Caros Bernie & Max
Aproveitando as férias do Panda (que nesta altura já deve ter chegado ao Taiti), me dirijo a vocês.
Lendo diariamente o GPTotal (o Luca e o Ron me contaram), vocês sabem bem que não me alinho automaticamente no grupo daqueles que criticam as suas decisões à frente da FOM e FIA. Acredito sinceramente que vocês – principalmente você, Bernie – desempenharam um papel fundamental no progresso do esporte, tendo tornado raro o morticínio nas pistas e possibilitado a pessoas como eu já ter assistido a quase 500 GPs, a maioria deles do conforto de casa.
É verdade que no meio do caminho vocês sacrificaram uma coisa ou outra da essência do automobilismo mas, de forma alguma, o desfiguraram. Quase não temos mais curvas velozes e os autódromos de verdade estão se acabando um depois do outro. Perdemos o velho Interlagos, Nurburgring, Clermont Ferrand, Osterreichring (240 km/h de média em 86), o Silverstone original, Brands Hatch, Spa 1a e 2a versão etc. Ganhamos em troca várias disneilândias em pontos remotos do planeta. É difícil perdoá-los por isso mas sempre podemos pensar que vocês estavam pensando em vidas humanas e não nas conveniências comerciais.
Mas deixa eu ir direto ao ponto: vocês não pensam em se aposentar? Você, Bernie, não acha que poderia dedicar o seu extraordinário talento comercial e administrativo à outra atividade – quem sabe à administração da Cart? Ela bem que está precisando. E você, Max? Que tal tentar uma carreira política? Sei que existe o problema com o seu pai, desculpe tocar no assunto, mas há muitas oportunidades na oposição inglesa ou mesmo na Comunidade Européia. Você deveria tentar. Se não der certo, dedique-se mais à FIA e ao projeto de ampliação dos níveis de segurança nas estradas e tire as competições da sua vida.
Digo isso porque acho que vocês estão se tornando um problema para a Fórmula 1 maior do que ela própria é capaz de se criar. Vocês estão errando no diagnóstico e propondo terapias que uma criança brincando de médico com a priminha não ousaria propor. Troca de pilotos durante a temporada? Posições inversas no grid? Um motor único para oito corridas?
O que vocês estão pensando?
Eu sei o que vocês estão pensando. Vocês estão querendo mais grana ou pelo menos salvar aquilo que têm hoje. Porque vocês já rasparam tudo o que tinha para raspar de dinheiro das transmissões de TV, bilheteria, direitos de arena e de promoção, merchandising (esta forma escrota de tirar dinheiro dos pobres vendendo-lhes produtos de péssima qualidade), espaços vip e venda de produtos e serviços nos autódromos (vocês faturam até naquele miserável x-miséria servido nas arquibancadas) e franquias (como as vendidas à Tag-Heuer e Siemens, que cronometram e difundem resultados das corridas). Deve haver outras fontes de dinheiro ainda mas a minha imaginação não as alcança.
Deve dar uma grana respeitabilíssima – não ouso dizer quanto – e vocês ficam com muito mais da metade de tudo – também não ouso imaginar – enquanto dez equipes têm de dividir as sobras. Agora que elas estão na seca com a grana dos patrocinadores, é óbvio que os olhos delas, dos fabricantes de motores e do resto da humanidade cresçam em cima de vocês.
Pega mal, muito mal esta história de você, Bernie, aparecer sempre na lista dos homens mais ricos da Inglaterra. Sei que estas continhas de jornalista não querem dizer muita coisa mas deve ser tanto dinheiro que nem dá para esconder. E você, Max, não me venha com esta história de que trabalha de graça para a FIA. Francamente…
A “crise” da Fórmula 1, vocês sabem, é simples assim. As equipes, os fabricantes e os organizadores de corridas querem mais dinheiro e vocês não querem abrir mão de nada. É claro que a Ferrari ajudou pacas, fazendo aquelas asnices de decidir as corridas como se estivesse numa quermesse de escola (olha aqui, Miguel: você já ganhou bastante. Agora deixa o Rubinho, coitadinho, ganhar um pouco).
Na expectativa de ir à falência, as equipes começam a gritar, os organizadores começam a gritar, os fabricantes de motores começam a gritar e vocês acham uma boa idéia botar fogo no circo para ver como é que fica, só porque não querem abrir mão do que estão ganhando.
Vocês, me desculpem dizer, estão agindo como típicos dirigentes esportivos que não deram para mais nada na vida, descobriram um osso bom e agora não querem larga-lo por nada no mundo. Pior do que isso, vocês adotam uma postura de que preferem ver o osso se acabar do que vê-lo na boca de outros.
Quando vocês começaram a trabalhar para a Fórmula 1, em meados dos anos 70, acredito sinceramente que se preocupavam com o interesse da comunidade – incluindo aí o público – antes de pensar no próprio interesse. Agora, não dá mais para fechar os olhos.
Vocês estão colocando os próprios interesses acima de tudo, das equipes, dos patrocinadores, dos organizadores de corridas e daquela pecinha que fica na frente da TV nos domingos de manhã e, de vez em quando, gasta o dinheiro do mês para espichar o pescoço nas arquibancadas para ver os carros passar.
Vocês estão enredados nas próprias metas de faturamento, curvas de crescimento, Ebita, debêntures conversíveis, fideicomissos, paraísos fiscais e talvez mesmo endividados por empréstimos para financiar idéias descabeladas, como a da TV Digital, que não deve gerar dinheiro nem para pagar o próprio transporte, que demanda quatro ou cinco jumbos. (E agora me vem você, Bernie, dizer que a partir de 2003 a TV digital vai gerar as imagens das corridas para a TV aberta, o que quer dizer que as redes de TV vão pagar a conta da sua bola fora…)
Ah sim. Existe o problema do domínio da Ferrari. Mas isso é fácil de resolver: ponha uns 20 kg de lastro nas cabeças de Patrick Head e Adrian Newey (diretores técnicos da Williams e McLaren) e dos projetistas da BMW e Mercedes e depois amarre firmemente um dos braços do Michael Schumacher. As corridas vão ficar mais parelhas. Se não ficarem, esprem mais um pouco: nem um domínio na Fórmula 1 é para sempre.
Perdoem a franqueza e lembrem-se de que, antes de criticá-los, elogiei com sinceridade o papel que vocês desempenharam na Fórmula 1
Eduardo Correa
P.S.1: velho é uma m… Esquece tudo! Outro dia falei aqui em minha coluna ou no Pergunte ao GPTotal (já não lembro mais) da entrevista do Senna depois do GP do Japão de 91. Vários leitores me cobraram a transcrição da entrevista e respondi que precisa encontrá-la em meio a minha papelada e coisa e tal. Aí me vem o leitor Fernando Costa, de Santos, e me lembra que eu havia transcrito boa parte da entrevista em meu livro! Mais do que isso, Fernando teve a gentileza de copiar os trechos do livro para o e-mail, de forma que quem tiver curiosidade pode dar uma olhada na tal entrevista. Basta clicar aqui. Obrigado Fernando e tenha paciência com o velho aqui…
P.S.2: durante as férias do Panda, que depois do Taiti vai dar uma esticada na costa leste da Austrália, vou atualizar o site às 2as e 6as-feiras com rodadas de Pergunte ao GPTotal e, às 4as, com as minhas próprias mal-traçadas. A correspondência dos leitores, os votos para Os Mais Belos Fórmula 1 e Sport Protótipos e Retrospectiva 2002 continuam sendo atualizados mais ou menos diariamente, conforme o meu tempo e o da Santa Dani permitirem.
Abraços a todos (EC)