A temporada de 2020 começa cheia de expectativas e de aflições. As indefinições são tantas, que enquanto escrevemos aqui no GPTotal, não sabemos nem se haverá uma temporada completa.
Na realidade, chegamos ao final-de-semana com essa coluna sendo a 3º versão escrita em 4 dias. Um dia era incerteza, outro dia uma prova com menos uma equipe, no seguinte um cancelamento de uma prova e culminando outro dia uma revisão total dos planos para as primeiras provas da temporada.
Fato que temos, depois de uma pré-temporada insossa, magérrima e asséptica, nenhuma noção sobre os caminhos da temporada. A saudade dos fãs da F1 é latente, a ansiedade gritante e, por instantes, acreditamos que era chegada a hora de conhecer na pista o que 2020 nos guardava. Coroamos um heptacampeão histórico? A Ferrari e a Red Bull elevarão suas jovens promessas ao olimpo dos campeões mundiais? O que será que acontecerá com o outrora genial Vettel e quem substituirá o personagem vivido por Kimi Raikonnen no paddock?
Em um mundo globalizado, virado do avesso por uma gripe de origem estranhíssima, colocou a arrogância da Fórmula 1 em cheque: como o circo do mundial da f1 iria passar sua festa de 70 anos por 22 territórios incólume? De qual cabeça partiu esse pensamento que seria tranquilo fazer o trajeto Oceania, Oriente Médio, Ásia dentro de um mês sem consequências?
Nesse aniversário de 70 anos a Formula 1 vive uma fase de dilemas e de profunda transformação. Chegam ao fim os acordos comerciais com as equipes (adeus Pacto de Concordia) e com diversos autódromos tradicionais. A Era Bernie Ecclestone chega ao fim após atingir seu apogeu que culminou com a venda para os americanos da Liberty Media.
Sai o autoritarismo de Bernie, a mão de ferro da Formula 1. Entra a gestão democrática-liberal-pro-mercado dos americanos. Acaba-se a centralização do conteúdo da F1 dentro da F1, entra Instagram, Youtube e Netflix. Três gigantes da tecnologia.
Como no mais recente sucesso da Netflix, Marriage Story – História de um Casamento, a perda de Bernie é triste, é desgostosa, recheada de uma melancolia digna da beleza de uma boa composição de Blues. Mas, na visão pragmática da Liberty, não há espaço para músicas bonitas e de contemplação para cada soldado que ficou no campo de batalha. A melodia que envolve os novos tempos da F1 é bonita demais para a não trazer um otimismo libertador do passado que lhe era opressor.
Como no filme, são tempos de discussões desgostosas. É um tempo de incertezas. Onde mesmo assim se encontra generosidade (ao menos com o conteúdo gerado para os fãs) e consegue-se olhar para seu passado com sinceridade para entender seus erros de forma mais humana e sincera possível.
Mesmo a “entidade” FÓRMULA 1, é falível. Uma cena impensável nos tempos de Bernie.
E a Fórmula 1 conseguiu errar onde estava fácil acertar.
Seus pilotos-estrelas bradaram: Aqui, só o dinheiro manda. Comentário que gerou chateação naquelas pessoas que sim, acreditam somente na força do dinheiro.
Por um momento de lucidez, a Mclaren retirou seu time do final de semana. Isso ainda na quinta-feira. Um dos seus funcionários apresentou resultado positivo para o Covid-19 e Zak Brown decidiu que o risco apresentado ao seu time era demasiado grande para mantê-los no evento.
A partir desse momento, times, FIA e Formula 1 se juntaram para decidir o que fazer. Williams e Haas se abstiveram. Uma atitude covarde, pautada basicamente em medo de serem responsáveis por quebras de contratos com seus parceiros. Christian Horner e sua trupe encheu o peito para dizer que eram corredores, estavam em uma autódromo e todos deveriam pois, correr. A Ferrari já entrou na discussão com voos marcados para seus pilotos e membros do time que não precisariam estar mais na pista para desmontar as coisas. Se juntariam à Mclaren na retirada da inscrição da corrida, levando junto a Alfa Romeo. Renault optou pelo mesmo caminho, vendo a gravidade da situação em sua terra natal. Já a Racing Point esfregou as mãos almejando muitos pontos na abertura da temporada.
Com a participação da Mercedes, a Formula 1 e a FIA garantiriam a realização da corrida com o mínimo de 12 carros previsto no regulamento da categoria máxima. Para garantir a prova, a F1 ainda sugeriu confinar todos os times ao Paddock durante todo o fim-de-semana e fazer a corrida com arquibancadas vazias.
Tudo mudou, pouco depois. O CEO da Mercedes, sabendo da decisão de seguir com a corrida ligou para Toto Wolf para entender a situação. Foi o suficiente (aqui dá pra imaginar uma conversa pouco amistosa, não?) para Mercedes retirar seus carros da disputa.
Agora a FIA e F1 já estavam sem condições de organizar uma corrida válida pelo campeonato mundial.
A arrogância e autossuficiência da F1 sempre foi um dos seus traços mais marcantes. Durante muitos e muitos anos.
Não pegou ninguém de surpresa a declaração de Ross Brawn que afirmou ainda na sexta “A Formula 1 tem que funcionar, nós temos que fazê-la funcionar”. Esse é o espírito.
Essa percepção não surge somente por causa de uma Pandemia ignorada. Quantas vezes a F1 planejou seu calendário se negando a evitar conflito de datas com eventos esportivos de escala mundial?
Não cansamos de ver jogos de fases decisivas de Copa do Mundo e Jogos Olímpicos sendo ignorados pelao calendário de corridas. Não são eventos sem previsibilidade, muito menos são eventos que divulgam calendários em cima da hora. Falta um mínimo de respeito com os fãs, profissionais da imprensa esportiva e com todos envolvidos no esporte que também são fãs de ouros esportes.
Podemos considerar que a duração, extensão, desses eventos pode ser uma justificativa? Vá lá! Vamos dar uma colher de chá.
Mas só se houver muita, muita, muita, boa vontade da nossa parte.
Vamos voltar ali em 2019, bem pertinho. GP da Inglaterra. Finais de Wimbledon, Copa do Mundo de Cricket e GP em Silverstone. Tudo, absolutamente tudo, no mesmo dia. Hamilton gritou “Mas será o Benedito!!!!???”, claro apelo ao Santo do bom senso.
O apelo de Hamilton era bastante razoável. Se a F1 é tão importante quanto ela acha que é, seria interessante não dividir as atenções com outros esportes de grande apelo. Não é, realmente, pedir muito.
Não sabemos ainda o que esperar do resultado da temporada. Serão, minimamente, mais 45 dias de espera. O que preocupa é se alguém espera algo diferente de Lewis Hamilton frente. Durante esses anos de era híbrida, 121 provas, 89 vitórias da Mercedes. É uma superioridade violentíssima.
Há uma dificuldade desenhada para os outros times baterem esse cenário. Fica a dúvida se nos próximos 45 dias ainda será possível evoluir os carros dentro das fábricas de alguma forma que minimize a diferença para Mercedes. Em outras palavras, alguém conseguirá ser mais eficaz que a Mercedes dentro de seus muros?
Vários cenários estão sendo especulados, vale paciência para não encarar fofoca como notícia. Dentro dessas especulações temos um campeonato reduzido, só com as provas possíveis depois da liberação da pandemia. Temos também uma possibilidade de congelamento das regras de 2020 por mais um ano, deixando os novos carros para 2022, um cenário que não agrada quem pensa em controlar mais os gastos. Há também a possibilidade de se reduzir os finais de semana de corrida para somente 2 dias e encaixar as provas canceladas nas férias de verão e em dezembro.
São 70 anos de Formula 1 esse ano. Já tivemos 108 vencedores (inclusive Pastor Maldonado) e 33 campeões. Alguns rapazes monopolizam títulos e vitórias. Schummacher e Hamilton possuem quase 40% dos títulos! São duas lendas, nunca poderão tirar isso deles.
Mas hoje, como seria um campeonato se uma de suas grandes estrelas ficar em quarentena? Um possível título de Hamilton ficaria manchado numa possível ausência de um concorrente ou não faria a menor diferença?
Vamos tentar não nos perder, abaixo as datas previstas, seguindo declarações oficiais da FIA e da Formula 1:
1ª – 15 de março – Austrália – Melbourne
2ª – 22 de março – Barein – Sakhir
3ª – 5 de abril Vietnã – Hanói
4ª – 19 de abril – China – Xangai
5ª – (a confirmar) 3 de maio – Holanda – Zandvoort
6ª – (a confirmar) 10 de maio – Espanha – Barcelona
7ª – (a confirmar) 24 de maio – Mônaco – Monte Carlo
8ª – 7 de junho – Azerbaijão – Baku
9ª – 14 de junho – Canadá – Montreal
10ª – 28 de junho – França – Le Castellet
11ª – 5 de julho – Áustria – Spielberg
12ª – 19 de julho – Inglaterra – Silverstone
13ª – 2 de agosto – Hungria – Budapeste
14ª – 30 de agosto – Bélgica – Spa-Francorchamps
15ª – 6 de setembro – Itália – Monza
16ª – 20 de setembro – Singapura – Marina Bay
17ª – 27 de setembro – Rússia – Sochi
18ª – 11 de outubro – Japão – Suzuka
19ª – 25 de outubro – EUA – Austin
20ª – 1 de novembro – México – Cidade do México
21ª – 15 de novembro – Brasil – São Paulo
22ª – 29 de novembro – Abu Dhabi – Yas Marina
Particularmente, 2020 é um marco. Chego ao décimo ano como colunista do GPTotal e essa, aparentemente, é a coluna nº 150. Não há como agradecer todos que leem e todos os amigos colunistas do GPTotal que impulsionam a vontade de estar aqui ano após ano.
São todos fonte de grande admiração de minha parte, são inspiradores e a generosidade de todos é impossível de se mensurar.
Independente da Formula 1, a turma que se encontra nas letras do GPTotal é um grupo inestimável.
O meio do pelotão é uma incógnita. Salvo a Williams que estará fechando o grid, o resto das equipes vai se misturar e trocar tintas nas pistas. Não há como fazer uma previsão do que acontecerá. Talvez, uma vantagem para a Racing Point que resolveu copiar o carro da Mercedes. Talvez a Renault faça jus ao investimento de “equipe de fábrica”. Talvez a Alpha Tauri tenha uma vantagem real por compartilhar a base de projeto com a Red Bull.
O mais preocupante é o que acontecerá com a Haas. Com dois pilotos fracos, em contratos para esse ano, tem grande chance de pegar suas coisas e ir embora. O modelo de negócios é bom. O erro é confiar a Dallara o seu chassi e o corte de gastos que demorou muito. Antes do meio o ano podemos esperar uma definição do time. Ou saem ao final de 2020 ou renovam por mais cinco anos seu compromisso com a F1.
Sentimos sua falta, F1. E estamos aflitos. Não por você mas por nossa saúde. Vamos ter que esperar um pouco o mundo voltar a sua normalidade para termos uma visão de quando nos veremos novamente. Lembre-se somente, Formula 1, que o mundo não é você.
Flaviz Guerra – @Flaviz
3 Comments
Flavis,
inicialmente parabéns pela coluna de numero 150.
Pena que ela não tenha sido escrita para falar de uma corrida de Formula 1. Seria mas ela não aconteceu.
Na verdade, a incógnita que a pandemia do Codiv 19 espalha sobre 0 mundo, paira sobre a Formula1, paira também sobre todo o esporte mundial.
Teremos Jogos Olímpicos no Japão? Teremos o Mundial de Surf? Teremos futebol? Teremos jogos na NBA? Ninguém sabe de nada.
Vivemos momentos de incertezas e de muitos temores
Fernando Marques
Niteroi RJ
Flavis,
inicialmente parabéns pela coluna de numero 150.
Pena que ela não tenha sido escrita para falar de uma corrida de Formula 1. Seria mas ela não aconteceu.
Na verdade, a incógnita que a pandemia do Codiv 19 espalha sobre 0 mundo, paira sobre a Formula1, paira também sobre todo o esporte mundial.
Teremos Jogos Olímpicos no Japão? Teremos o Mundial de Surf? Teremos futebol? Teremos jogos na NBA? Ninguém sabe de nada.
Vivemos momentos de incertezas e de muitos temores
Fernando Marques
Niteroi RJ
Excelente, Flaviz. Vc fez uma ótima limonada.