Tem que acelerar!

“FESTA DO INTERIOR”
22/05/2003
“Um vice que é campeão” A sina do americano Randy Mamola, quatro vezes vice campeão do mundo
28/05/2003

Edu,

Já parece coisa velha, mas não vou deixar passar em branco: que corrida fantástica fez Michael Schumacher na Áustria. Não preciso descrever nada, creio que todos os nossos leitores já sabem por que estou fazendo este registro. Cada vez mais ele se consolida como um dos meus quatro pilotos de F 1 preferidos de todos os tempos.

No entanto, a corrida de Schumacher não teve segredos. Ele “apenas” fez aquilo que todos sabem ser o necessário para ganhar qualquer corrida de F 1: acelerou forte o tempo todo. Andou sempre tão rápido quanto pôde.

É por isso que fico com uma certa vontade de rir quando leio ou ouço pessoas aparentemente sensatas desenvolvendo as mais intrincadas teorias sobre táticas e estratégias para ganhar um GP. É claro que existe um planejamento minucioso, mas nenhuma tática ou estratégia será vencedora se o piloto não pisar fundo o tempo inteiro.

Já ouvi duas filosofias contraditórias sobre a receita de vencer uma corrida. Uma delas é de Nelson Piquet e foi citada em um livro muito interessante que li certa vez, chamado “Fórmula 1: Pela Glória e Pela Pátria”. Piquet dizia: “Na F 1 não tem estratégia. É o tempo todo lá” (entenda-se por “lá” algo como “no limite do carro e do piloto”). A outra, de Jackie Stewart, vai na direção oposta. Ele postulava algo como “ganhar uma corrida exige também que você ande tão devagar quanto possível”. É claro que, com essa frase, Stewart pretendia enfatizar a necessidade de conservar o carro, e não de pura e simplesmente tirar o pé do acelerador.

Quem está certo? Acho que ambos, cada um a respeito de uma coisa. Mas, no frigir dos ovos, sentado no cockpit, a frase de Piquet é muito mais realista e menos “declamação de regra” que a de Stewart. Lembro, sem forçar a memória, de pelo menos três casos que mostram como “acelerar é melhor do que economizar”. Um deles remonta ao GP do Canadá de 1991: Nigel Mansell entrou na última volta com 50 segundo de vantagem sobre Nelson Piquet. A corrida estava ganha e Mansell decidiu diminuir o andamento, certo de que poupar o carro era a melhor escolha naquele momento. Só que aquele Williams, o FW 14, era o primeiro F 1 com câmbio, suspensão e controles de tração eletrônicos. Com o motor funcionando a rotações significativamente mais baixas, o alternador não gerou carga suficiente para a bateria. Os comandos eletrônicos deixaram de funcionar e o motor apagou. O câmbio, também eletrônico, apagou e ficou em neutro – e não dava para fazer o carro pegar “no tranco”, como em um câmbio normal. Mansell parou a pouco mais de um quilômetro da bandeirada e deixou a vitória para Piquet.

Outro caso aconteceu no GP da Alemanha do ano passado. Michael Schumacher liderava longe, Ralf Schumacher era o 2º colocado, Juan Pablo Montoya o 3º e Rubens Barrichello o 4º. No meio da corrida, Barrichello percebeu que não conseguiria se aproximar de Montoya e decidiu diminuir um pouco o andamento. Nas últimas voltas, Ralf Schumacher teve um problema qualquer e parou no box, voltando em 3º lugar, pouco à frente do brasileiro. O próprio Barrichello reconheceu depois da corrida que poderia ter subido ao pódio se tivesse andando mais forte antes do problema de Ralf.

O caso mais eloqüente, porém, aconteceu no GP do Japão de 1989. Como todo mundo sabe, Prost e Senna sumiram de todo mundo durante a corrida e se enroscaram na chicane a 6 voltas do final. Prost parou ali mesmo e Senna, com o bico danificado, voltou à corrida depois de ficar cerca de meio minuto parado na chicane. A vantagem dos dois sobre o terceiro colocado, Alessandro Nannini, era tão grande que o brasileiro ainda voltou em 1º lugar e só perdeu a liderança porque parou para trocar o bico. Senna voltou à corrida e ultrapassou Nannini a duas voltas do final, recebendo a bandeirada cerca de 2 segundos à frente do italiano.

O que poucos sabem, porém, é que no meio da corrida Nannini se viu em 3º lugar, sem qualquer perspectiva de alcançar os dois McLaren e sem ser ameaçado por ninguém. Resolveu então se poupar, chegando em algumas voltas a rodar 3 segundos abaixo do ritmo normal. Isso, como se vê, acabou tendo conseqüências que foram muito além do resultado da corrida.

Se Nannini tivesse continuado a andar forte, teria assumido a liderança com uma vantagem muito maior sobre Senna. O brasileiro, por sua vez, não teria tido tempo de ultrapassar o italiano e terminaria em 2º lugar, já fora da disputa pelo título. Nannini, por sua vez, conseguiria sua única vitória na F 1 na pista, sem depender da desclassificação de Senna. Este, por sua vez, certamente reclamaria muito de Prost. E toda a polêmica que começou com a desclassificação de Senna e prosseguiu nos meses seguintes (e que rende discussões até hoje) simplesmente não teria existido – as controvérsias se limitariam à manobra de Prost.

Abraços,

LAP

GPTotal
GPTotal
A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *