SHOW DE AMADORISMO

TRÊS MOMENTOS DECISIVOS
20/06/2004
WITH A LITTLE HELP FROM OUR FRIENDS
25/06/2004

Há alguns anos, eu tinha uma certeza: a Fórmula 1 era um dos esportes mais avançados do mundo. A tecnologia de ponta dos carros, o frenesi da mídia, as reações que os pilotos tomam em uma fração de segundo, os procedimentos restritos das entrevistas coletivas, do pódio, tudo indicava um espetáculo sem falhas em sua execução. Nada mais natural para um dos eventos esportivos que mais dinheiro movimenta em todo o planeta.

O tempo e a experiência, porém, me convenceram de que eu estava errado. No ano passado, ao acompanhar um fim de semana na Jaguar, me espantei com os cronogramas desorganizados e a falta de hierarquia em uma equipe que recebe milhões de dólares de seus patrocinadores para obter bons resultados e exposição na imprensa. Nenhum sinal do profissionalismo exato por mim suposto.

Se você tinha a mesma visão, certamente mudou de idéia após o último GP dos Estados Unidos. Foi um festival de episódios burlescos e decisões contraditórias.Talvez influenciada pela proximidade, a Fórmula 1 escancarou no último fim de semana que possui em suas entranhas todo o amadorismo encontrado da Nascar.

Já sabíamos que os chefes de equipe são, sem exceção, arrogantes. Sejam ex-mecânicos, como Ron Dennis, ou ex-comerciantes, como Flavio Briatore, todos julgam estar um degrau acima do resto da humanidade e se comportam como tal. Mas, na verdade, não passam de meninos mimados que nem conseguem organizar suas agendas.

Na sexta-feira, marcaram um encontro para discutir as novas regras propostas para o futuro da categoria. Só esqueceram que, no mesmo horário, seis deles tinham de estar em na entrevista coletiva oficial da FIA. Enquanto Eddie Jordan divertia alguns colegas e os jornalistas com seu caceteado humor britânico em uma sala, os outros “poderosos chefões” se aborreciam com a espera em outra, encerrando uma reunião (que nem começou) sobre um assunto de extrema importância para todos eles. Por pura incompetência organizacional.

Na corrida, os comissários se mostraram incapazes de reger mesmo uma liga de kart para jornalistas. O primeiro erro: a demora de 84 minutos para mostrar a bandeira preta para Juan Pablo Montoya por uma transgressão antes mesmo da largada. “Nos disseram que a direção de prova estava tão ocupada com os diversos acidentes que não pôde nos informar antes”, falou um inconformado Mario Theissen, da BMW. O fato de profissionais da área levarem tanto tempo para interpretar uma simples regra e acionar o computador para sacramentar a desclassificação é de fato revoltante. Pobre Montoya, que largou dos boxes e lutou bravamente, chegando até a andar em segundo lugar. Tudo em vão. Seria mais feliz se tivesse passado a tarde enfurnado no motorhome, no âmago de sua Connie.

A seqüência de acidentes, que poderia ter encerrado a carreira de Ralf Schumacher (não que isto seja relevante do ponto esportivo, mas coitado dele, né?), também vai para a conta da incompetência dos comissários. O imbróglio da primeira curva gerou a entrada do Safety Car para que a pista fosse limpa. Mas os bandeirinhas de Indianápolis, pelo visto, não fizeram o serviço direito.

A batida de Fernando Alonso, na oitava volta, foi um claro sinal disto e jogou ainda mais destroços no asfalto. Mas a direção de prova se manteve impassível, ao invés de agir chamando o Safety Car novamente à pista. Na passagem seguinte, foi a vez de Ralf bater forte no muro. Mais dois sinais incontestáveis de amadorismo pipocaram ao mesmo tempo.

O primeiro: foram precisos três minutos para que um primeiro atendimento fosse feito ao piloto, embora o carro ficasse estacionado em frente aos boxes. Uma eternidade para um percurso tão pequeno. O segundo: mesmo com dois acidentes seguidos e ainda mais cacos de fibra de carbono espalhados no asfalto, a prova não foi interrompida.

“Tive de frear quase até parar para conseguir passar sobre os destroços do carro de Ralf”, foi o que disse Takuma Sato, explicando porque ficou atrás de Michael Schumacher na fase de Safety Car, mesmo tendo este feito uma parada nos boxes. “Este incidente foi ao limite do bom senso. Houveram tantos pneus furados na corrida que uma paralisação naquele momento não seria incorreta”, opinou Norbert Haug.

Para coroar o GP, até o cronômetro da FIA se mostrou inseguro. Na relargada após a primeira fase de Safety Car, Michael Schumacher fez a ultrapassagem que praticamente lhe garantiu a vitória. Na televisão, o computador mostrou o alemão à frente de Barrichello no início da volta cinco, o que seria contra o regulamento. Segundos depois, a máquina se corrigiu e mostrou Barrichello novamente na frente, o que foi confirmado pela folha com os tempos de volta. Se a linha de chegada pintada sobre o asfalto for correta, porém, as imagens aéreas da televisão contradizem o computador.

Histéricos de plantão correram para reviver a desatinada teoria de que há um complô para favorecer o alemão e fabricar um super-piloto capaz de conseguir todos os recordes do planeta. Muita calma nessa hora! As habilidades de Schumacher não têm nada a ver com as insanidades do computador. O caso merecia uma análise mais profunda por parte da FIA, o que não ocorreu. Não porque existe uma conspiração maligna, mas porque as equipes interessadas e os diretores de prova estavam tão mergulhados em seu amadorismo que não cumpriram seus papéis de rivais e fiscalizadores.

Historicamente, falhas de organização sempre fizeram parte do automobilismo, pois as corridas eram normalmente organizadas e disputadas por um bando de abnegados apaixonados pela velocidade. Mas nos dias de hoje, onde rios de dinheiro jorram no paddock da Fórmula 1 por conta de um público apaixonado pela categoria (sim, eu, você e milhões iguais a nós), era de se esperar que as pessoas que estão lá, há anos cumprindo as mesmas funções e muito bem remuneradas para isto, fossem um pouquinho mais profissionais.

Abraço e até a próxima semana,

Luis Fernando Ramos
GPTotal
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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