O Rali da Acrópole, no próximo fim-de-semana, trará uma novidade para a atual temporada do mundial da categoria. Após cinco meses de intenso trabalho de desenvolvimento, o Skoda Fabia WRC finalmente voltará a competir. A equipe passou por uma reestruturação, com o alemão Martin Mülhmeier assumindo o comando, o mesmo homem que dirigiu o sucesso recente da Audi nas 24 Horas de Le Mans. O objetivo é tornar o carro competitivo ainda neste ano. O sucesso ou não desta empreitada vai determinar o futuro da marca no WRC.
Em minha casa, vou cruzar os dedos e todos os ossos mais que conseguir, torcendo para o sucesso deles. Não, não sou tcheco nem tenho nenhum parentesco com os pilotos ou algum mecânico da Skoda. Mas, desde que me mudei para a Europa, sou proprietário de um carro da marca e criei uma identificação com a equipe. Por um lado, acho o Marcus Gronholm o melhor piloto do planeta, admiro prá caramba o Petter Solberg e reverencio Carlos Sainz. Mas no final minha torcida vai mesmo para aquele carro nas cores verde, branco, vermelho e preto, que certamente vai andar do pelotão do meio para trás. Sou Skoda desde criancinha.
Esta é a lógica por trás do investimento das marcas no WRC. Nos últimos anos, em todo o planeta, a Peugeot vendeu o modelo 206 feito água (até o Panda comprou um). E muitos dos compradores identificaram no carro a trajetória vitoriosa dele no Mundial de Rali, um argumento decisivo na hora de escolher um veículo novo. O caminho contrário também é verdadeiro: se eu possuo um Ford Focus e, depois, descubro que o “meu” carro está competindo no WRC, vou me interessar pela categoria e torcer para este tal de Markko Martin.
Há dois anos fui assistir a uma etapa da DTM, o Campeonato de Turismo Alemão, e percebi um fenômeno semelhante. Já no estacionamento, uma família desceu de um Opel Zafira devidamente paramentada com bonés e bandeiras da marca. O jovem do Audi TT, ao lado, provocou: “vocês não tem a menor chance hoje”. Nas arquibancadas era impressionante o número de torcedores apoiando uma das três fabricantes, sem preferência por um piloto em particular (a única exceção era uma barulhenta turma de franceses torcendo para o Jean Alesi, provavelmente membros de seu fã clube desde os tempos da Fórmula 1).
Nas categorias de turismo e no rali, é muito fácil associar um carro de corridas a uma marca e/ou modelo de rua. As formas são semelhantes e a identificação visual é imediata. Na F-1, porém, não acontece a mesma coisa. A legião de torcedores normalmente escolhe um ou mais pilotos para apoiar. Na Alemanha, por exemplo, milhares de donos de Mercedes ou BMWs são fãs inveterados de Michael Schumacher. A única equipe que pode se orgulhar de ter uma torcida significativa, independente de quem está no cockpit, é a Ferrari. Mas isto não tem nada a ver com a propriedade de um carro da marca e sim por um caso de mito e tradição que não convém explicar aqui.
Hoje em dia, com as montadoras investindo pesado no esporte, seus departamentos de marketing querem mudar este quadro. Nas tevês européias, pelo menos Fiat, Mercedes, Renault e Toyota possuem peças publicitárias associando suas marcas aos carros da Fórmula 1. Mas as duas primeiras continuam utilizando pilotos como chamariz: em um comercial, Schumacher e Barrichello formam uma dupla em uma corrida só com modelos Fiat Punto; em outro, Kimi Raikkonen dirige um C-Klasse ao lado da noiva Jenni Dahlman. Assim, sobram Renault e Toyota investindo em uma imagem mais corporativa, onde o carro é mais importante que o piloto. Coincidência ou não, são as duas equipes onde há mais harmonia interna entre os pilotos.
Claro que a Fórmula 1 desperta o interesse de um número muito maior de pessoas que qualquer outra categoria, o que a torna comercialmente interessante. Mas o outro lado da história é amargo: só a Ferrari vence, e o sucesso não se reflete na venda de seus carros. Primeiro porque os veículos fabricados em Maranellos são artigos de luxo; segundo porque a Fiat não consegue associar o sucesso de Michael Schumacher à marca. Assim, a fábrica está mergulhada na pior crise de sua história.
Para os perdedores, a situação é pior ainda: a Mercedes decidiu retirar o comercial de Raikkonen do ar após um início de temporada vexatório. E a Toyota certamente vendeu mais versões do Corolla quando o carro ganhava tudo no rali do que hoje, quando seus carros de Fórmula 1 se arrastam no meio do pelotão. Passada a euforia inicial dos últimos cinco anos, várias montadoras já consideram tirar o time de campo, casos da Ford e da Honda (esta última, porém, deve ficar após o salto de qualidade que a BAR obteve este ano).
É por isso que marcas como a Volkswagen vivem relutando em entrar na categoria. E eu acho que eles estão certos. Vale mais a pena injetar dinheiro no rali, que é mais barato e onde é mais fácil ser competitivo. É o que a VW faz com o Skoda. E eles têm toda a minha torcida!
+++
Durante o último GP da Europa, Bernie Ecclestone convidou os cerca de 20 repórteres que já cobriram mais de 500 Grandes Prêmios para um jantar em seu motorhome. É uma turma da pesada, que possui o respeito do dirigente e é a única fração da mídia com capacidade de dar sugestões sobre o futuro da Fórmula 1. Como sempre ocorre nestas ocasiões, o napoleão inglês começou relembrando histórias do passado. Depois, discutiu com os jornalistas sobre as propostas de mudança no regulamento.
No final do encontro, porém, emitiu uma opinião surpreendente, de acordo com o relato do austríaco Helmut Zwickl (um da turma dos 20): “Acho que a Ferrari vai desistir da F-1 no final de 2006. Quando a Marlboro sair, vai sobrar um buraco enorme no orçamento da equipe. Quem vai conseguir cobrir isto? Ainda por cima, os contratos de Schumacher, Brawn e Byrne terminam no fim daquele ano.”
Não interessa se tal frase em tal ocasião foi sincera ou serviu apenas para assustar os formadores de opinião com a idéia de que a Fórmula 1 pode morrer se não dispor do patrocínio da indústria tabagista. Tudo perde importância diante do comentário senil de Bernie após um jornalista o perguntar se uma possível saída da Ferrari seria prejudicial à categoria: “Não. Depois de um ano, ninguém mais comentaria sobre isto…”
Asilo nele!!!
Abraço e até a próxima semana!
Luis Fernando Ramos |