Siga o Newey!

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Há tempos não vejo uma grande ultrapassagem na Fórmula 1, daquelas tipo Piquet sobre Senna, Hungria 86, ou Senna sobre Wendlinger, Donington 93, de derrubar a gente da cadeira e gritar um palavrão. Ultrapassagens como atos de inventividade, reflexos, coragem, habilidade e beleza – as muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental…

Desafiei os colegas do Gpto: tivemos algo equivalente nos últimos dez anos? Marcio citou Hamilton sobre Verstappen, Interlagos 21, e Lucas Alonso sobre Perez, Interlagos 23. De fato, belas disputas, mas nas quais o DRS teve o papel decisivo.

Pois é. O DRS multiplicou, desde a sua introdução, em 11, as ultrapassagens na F1 ao minorar a perda de aderência do perseguidor quando se aproxima de quem vai à frente. O artifício, porém, tornou a defesa da posição não só difícil como, em muitos casos, contraproducente. Levando em conta a importância da preservação dos pneus na estratégia da corrida, é melhor ceder sem maior resistência e tentar retomar a posição no jogo dos pit stops. E, com isso, as ultrapassagens-raiz se perderam.

Agora, as autoridades esportivas anunciam o fim do DRS. A partir de 26, os carros seguem tendo asas móveis, na frente e na traseira, por sinal, mas elas valem, se entendi bem, para todos, independente da distância entre os carros. Ou seja: não serão mais um artifício para facilitar ultrapassagens. Em compensação, vem aí o MOM. Séculos depois de outras categorias, a F1 adere ao botão de ultrapassagem, com considerável acréscimo temporário de potência gerada pelo motor elétrico.

Não parece ser um bom cenário para a volta das ultrapassagens-raiz.

A F1 contemporânea é moldada pela combinação da sua crescente financeirização (como de resto acontece em todos os esportes) ao predomínio dos engenheiros no centro das decisões. Pilotos, público, organizadores de GPs, imprensa e mesmo a FIA influenciam pouco ou nada nas decisões. Os chefões da categoria, hoje ocultos em anônimos fundos de investimento, buscam sempre, acima de tudo, a valorização do ativo chamado F1 – algo que a Liberty Media cuidou de alavancar, deixando saudades dos tempos selvagens de Bernie Ecclestone. Na busca desta valorização, dá-se liberdade total aos engenheiros para que produzam resultados que levem a vendas e lucros crescentes.

Pat Symonds, em artigo recente na Autosport, resumiu a missão dos engenheiros na F1: “levar as coisas ao limite dos regulamentos para maximizar a vantagem competitiva, mas não mais longe”.

Achei curiosa esta afirmação, de quem esteve envolvido na trama de Singapura 08, mas vá lá.

O que os engenheiros farão com o novo regulamento da F1, em vigor a partir de 26?

Carros um pouco menores e mais leves, pneus mais estreitos, asas móveis e MOM sob maior controle dos pilotos, os motores elétricos com potência equivalente aos a gasolina, apresentada agora como “combustível sustentável”, fim do MGU-H… As novas regras conseguirão quebrar a hegemonia atual, de Verstappen/RBR/Honda?

Nessas horas, é legal olhar para o passado.

O fim dos motores turbo, a partir de 89, não quebrou a hegemonia Senna+Prost/McLaren/Honda, da mesma forma que o fim da eletrônica embarcada, 94, não rompeu a predominância dos motores Renault, ainda que tenha tornado possível o protagonismo de Schumacher/Benneton em oposição à Williams, referência principal de 93 a 97, quando mudança na dimensão dos carros e a imposição dos pneus com sulcos permitiram o protagonismo em sequência de Hakkinen/McLaren/Mercedes, Schumacher/Ferrari e Alonso/Renault.

Em 09, as mudanças na aerodinâmica do carro abriram espaço para a hegemonia Vettel/RBR/Renault até que, em 14, surgiram os motores híbridos e a tirania Hamilton/Mercedes, a mais longa já observada na F1 e que só veio abaixo em 22, quando revisou-se as regras aerodinâmicas e Verstappen/RBR/Honda passaram a dominar. Nesta temporada, este predomínio está em xeque no momento e só nos resta aguardar pelos próximos GPs.

Resumo: sete revisões de regulamento técnico resultaram em quatro mudanças no equilíbrio de forças da F1, um placar apertado, como se vê.

O que acontecerá a partir de 26? Uma pista: siga o Newey!

Ele estava na Williams em 94 e conseguiu manter a competitividade dos carros da equipe apesar de todas as turbulências posteriores à morte de Senna e os entreveros com a Benetton. Depois, Adrian Newey mudou-se para a McLaren e ajudou nos títulos de Hakkinen em 98/99, sob vigência do novo regulamento aerodinâmico, o que repetiu a partir de 09, tornando possível os títulos de Vettel na RBR, feito que repetiu a partir de 22, de novo sendo o melhor intérprete do regulamento aerodinâmico.

Resumo: em seis mudanças de regulamento (deixemos de fora o fim dos turbos, 89), Newey só não se revelou o melhor intérprete em 14 – uma mudança basicamente de motor – e em 17, 4 x 2, um placar mais folgado.

Aplausos a Newey e a todos os engenheiros (meu padrasto era um deles) – mas espere!

Li estes dias que engenheiros (ou alguém sob supervisão deles) erraram – sim: erraram! – no acerto do relógio da Starliner, a espaçonave da Boeing, em seu primeiro voo-teste, não tripulado. O acerto do relógio era indispensável para a correta orientação da nave, de forma que teve de se improvisar em sua navegação, acabando por tornar impossível seu acoplamento à estação espacial ISS.

Os engenheiros conseguiram, ao menos, trazer a nave de volta em segurança, mas foi por pouco.

Também não há como aliviar para os engenheiros da Mercedes pela derrocada da equipe a partir da mudança de regulamento de 22. Para mim, este é um dos maiores mistérios recentes da categoria: como um grupo tão afiado e competente de engenheiros errou tanto e ainda não conseguiu se corrigir depois de tanto tempo. Talvez alguma luz tenha surgida nas últimas corridas, mas é cedo para qualquer afirmação.

Abraços

Edu

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

1 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Edu,

    meu leigo comentário … depois que a eletrônica entrou de vez na Formula 1, tornando os carros mais rápidos nas curvas (isso além dos carros asas), cambio automático, freios cada vez mais eficientes … ultrapassagens na Formula 1 passou a ser algo muito difícil, e digamos até que impossível de acontecer a não ser com recursos digamos assim artificiais como é o caso do DRS …
    O que era antes não tem volta

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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