Escrevo esta coluna inspirado pelo mote levantado pelo Edu no começo da semana: escolher o GP do Brasil de que mais gostei. Tarefa difícil, mas não impossível.
Sou muuuuito mais novo que o Edu – e isto é uma vantagem para ele, que acompanhou e se lembra de todos os GPs do Brasil realizados. Os leitores mais antigos/assíduos/fuçadores sabem que comecei a gostar de corridas no final de 1978. Infelizmente, não vi, nem ao vivo nem pela TV, as belas vitórias de Emerson em 1973 e 1974. Nem a maravilhosa festa que aconteceu pela dobradinha José Carlos Pace-Emerson Fittipaldi em 1975 – prova esta que marcou também a primeira vez que o Copersucar-Fittipaldi, com Wilsinho ao volante, recebeu a bandeirada final em um GP de F 1, em 13º lugar. Não vi a grande confusão do GP de 1977, em que o asfalto da antiga e desafiadora Curva 3 começou a soltar pedaços no meio da prova, causando acidentes que eliminaram oito carros. Também não tive a oportunidade de me emocionar com o segundo lugar de Emerson e do Fittipaldi F5A no GP do Brasil de 1978, o melhor resultado da equipe brasileira em sua história. Recentemente, tive o prazer de assistir a um vídeo desta corrida graças à cortesia do leitor Márcio Madeira da Cunha, a quem agradeço por esta e outras corridas de tempos idos.
Mas não me faltam recordações de bons momentos proporcionados por GPs do Brasil, assistidos ao vivo ou pela TV. Guardo nítidas lembranças da corrida de 1979, que assisti ao vivo, da arquibancada da subida dos boxes – uma experiência inesquecível para um menino de 11 anos incompletos, que descobrira o esporte (eu chamo de esporte, viu, Tite?) apenas cinco meses antes. Tudo ali incendiou minha imaginação: o uivo dos motores, o cheiro da fumaça resultante da combustão da gasolina, as cores vivas das carenagens, a atenção voltada para os mínimos detalhes.
Perdi a dobradinha Pace-Emerson, mas fiquei extremamente feliz com outra, a de Nelson Piquet e Ayrton Senna no GP do Brasil de 1986. Bons tempos aqueles: tínhamos dois dos melhores pilotos do mundo e ainda pudemos vê-los andando juntos e disputando a vitória, ainda que isso tenha acontecido durante poucas voltas. Aliás, a primeira dobradinha aconteceu ainda nos treinos, com Senna largando na pole position e Piquet completando a primeira fila.
Lembro-me nitidamente do GP do Brasil de 1991, o primeiro que cobri como jornalista. Por motivos óbvios, para mim aquele seria um GP histórico, qualquer que fosse o resultado. Só que a corrida foi histórica para todo mundo: foi nesse ano que Senna venceu pela primeira vez o GP do Brasil, fazendo um esforço extraordinário para manter-se na frente com um carro cujo câmbio funcionava apenas em primeira e sexta marchas.
Nenhuma dessas corridas, porém, me marcou tanto quanto o GP do Brasil de 1982.
Nos dois anos anteriores, torci como louco para Piquet conquistar o título mundial. Perdeu em 1980 e ganhou em 1981. Mas Piquet nunca havia vencido um GP “em casa”. Era agradabilíssimo ler sobre as vitórias de Emerson e Pace em 1973, 1974 e 1975, mas certamente não era a mesma coisa que ver a coisa acontecer diante dos próprios olhos – ainda que pela TV.
Em 1982, a torcida compareceu em peso a Jacarepaguá para torcer por Piquet. Chico Serra e Raul Boesel também correram, mas tinham carros pouco competivos e sem chances de sequer andar entre os dez primeiros. Para eles, o objetivo seria terminar – e nem isso foi possível. Ambos bateram – Boesel por causa de um pneu furado, Serra por causa de uma suspensão quebrada.
Piquet fez apenas o sétimo tempo nos treinos. A primeira fila foi dividida entre Alain Prost, o pole, e Gilles Villeneuve. Na largada, Villeneuve tomou a ponta com sua Ferrari. Piquet largou melhor que dois dos pilotos que largaram à sua frente, mas também foi ultrapassado por dois que estavam atrás dele no grid. Completou a primeira volta no mesmo sétimo lugar em que largou.
Terceira volta, e Didier Pironi rodou bem à frente de Piquet. Daí em diante, o então campeão mundial começou a ultrapassar quem estivesse à sua frente. Com cerca de 15 voltas completadas, alcançou o terceiro lugar e começou a se aproximar de Keke Rosberg, que estava muito próximo do líder Villeneuve. Começaram então os melhores momentos da prova.
Durante várias voltas, os três pilotos correram juntos, em ritmo muito forte. Piquet conseguiu a ultrapassagem sobre Rosberg, mas depois o finlandês recuperou a posição. Piquet deu o troco e começou a atacar Villeneuve. Eu, particularmente, vivia um dilema: meus dois pilotos preferidos estavam disputando a liderança! E além deles havia Rosberg, cuja condução agressiva eu passei a admirar depois de uma atuação sensacional no GP da Holanda de 1979. Eu queria a vitória de Piquet, é claro, mas não conseguia torcer contra Villeneuve. Assisti essa corrida na casa de um grande amigo, Marcelo Cardoso, que se divertiu com o nó formado na minha cabeça…
Villeneuve, Piquet e Rosberg andaram juntos até a 30ª volta. Piquet chegou colado a Villeneuve na curva Nonato, bem aberta à direita. Esta curva formava quase um “S”, pois saía diretamente na curva Norte, bem fechada à esquerda, e que levava ao retão do autódromo do Rio. O brasileiro fez menção de passar Villeneuve por dentro na entrada da Nonato. Para evitar que isso acontecesse, Villeneuve atrasou ligeiramente a freada, mas com isso saiu da curva um pouquinho mais forte do que devia e acabou colocando as duas rodas da esquerda na grama. A Ferrari perdeu aderência, cruzou a pista da esquerda para a direita, quase batendo em Piquet, e virou em sentido contrário, indo bater de traseira no guard-rail da Norte.
Daí em diante, a corrida ficou monótona: com pista livre, Piquet não tem dificuldades para se distanciar de Rosberg até receber a bandeirada. Festa nos boxes, nas arquibancadas e na frente das TVs: sete anos depois, um brasileiro voltava a vencer o GP do Brasil. No pódio, Piquet, extenuado, desmaiou após tentar se apoiar nos ombros de Rosberg e Prost, que terminara em terceiro. Recuperou a consciência em poucos minutos e estourou champanhe sentado no degrau mais alto do pódio.
Acabou? Não. Três semanas depois, a FIA desclassifica Piquet e Rosberg. Essa desclassificação já foi detalhadamente explicada na seção “Pergunte ao GPtotal”, razão pela qual peço aos amigos leitores que usem nossa ferramenta de busca para encontrar o artigo referente. É claro que a notícia foi um balde de água fria, esquecido no ano seguinte com uma nova vitória de Piquet – desta vez, sem desclassificação “a posteriori”.
A atuação de Piquet não é a única razão para eu lembrar com carinho dessa corrida. Foi também o último GP do Brasil com as presenças de Gilles Villeneuve e Colin Chapman. Ambos – um como piloto, outro como dono de equipe e engenheiro – eram dignos representantes de uma fase em que a ousadia e o destemor ainda eram bem-vindos na Fórmula 1. Em maio, Villeneuve morreria em Zolder; em dezembro, era anunciada a morte de Chapman – uma história até hoje mal explicada, mas sobe isso falarei em outra oportunidade.
Foi um GP memorável também pela qualidade dos competidores. Além dos já citados Piquet, Villeneuve, Rosberg, Prost e Pironi, encontravam-se, entre pilotos já consagrados e novatos promissores, liam-se nomes como Niki Lauda, Carlos Reutemann, Riccardo Patrese, Elio de Angelis, John Watson, Michele Alboreto, René Arnoux, Nigel Mansell, Jochen Mass e Jacques Laffite. Todos vencedores de pelo menos um GP na F 1, e cinco deles coroados campeões do mundo em momentos diversos da história. Entre as equipes, liam-se nomes como Brabham, Tyrrell, Williams, McLaren, Ferrari, Lotus, Renault, Ligier, March e Alfa Romeo. Algumas já decadentes, mas todas com vitórias em GPs.
Hoje, relembro como fiquei feliz naquele dia 21 de março de 1982, simplesmente por ter visto a vitória de um piloto brasileiro no GP do Brasil. Por isso, ficarei contente se Rubens Barrichello conseguir finalmente realizar seu sonho de vencer em Interlagos. Por ele, é claro, mas também por uma geração de torcedores que poderão finalmente sentir o prazer de comemorar a vitória de um brasileiro no GP do Brasil. Exatamente como aconteceu comigo há 22 anos.
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Tive a felicidade de participar do evento de apresentação do FD 01, projetado por nosso colunista Ricardo Divila e primeiro carro de F 1 construído pela equipe Fittipaldi. Foi uma rica oportunidade para conversar longamente com Divila e Wilsinho Fittipaldi sobre vários assuntos. Alguns deles, é claro, serão devidamente transformados em colunas do GPtotal em futuro próximo. Aguardem!
Luiz Alberto Pandini |