos com os quais ele nos presenteou, mas abaixo tangenciarei alguns deles, reforçando o convite para que todos, cada um a seu ritmo, confiram esse material que, num daqueles momentos mágicos da vida, conseguimos reunir e compartilhar.

Stefano foi um dos maiores kartistas de sua geração, tendo chegado mesmo a conquistar o campeonato mundial. Ayrton Senna o conhecia desde esses tempos, e respeitava muito seu talento, tendo falado isso claramente quando o questionaram a respeito da segunda posição no grid conquistada pelo italiano no GP de Mônaco de 1991.

Foi muito especial, portanto, ver o sorriso em seu rosto ao responder o questionamento feito por Marcel Pilatti sobre o que torna o kart algo tão especial. Frases como “o kart é parte do seu corpo”, ou “aquele foi o período mais feliz de minha vida” ajudam a compreender aspectos mais amplos da pilotagem. Por exemplo, que a condução no kart, quando realmente levada ao limite, vai muito além dos comandos em volante e pedais, guardando inclusive semelhanças com o motociclismo de velocidade, no sentido de que a própria administração do peso corporal do piloto para a manutenção do equilíbrio dinâmico é de fundamental importância e frequentemente negligenciada em análises sobre o tema.

Diante de tal indicação, questionei Stefano se o fato de ele desempenhar tão bem em pistas de rua ou em pista molhada teria alguma relação com o fato de ter moldado seus instintos no kartismo, e sua resposta foi uma afirmação convicta: “Sim, você está absolutamente certo”. Em complemento ele disse que certamente se expressava muito melhor em pistas curtas e de baixa velocidade do que em Silverstone, por exemplo. E acrescentou: “esse talvez seja o problema de ter passado tempo demais nos karts”.

Ora, eis aí outra afirmação muito instigante. Passar tempo demais nos karts… A descrição que ele nos fez das sensações de estranheza que teve ao guiar pela primeira vez um Fórmula 3 são preciosas, tão preciosas quanto sua conclusão de que, sim, um piloto deveria passar pela experiência e pelo aprendizado do kart, mas sim, se ele tiver pretensões quanto a seguir carreira nos carros então não deveria demorar demais a fazer a transição, de modo a não carregar certos vícios. Impossível não pensar em Senna, e a forma como ele pareceu sempre muito mais à vontade em curvas de baixa, em pistas travadas, na chuva ou sob condições que demandavam reatividade do que em pistas longas, lisas, de alta velocidade e sob clima estável, por mais que, evidentemente, também tenha se tornado forte sob tais circunstâncias.

Outro ponto da carreira de Ayrton fortemente tangenciado pelas palavras de Stefano diz respeito aos anos de 1989 a 1992, quando o brasileiro foi empurrado pelos poderosos propulsores aspirados da Honda.

Já anoitecendo, ao término de um teste coletivo no Estoril no terço final da temporada 1990, Stefano – já tendo assinado contrato para pilotar para a Tyrrell na temporada seguinte – foi liberado pela Brabham para que tivesse seu primeiro contato com o revolucionário carro que vinha sendo a sensação do ano pelas hábeis mãos de Jean Alesi. Enquanto caminhava atrás do paddock Ayrton, curioso para ouvir suas impressões a respeito do Tyrrell, o viu e o chamou para uma conversa.

Em essência, Stefano disse que o carro era muito diferente, tinha características muito próprias, mas que os bons tempos que havia assinalado o deixavam esperançoso de que pudesse ter um bom pacote no ano seguinte, quando aquele mesmo carro passaria a ser empurrado pelo motor Honda V10 que naquela altura equipava justamente a McLaren de Senna.

Ao ouvir isso, nas lembranças de Stefano, Ayrton mergulhou em ponderações pouco entusiasmadas, e disse algo: “É… talvez…”. Tal resposta naturalmente aguçou a curiosidade do italiano, que quis entender melhor como é que a chegada do motor mais forte da Fórmula 1 poderia não ser uma notícia a ser efusivamente comemorada. “É um motor forte, sim, Stefano. Mas também é muito pesado.”

“Como assim, Ayrton? O que você quer dizer com isso?”

“Você vai ver… Você vai ver…”

Diante de nosso questionamento a respeito dos motivos que levaram a combinação Tyrrell-Honda a ter uma temporada abaixo do esperado em 1991, Stefano recordou toda essa passagem para dizer que o motor Honda pesava cerca de 30 quilos a mais que o Ford Cosworth, e que isso afetava por completo a distribuição de peso do carro, dificultando demais um acerto que fosse igualmente bom para os eixos dianteiro e traseiro. “Era como pilotar um dragster”, resumiu.

Todo este episódio obviamente chama atenção para os desafios enfrentados – e quase sempre superados – pela McLaren para conseguir lidar com o problema, bem como para o tipo de situação com a qual seus pilotos estavam tendo de lidar. Além disso, também deu a Stefano a oportunidade de explicar por que hoje ele acredita que um bom piloto não é apenas aquele que anda rápido conservando o equipamento, mas também aquele que chama para si a responsabilidade de direcionar o departamento técnico. Algo que, muito humildemente, ele acredita que demorou a fazer.

Bons pilotos… Este é outro tópico um tanto perturbador que Stefano abordou com humildade e sinceridade, nos fornecendo uma visão mais madura e menos romantizada da realidade. Afinal, quantas vezes gastamos tempo e energia debatendo quem foi melhor, sempre partindo de uma lista inicial tão excludente quanto uma de presidenciáveis, por exemplo, ignorando que a imensa maioria dos grandes talentos jamais terá qualquer oportunidade ou chance real de alcançar a Fórmula 1 ou qualquer categoria de topo do esporte a motor? Basta observarmos a proliferação de dinastias, sobrenomes que se eternizam, para compreender que esta é uma bolha muito difícil de ser furada.

Por isso, ouvir sua mais sincera admiração a respeito de alguns pilotos que enfrentou nos karts ou no DTM e que jamais alcançaram a Fórmula 1 “mas deveriam ter alcançado” nos foça a relativizar um pouco as certezas e a convicção com que nos habituamos a defender determinados pontos de vista.

Claro, nada diminui os feitos de quem efetivamente chegou lá, e provou do que era capaz. Não é disso que se trata, mas de ter em mente que, sim, existem talentos por aí que jamais serão devidamente conhecidos ou reconhecidos simplesmente porque jamais tiveram ou terão oportunidade. É triste, é uma pena, é frustrante, mas é uma realidade, e deveria fazer com que todos nós déssemos um pouco mais de crédito ao kartismo e às categorias de base ou de menor visibilidade, tendo em vista que dadas as circunstâncias elas também podem sim abrigar grandes talentos.

Igualmente precioso é o relato de Stefano a respeito da brutalidade indomável da Brabham BMW turbo, com 4 bares de pressão, que abrigou sua estreia na Fórmula 1 em Adelaide, 1987. “Eu nem imaginava que pudesse existir algo tão forte”, admitiu, fazendo-nos imaginar o que terá sido aquele mesmo motor um ano antes, com pressões próximas a 6 bares, nos últimos treinos classificatórios de 1986.

O respeito por quem levava aquelas máquinas ao limite, dispondo de muito mais potência do que controle, parece que nunca, por mais que nos esforcemos, será suficiente para fazer justiça aos seus feitos.

Enfim, foram mais de 2h20 de conversa, e seria impossível refletir aqui sobre todos os temas abordados.

Certamente daria para escrever outra coluna com base na história dos mecânicos bêbados em Macau, a enfermeira linda em Detroit, o humor de Bernie Ecclestone ou os exemplos do quão bufo era Jean-Marie Balestre, mas não acredito que seja esse o caso. Quem chegou até aqui já tem embasamento suficiente para compreender que se trata de um material muito especial aos amantes do esporte a motor, e avaliar por si mesmo se vale a pena, ou não, investir pouco mais de duas horas nisso.

Ah, e não se esqueçam de que a entrevista também está disponível no canal História & Esporte, do Marcel, e que existem legendas disponíveis, bastando acessar o ícone das configurações.

Forte abraço a todos, e obrigado pela contribuição fundamental que dão para que seja possível produzir esse tipo de conteúdo.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

11 Comments

  1. martim disse:

    Oi Marcio, qual a editora que vai publicar o livro do Moreno? tô louco pra comprar de uma vez na pré-venda.

  2. martim disse:

    Oi Marcio, qual a editora que vai publicar o livro do Moreno? tô louco pra compra de uma vez na pré-venda.

  3. Salve, Leandro. Torço para que curta a entrevista.
    Sobre a cidade, confesso que não lembro que tem parentes lá. Caso descubra lhe aviso.
    Abraços.

  4. Fernando Marques disse:

    querido Marcio,

    vou ver a entrevista no decorrer dessa semana … estou curioso ainda mais depois das colunas dedicadas ao Stefano

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  5. Stephano disse:

    Obrigado, Márcio e toda a turma do GP Total!!! Que coisa espetacular!!!!

  6. Rubergil Jr disse:

    Que texto legal, e que entrevista sensacional. Parabéns Marcio e demais amigos do GPTotal!
    Grande abraço!

  7. Leandro disse:

    Ainda não assisti, mas farei em breve!

    Parabéns a todos!

    PS.: Gostaria de qproveitar o espaço para lembrar quem era de vocês, que tinha/tem parente na cidade de Fartura/SP. Há muito anos lembro de alguém daqui ter parentes lá.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *